segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Sérgio dos Santos Martins (Mundo exterior em oposição ao espaço do mundo doméstico uma análise dos contos de Clarice Lispector)

RESUMO


O estudo da obra de Clarice Lispector leva-nos identificar o oposto na construção da identidade feminina. As relações apresentadas pela autora em suas obras, revelam o confronto de identidades, que discrimina universos distintos. O confronto e o encontro de identidades se faz através da utilização da linguagem sutil que a autora utiliza, na representação literária, colocando em evidência o mundo exterior em relação ao mundo interior.Em sua obra “A Imitação da Rosa” e “Amor”, Clarice Lispector, através de sua narrativa, e de seus personagens apresenta em seu discurso os valores da cultura brasileira, referentes à construção da identidade feminina. A riqueza destas obras, vem de encontro aos objetivos deste estudo, que pretende realizar uma explanação teórica acerca do mundo exterior em oposição ao espaço do mundo doméstico, dando ênfase à construção da identidade feminina no contexto sociocultural brasileiro.O percurso metodológico deste estudo foi elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica descritiva, na qual se buscará uma revisão de literatura a partir da leitura de fontes científicas em livros, artigos on line, artigos impressos, textos, sites da Internet, bibliotecas virtuais, entre outros, que tratam da obra de Clarice Lispector.

INTRODUÇÃO

O estudo da obra de Clarice Lispector leva-nos identificar o oposto na construção da identidade feminina. As relações apresentadas pela autora em suas obras revelam o confronto de identidades, que discrimina universos distintos. O confronto e o encontro de identidades se fazem através da utilização da linguagem sutil que a autora utiliza, na representação literária, colocando em evidência o mundo exterior em relação ao mundo interior.

Em sua obra “A Imitação da Rosa” e no conto “ Amor”, Clarice Lispector, através de sua narrativa, e de seus personagens apresenta em seu discurso os valores da cultura brasileira, referentes à construção da identidade feminina.

A riqueza destas obras vem de encontro aos objetivos deste estudo, que pretende realizar uma explanação teórica acerca do mundo exterior em oposição ao espaço do mundo doméstico,dando ênfase à construção da identidade feminina no contexto sociocultural brasileiro.

O percurso metodológico deste estudo será elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica descritiva, na qual se buscará uma revisão de literatura a partir da leitura de fontes científicas em livros, artigos on line, artigos impressos, textos, sites da Internet, bibliotecas virtuais, entre outros, que tratam da obra de Clarice Lispector. A análise da obra de Clarice Lispector tendo em vista compreender elementos da construção da identidade feminina tem grande significado sociocultural, pois em suas obras encontram-se uma visão do mundo feminino em permanente construção.

Cabe ressaltar, que este estudo não tem a intenção de realizar um estudo antropológico e cultural aprofundado sobre a construção da identidade da mulher em nossa sociedade, entretanto, buscarão elementos que demonstrem a concepção dos valores femininos nestas obras. Acerca da obra de Clarice Lispector, Rocha-Coutinho (2007, p. 2) ressalta que:

Poucos autores brasileiros souberam como Clarice, captar o universo e a problemática femininas de um ponto de vista tão perspicaz e questionador [...]Um dos temas centrais na obra de Clarice é a mulher e sua condição.Sua narrativa frequentemente se move em torno da questão.

Nas obras de Clarice Lispector, as mulheres são as personagens principais, cuja característica marcante é a busca incessante para encontrar seu lugar no mundo. Estas mulheres, presentes nas narrativas da autora representam as várias fazes femininas dentro da nossa cultura, enfim dentro de nossa sociedade.

Esta análise revela-se importante, porque é no discurso literário da Clarice Lispector que estas faces femininas se sustentam e marcam a concepção de mulher de uma determinada época. Outro aspecto relevante, é que na narrativa, as personagens femininas carregam consigo os valores que a sociedade impõe às mulheres. Neste sentido, se constrói a identidade feminina nas obras da autora, pois nelas são retratados os vários papéis impostos à condição feminina como: casamento, maternidade, trabalho, etc.., e quais escolhas as mulheres fazem diante destas imposições. 

O conto “Amor”, é considerado pela crítica literária um das mais célebres obras de Clarice Lispector. Este conto teve sua primeira edição publicada em 1952. Esta obra tem como sua principal personagem, Ana, é uma dona - de - casa comum, que após o encontro com um cego na rua, passa a enxergar o mundo e suas relações pessoais de outra forma. Identifica-se na personagem de Ana, uma característica da construção da identidade feminina, pois por um lado ela descobre que é infeliz com o papel que lhe é imposto pela sociedade, por outro, ela busca fugir desta imposição, em meio a muitas contradições. Para Nascimento (2003, p.38):

Acredita-se que a experiência vivenciada por Ana provocara sensações tão profundas, em que redescobrira o mundo, “descobrira que pertencia a parte fora do mundo”, um mundo que nem sempre muito fácil, previsível e justo, é certo, mas um mundo infinitamente belo, que “ precisava dela”, que era seu, “ não havia como fugir”.

