domingo, 8 de setembro de 2024

Filemon Francisco Martins (Trovas em preto e branco)


1
A felicidade é um sonho,
- por que deixar pra depois?
O amor é sempre risonho
na vida vivida a dois.
2
Cai a chuva na vidraça
e eu fico triste, porquê
não há beleza, nem graça,
nesta casa sem você.
3
Criança és flor, és bonança
espargindo luz e amor,
porque trazes a esperança
de um futuro promissor.
4
“Das coisas belas da vida”
que colhi, em profusão,
eis a mais nobre e querida:
em cada TROVA um irmão!
5
Falando de amor, Maria,
que saudades sinto agora
daquela doce alegria
que em teus olhos vi outrora.
6
Gosto da vida pacata,
homens simples dos sertões,
pois vejo usando gravata
por aqui muitos ladrões.
7
Nenhum poema é mais belo
e inspira tanta esperança
do que um sorriso singelo
no rosto de uma criança.
8
No meu balaio carrego
sonhos de amor e venturas,
mas muitos sonhos, não nego,
se tornaram desventuras.
9
Quantas noites, meu amor,
olhando, no céu, a lua,
eu me sinto um trovador
pensando na imagem tua.
10
Que o teu futuro, criança,
seja de luz e esplendor,
vislumbre de confiança
no mundo do desamor.
11
“Sorriria de feliz”
e o mundo teria paz,
se o coração que maldiz
soubesse perdoar mais.
12
Tenho certeza que a trova
– poema feito de amor -
é um sonho que se renova
na vida de um trovador.
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AS TROVAS DE FILEMON MARTINS EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de Filemon Martins são belas expressões de sentimentos profundos e reflexões sobre a vida, o amor e a inocência. Cada uma delas traz um toque de sabedoria e carinho, capturando emoções que ressoam com muitos de nós.

AS TROVAS UMA A UMA

1. A felicidade é um sonho
A felicidade é apresentada como um ideal, um sonho que deve ser buscado. O amor, descrito como "risonho", indica que a partilha da vida a dois é fundamental para a realização desse sonho.

2. Cai a chuva na vidraça
A chuva simboliza tristeza e melancolia. A casa "sem você" representa a ausência de um amor, enfatizando que a beleza da vida está intrinsecamente ligada à presença do outro.

3. Criança és flor, és bonança
A comparação da criança a uma flor expressa a fragilidade e beleza da infância. A criança é vista como portadora de esperança, sugerindo que o futuro pode ser iluminado pela inocência.

4. “Das coisas belas da vida”
A valorização das conexões interpessoais é central. A frase "em cada TROVA um irmão" indica que a arte e a poesia podem unir as pessoas, criando laços de fraternidade.

5. Falando de amor, Maria
A menção a Maria e a "doce alegria" expressa uma nostalgia profunda. A lembrança dos olhos do amado sugere que o amor deixa marcas duradouras na memória.

6. Gosto da vida pacata
A preferência pela vida simples contrasta com a corrupção e desonestidade, simbolizadas pelos "homens usando gravata". Há uma crítica à superficialidade e à hipocrisia da sociedade.

7. Nenhum poema é mais belo
O sorriso de uma criança é exaltado como a mais pura forma de beleza. Essa simplicidade é um reflexo da esperança e da pureza que ainda existem no mundo.

8. No meu balaio carrego
A imagem do "balaio" representa a carga emocional que o eu lírico carrega. A dualidade entre sonhos e desventuras reflete a realidade de que nem todos os desejos se concretizam.

9. Quantas noites, meu amor
A lua simboliza a inspiração e a contemplação noturna, reforçando a ideia de que a distância do amor provoca reflexão e saudade.

10. Que o teu futuro, criança
Um desejo sincero para que as crianças tenham um futuro brilhante, mesmo diante das adversidades. O "mundo do desamor" sugere um ambiente difícil, mas a confiança é uma luz a ser cultivada.

11. “Sorriria de feliz”
O perdão é apresentado como uma solução para a maldade e a discórdia. A ideia de que um coração que perdoa poderia trazer paz ao mundo é um forte apelo à empatia e compreensão.

12. Tenho certeza que a trova
A trova é vista como uma forma de arte que renova sentimentos e experiências. É um testemunho do poder da poesia em refletir o amor e as vivências humanas.

