quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Poetas Africanos (2)

(As fotos correspondem aos poetas desta postagem)
MORGADO MBALATE
(Moçambique)

Um Sonho Africano

Um sonho se guarda em volta dos meus passos.
África sonha quando escrevo.
Escrevo para incentivar o povo africano a sonhar.
Todos os meus escritos
são tentativas de renascer-me África.
Ser africano é ser invadido pelo sonho de liberdade.
Sou um pouco da África que nasce.
Sou um pouco da África que morre.
Sou muito da África que sonha.
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ANTÓNIO CARDOSO 
(Angola) 

Árvore de Frutos
  
Cheiras ao caju da minha infância 
e tens a cor do barro vermelho molhado 
de antigamente; 
há sabor a manga a escorrer-te na boca 
e dureza de maboque a saltar-te nos seios. 

Misturo-te com a terra vermelha 
e com as noites 
de histórias antigas 
ouvidas há muito. 

No teu corpo 
sons antigos dos batuques á minha porta, 
com que me provocas, 
enchem-me o cérebro de fogo incontido. 

Amor, és o sonho feito carne 
do meu bairro antigo do musseque! 
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ARMANDO ARTUR
(Moçambique)

A arte de viver

Habito no halo
dos meus versos
onde incansavelmente
rimo palavras sem rima
e seco lágrimas sem pranto

é a arte de viver...

como lacrar a vida e o amor
sem cantar?
como vencer o tédio e o temor
sem bailar?
eis a razão
porque sonho sem sono
    porque voo sem asas
    porque vivo sem vida

no avesso dos versos escondo
o tesouro da minha contrariedade
o mistério da minha enfermidade
e o feitiço da minha eternidade
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GERALDO BESSA VICTOR 
(Angola) 
  
As raízes do nosso amor
  
Amo-te porque tudo em ti me fala de África, 
duma forma completa e envolvente. 
Negra, tão negramente bela e moça, 
todo o teu ser me exprime a terra nossa, 
em nós presente. 

Nos teus olhos eu vejo, como em caleidoscópio, 
madrugadas e noites e poentes tropicais, 
- visão que me inebria como um ópio, 
em magia de místicos duendes, 
e me torna encantado. (Perguntaram-me: onde vais? 
E não sei onde vou, só sei que tu me prendes...) 

A tua voz é, tão perturbadoramente, 
a música dolente dos quissanges tangidos 
em noite escura e calma, 
que vibra nos meus sentidos 
e ressoa no fundo da minh'alma. 

Quando me beijas sinto que provo ao mesmo tempo 
o gosto do caju, da manga e da goiaba, 
- sabor que vai da boca até às vísceras 
e nunca mais acaba... 

O teu corpo, formoso sem disfarce, 
com teu andar dengoso, parece que se agita 
tal como se estivesse a requebrar-se 
nos ritmos da massemba e da rebita. 
E sinto que teu corpo, em lírico alvoroço, 
me desperta e me convida 
para um batuque só nosso, 
batuque da nossa vida. 

Assim, onde te encontres (seja onde estiveres, 
por toda a parte onde o teu vulto for), 
eu te descubro e elejo entre as mulheres, 
ó minha negra belamente preta, 
ó minha irmã na cor, 
e, de braços abertos para o total amplexo, 
sem sombra de complexo, 
eu grito do mais fundo da minh'alma de poeta: 
- Meu amor! Meu amor! 
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REIS VENTURA
(Angola)

Baião de Luanda

Tão velhinha e tão linda, e tão presa
nos mistérios das ondas do mar,
é Luanda uma flor, uma beleza
com perfume e encantos sem par.

De S. Paulo à Marginal
- Vem ver , meu amor! -
Luanda ao sol-pôr,
Como é sem favor, divinal!

Raparigas do Bungo e da Samba,
do Cruzeiro e da Sé, do Balão,
na Paris, Polo Norte ou Mutamba,
são a nossa maior tentação.

Nesta terra onde eu nasci
eu quero casar
e ter o meu lar
e rir e chorar
só por ti.

Pelos bailes seletos da Alta,
nos batuques tão ricos de cor,
é Luanda que dança e que salta,
numa festa de vida e amor.

Bungo, Samba e Sambizanga
ou Portas do Mar
- Tudo isto é Luanda,
cidade e quitanda
ao luar...

Tão velhinha e tão bela e fagueira,
debruçada nas ondas do mar,
É Luanda sagaz, feiticeira.
Quem cá chega, cá quer ficar!
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JULIÃO SOARES SOUSA
(Guiné-Bissau)

Cantos do meu País

Canto as mãos que foram escravas
nas galés
corpos acorrentados a chicote
nas Américas

Canto cantos tristes
do meu País
cansado de esperar
a chuva que tarde a chegar

Canto a Pátria moribunda
que abandonou a luta
calou seus gritos
mas não domou suas esperanças

Canto as horas amargas
de silêncio profundo
cantos que vêm da raiz
de outro mundo
estes grilhões que ainda detêm
a marcha do meu País
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ANTÓNIO JACINTO
(Angola)

Declaração

As aves, como voam livremente
num voar de desafio!
Eu te escrevo, meu amor,
num escrever de libertação.

Tantas, tantas coisas comigo
adentro do coração
que só escrevendo as liberto
destas grades sem limitação.
Que não se frustre o sentimento
de o guardar em segredo
como liones, correm as águas do rio!
corram límpidos amores sem medo.

Ei-lo que to apresento
puro e simples -  o amor
que vive e cresce ao momento
em que fecunda cada flor.

O meu escrever-te é
realização de cada instante
germine a semente, e rompa o fruto
da Mãe-Terra fertilizante.

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