A personagem feminina no conto “Amor” é inicialmente narrada pela autora como uma alienada e submissa ao papel social que lhe é imposto pela sociedade. Ela está resignada à sua condição feminina. O encontro com o cego, leva Ana a refletir que vive num mundo de escuridão, com um identidade que não é a dela, por isso passa a refletir constantemente sobre os relacionamentos a partir daquele momento. O papel designado para a personagem é aquele voltado para os compromissos com o casamento e com as tarefas do dia-a-dia da casa, sendo que também é sua tarefa cuidar dos filhos e ajudar o marido a obter sucesso em sua vida profissional.

Desta forma, a felicidade da mulher representada nesta obra de Clarice Lispector, gira em torno de padrões de comportamentos que foram estabelecidos socialmente e que prescindiram da vontade dela. Ela vive sua felicidade ao desempenhar o papel a que foi destinada dentro da sociedade. Rocha- Coutinho (2007, p.3), acerca das personagens femininas de Clarice Lispector, afirma que:

Na proposta crítica de Clarice, o cumprimento do dever burguês feminino vai se atualizar nesta relação da mulher com a casa, os filhos e a família, no bom desempenho de suas funções femininas. A paz resultaria da aceitação e conformidade a este papel social previamente estabelecido. A individualidade da mulher nesta ordem social é, de fato, apenas aparente. Todas elas parecem seguir cegamente um modelo, um padrão de comportamento imposto pela sociedade.

A personagem vive um processo de conscientização do seu papel dentro da sociedade e descobre que seu cotidiano já não lhe fascina mais, pois ela vive uma falsa felicidade, na qual ela é um ser destinado a vier para os outros, ou seja, tem que se dedicar à família, ao marido e aos filhos. Ela vive uma vida a qual foi predestinada a viver e não uma vida que ela escolheu para si. Neste sentido, a autora, apresenta em sua narrativa as angústias vivenciadas pelas mulheres de uma determinada época social. Acerca disto, Abiahy (2002, p.2) explica que:

A nosso ver, as narrativas de Lispector expressam angústias vivenciadas por mulheres brasileiras educadas sob o estigma da idealização da esposa, mãe e dona-de-casa que, na época em que os contos foram produzidos, sofria alterações. Assim, as narrativas de Clarice Lispector estabelecem vínculos entre a literatura e as tensões sócio-históricas.

A partir de seu encontro com o cego, Ana redescobre seu mundo particular e começa a ver que seu dia-a-dia é ausente de sentido pessoal. Com isto, ela parte em busca de uma identidade, longe da vida cômoda e tranqüila que aparentemente lhe gerava felicidade. No conto “A Imitação da Rosa”, a personagem principal é Laura, que é uma dona-de-casa comum que vive o drama de estar às voltas com um problema psíquico. Quando retorna às suas atividades no seu lar, depois de um período em que esteve internada.

A busca da identidade desta personagem se constrói no mergulho interior que Laura faz dentro de si mesma. Consciente de que seu papel na sociedade é imposto por regras sociais, que limitam a condição feminina, a personagem busca sua libertação para o seu conflito em seus diálogos consigo mesma. Entretanto, sua busca se torna inútil, e Laura se perde em sua própria insanidade. No conto A Imitação da Rosa, a personagem conversa consigo mesmo na imaginação, chamando a si mesma na terceira pessoa, e fica imaginando diálogos que teria com a amiga Carlota e com Armando, seu marido (ABIAHY, 2002 ).

No que diz respeito ao destino da Laura, Abiahy (2002, p.3) afirma que :

Em “A imitação da rosa”, Laura sequer caminha, estando presa em sua sala, dando voltas apenas no labirinto de sua mente, tendo poucos verbos de ação física no conto. Seus passos são contidos, a voz narrativa nos informa que ela sai da penteadeira para o sofá, levantando-se para arrumar as flores à mesa, que acabam levando-a, sim, a muitos questionamentos. No entanto, a personagem parece não encontrar saída no emaranhado mental resultante das ideologias patriarcais introjetadas.

Laura, com seus diálogos, pretende alcançar a compreensão de seu papel dentro da sociedade, ou seja, ela que rever seu papel dentro da sociedade, isto faz com que ela busque uma nova identidade. Desta forma, verifica-se que há um confronto entre o mundo exterior e o mundo interior, pois a personagem vivencia um conflito entre a moral imposta pela sociedade patriarcal, de que o papel da mulher é ser dona-de-casa e mãe-de-família , tendo deveres com os filhos, o marido e a sociedade, e entre seu desejo de ser realmente feliz.