TEMAS ABORDADOS PELAS TROVAS DE FILEMON E SUA SIMILARIDADE COM POETAS DE DIVERSAS ÉPOCAS

1. Felicidade e Amor
A busca pela felicidade é um tema universal. Filemon sugere que o amor é a chave para essa felicidade, refletindo a visão romântica de que a união entre duas pessoas é essencial para a realização pessoal. Poetas como Pablo Neruda e Vinicius de Moraes também exploraram essa conexão, enfatizando a intensidade e a beleza do amor. Para Neruda, o amor é um ato de resistência, uma força que nos conecta profundamente com o outro e com nós mesmos.

2. Solidão e Ausência
A tristeza provocada pela ausência de um amor é um sentimento profundo e recorrente na poesia. Filemon expressa essa dor de forma sensível, semelhante ao que Fernando Pessoa fez com sua famosa saudade, mostrando como a ausência pode modificar a percepção do mundo.

3. Inocência e Esperança
A criança como símbolo de esperança remete a uma visão otimista da vida. Cecília Meireles capturou essa essência, ressaltando a beleza da infância e a pureza dos sentimentos, mostrando que a inocência é uma forma de resistência ao desespero do mundo. A infância e a inocência trazem esperança em meio à tristeza. As crianças são flores que brotam em nossos corações.

4. Relações Humanas
O trovador valoriza as conexões humanas, refletindo uma visão de comunidade e amor fraternal. Esse tema é também central na obra de Adélia Prado, que muitas vezes fala sobre as relações interpessoais e a importância do afeto na vida cotidiana, nas relações simples que encontramos a verdadeira beleza. A vida cotidiana é repleta de amor fraternal.

5. Saudade
A saudade é uma emoção complexa, que mistura nostalgia e amor. Carlos Drummond de Andrade explorou essa sensação, mostrando como as memórias moldam nosso presente e futuro, a hipocrisia da sociedade nos rodeia. Precisamos valorizar a autenticidade e a verdade, mesmo que isso nos leve a desilusões.

6. Simplicidade e Crítica Social
A crítica à superficialidade e à desonestidade é um tema pertinente em várias obras. Machado de Assis também abordou a hipocrisia social, mostrando que a verdadeira riqueza está na simplicidade e na honestidade.

7. Inocência e Beleza
Filemon destaca a beleza do sorriso infantil, um tema que ressoa com a obra de Manuel Bandeira, que também cultivou a ideia de que a simplicidade e a pureza são fontes de verdadeira beleza, a simplicidade do sorriso infantil é um lembrete de que a beleza reside nas pequenas coisas, mesmo em tempos difíceis.

8. Sonhos e Desilusões
A dualidade entre sonhos realizados e desilusões é uma reflexão sobre a vida humana. Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, também lidou com essa questão, abordando a relação entre aspirações e a dura realidade. 

9. Romantismo
O romantismo é uma constante na poesia, e a contemplação da lua é uma imagem clássica que evoca emoções profundas. Lord Byron e Mary Shelley usaram a natureza para expressar sentimentos amorosos e melancólicos.

10. Esperança e Confiança
O desejo de um futuro promissor para as crianças é um apelo à esperança em tempos difíceis. Poetas contemporâneos, como Martha Medeiros, também enfatizam a importância de cultivar a esperança em meio às adversidades, o futuro das crianças está entrelaçado com a luz que conseguimos cultivar hoje.

11. Perdão e Paz
O perdão como caminho para a paz é um conceito fundamental em muitas tradições literárias. Guilherme de Almeida e outros poetas enfatizaram a importância do perdão como um ato de amor e compreensão, somente assim podemos alcançar a paz que tanto desejamos.

12. Poesia e Renovação
A ideia de que a poesia renova sentimentos é uma reflexão sobre o poder da arte. Rainer Maria Rilke analisou a transformação que a poesia pode trazer à vida e às emoções humanas, pois a poesia é o caminho. Ela nos renova, transforma nossas dores e alegrias em algo eterno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas acima expostas são um bordado de emoções, reflexões e críticas sociais. Elas abordam a complexidade das relações humanas, a busca pela felicidade, a importância da inocência e a necessidade de esperança e perdão.