Para Abiahy (2002, p.2):

“A imitação da rosa” aborda a explosão do conflito de identidade vivido pela protagonista Laura e o questionamento que angustia a personagem, desejosa de atingir um novo modo de agir, mas incapacitada devido à moral patriarcal que vai levá-la a uma fuga interior, através da insanidade

Face ao exposto, observa-se que o discurso presente nas obras de Clarice Lispector retrata a condição feminina de uma época, em que a ideologia patriarcal determina o modo de vida das mulheres. Através das narrativas, observam-se elementos de opressão da condição feminina, presentes na sociedade. Percebem-se tais elementos na narrativa do cotidiano das personagens, bem como nos questionamentos que estas fazem sobre sua vida no decorrer da narrativa.

A partir disto, é possível analisar a existência de dois mundos distintos na obra clariciana, uma diz respeito ao mundo exterior e outra ao mundo doméstico. O confronto entre estes dois mundos se mostra evidente nos questionamentos que as personagens fazem acerca de sua condição. A luta das personagens para não se acomodarem frente aos limites que lhe são impostos demonstra a compreensão que têm sobre as diferenças entre estes mundos, sobre as desigualdades de gênero que são introjetadas como algo natural para quem ocupa o papel feminino dentro da sociedade.

Outro aspecto relevante na narrativa destes contos, é que a insatisfação demonstrada pelas personagens aponta para a necessidade de transformação desta ordem estabelecida, e que este processo deve percorrer o caminho da conscientização. Os conflitos internos travados por Ana e Laura, são discursos críticos que ao mesmo tempo que influenciam são influenciados pelo contexto sociocultural, levando-as à compreensão de que há possibilidade que o espaço doméstico seja transformado, no qual as mulheres possam exercer sua individualidade, fora dos limites impostos pela sociedade patriarcal.

Diante da análise realizada, verificou-se que as obras de Clarice Lispector apresentam características do o universo feminino num embate entre o mundo interior e o mundo exterior. O mundo exterior representado pelas regras impostas pela sociedade patriarcal que subjuga a condição feminina e o mundo interno é retratado pelos conflitos das personagens , que lutam sua libertação, pois sabem que sua felicidade está além das coisas banias que realiza em seu cotidiano.

Estas obras se constituem uma ponte na qual o discurso da autora, eleva o leitor a compreender a construção da identidade feminina em confronto com as normas sociais que ditam qual deve ser o papel da mulher na sociedade machista. Através das personagens femininas, Ana e Laura, observam-se implicações que a autora faz a respeito da condição feminina e qual alternativa a mulher pode seguir em busca de sua própria identidade. Isto leva à compreensão que existe na sociedade um papel determinado para a mulher, e que ao cumpri-lo, esta se sentirá feliz e realizada. Entretanto, a autora coloca uma saída para o sofrimento feminino, fazendo alusão aos questionamentos e angústias que as personagens vivenciam no transcorrer da narrativa.

As obras retratam o ideário dominante que vai se incutir no pensamento das mulheres representadas por Lispector. As personagens são engendradas a partir da relação de gênero que existe na sociedade, e através dos códigos presentes no discurso, que expõe o os conflitos vivenciados pelas mulheres para a formação de uma identidade feminina.

CONCLUSÃO

A partir da realização deste estudo foi possível verificar que a autora Clarice Lispector reflete sobre a condição feminina na sociedade e propõe reflexões sobre este tema através de suas personagens.

As personagens das obras literárias analisadas estão mergulhadas em seu cotidiano do qual emergem para a busca de uma identidade pessoal. Neste percurso, a autora apresenta elementos sobre a sujeição das mulheres aos padrões impostos pela sociedade.  

As narrativas de Clarice Lispector expressam angústias femininas, que foram educadas sob o estigma da idealização da mulher na sociedade patriarcal. Neste sentido, as personagens da autora mantém um vínculo com o contexto social e histórico da sociedade, e também representam os caminhos que a mulher pode escolher livremente para libertar-se da sua sujeição ao padrões de comportamento que lhe foram impostos.

As obras analisadas, levam o leitor para além de uma simples leitura, levando-o a refletir sobre a condição feminina dentro da sociedade através do discurso da autora, que no decorrer de sua narrativa expressa as angústias vivenciadas por estas mulheres e sua luta para construírem sua identidade. Foi verificado que as protagonistas claricianas vivenciam constantes conflitos entre o mundo exterior e o mundo interior e que sua trajetória na narrativa, busca a libertação e a criação de um caminho para a libertação da condição de sujeição em que vivem dentro da sociedade patriarcal. A construção do universo feminino firma-se no confronto vivenciado pelas personagens , que através de seus diálogos refletem a condição feminina na sociedade patriarcal.

REFERÊNCIAS

LISPECTOR, Clarice. "Amor" in. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998
LISPECTOR, Clarice. A imitação da rosa. In: Laços de família. Rio de janeiro: Rocco, 1998.

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