Filemon Martins, através de suas trovas, oferece uma visão profunda e sensível da vida. Seus versos são um convite à reflexão, à busca de conexões autênticas e à valorização das emoções que nos tornam humanos. Ao explorar a complexidade dos sentimentos e das relações, ele deixa um legado atemporal que continua a ressoar, inspirando novas gerações a encontrar beleza e significado em suas próprias experiências. Não apenas torna suas mensagens mais acessíveis, mas também intensifica o impacto emocional de seus versos.

Os versos contidos nas trovas, carregam um peso emocional que nos lembra que, apesar dos desafios, o amor, a esperança e a poesia são fundamentais para a nossa jornada, fazendo delas uma contribuição valiosa à literatura e à poesia.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Coelho Neto (A direção do balão)

Craveiro, da extinta e florida firma de Craveiro & Rosas (chá, cera, rapé e sementes) era homem de muita carne, de bom sangue, católico e conservador. O pai, além de haver sido um dos esteios do partido, fora na mocidade, conservador de um museu, onde diziam as más línguas, ele encontrara a excelente senhora D. Brígida, modelo de honestidade e de magreza — o que lhe sobrava em virtude escasseava em carnes. 

Até os vinte anos Craveiro Júnior, que nascera franzino, foi um mocinho amarelo e magro, muito sujeito a bronquites e a cólicas, sempre a tossir e a gemer pela casa, recatado e mole. A mãe atirava-lhe para os ombros derreados todas as lãs que encontrava, o pai obrigava-o a trazer baetas sobre a pele e D. Serafina, todas as noites, fazia-lhe uma gemada substancial com canela e cravo e punha- lhe aos pés, sob as cobertas, duas botijas com água a ferver, tanto que uma vez, estando Craveiro a dormir quando a solícita senhora lhe chegou às plantas o aquecedor, o rapaz, num assombro, saltou da cama berrando que descera ao inferno, como Orfeu, e pôs-se a esfregar os pés, agarrando ferozmente, mostrando bolhas que lhe haviam feito os ardentes ladrilhos do reino de Belzebu. Apesar de todos os cuidados Craveiro continuava a amarelecer e a definhar, sempre a tossir, mastigando pastilhas, engolindo xarope. 

Não era bonito, tinha sardas e cravos (não fosse ele Craveiro), os cabelos eram negros mas raros e a fronte ia lhe alargando com a idade, o que maravilhava o velho que, ao contemplar a vastidão daquela testa, lisa e cor de marfim que ia subindo a pique, dizia com enlevo e orgulho — que era o talento, o fogo vivo do gênio que esturrava a raiz do cabelo como as chamas, em agosto, lavrando por um cerro, consomem até às raízes as plantas que o vestem. 

Apesar da profecia do velho, o apregoado talento do rapaz era difícil, e só escorria num fio escasso, em dias de festa doméstica, arriscando à mesa um brinde trêmulo. Quando se falou em mandar Craveiro aos estudos, D. Brígida opôs-se aterrorizada aconchegando o filho aos ossos do peito: 

— Medicina, Brígida; aventurou pacatamente o velho. 

— Deus me livre! O quê? Para o pobre menino ter de estudar em defuntos e passar toda a vida à cabeceira de doentes com risco de apanhar alguma coisa!? Deus me livre! 

— Bem... engenharia, então. 

— Que engenharia, homem! Você parece maluco: para um dia cair de uma ponte ou ficar debaixo de um túnel... 

— Então... direito. 

— Nada! pode, como promotor, acusar um sujeito de maus bofes que mais tarde, queira se vingar... 

— Então, filha, só o seminário; vamos metê-lo no seminário. 

D. Brígida sorriu desvanecida, mas veio logo um suspiro contrariar o prazer: 

— Sim, padre, isso era outra coisa, mas... e os jejuns? Ele podia lá com os apertados jejuns!? Não. Olha, queres a minha opinião? Mete-o no comércio, dá-lhe sociedade na loja. Ele que venda chá, dizem que o chá ataca os nervos, mas é história, o chá é inofensivo, a cera é grata ao Senhor e as sementes são a riqueza da terra. 

— E o rapé? E as lanternas? E os fogos? 

— É verdade... Mas seu Rosas pode encarregar-se dessas coisas. Divida-se a casa em duas seções: uma para o pequeno, outra para seu Rosas. 

E assim se fez. Craveiro encarregou-se da 1ª seção e o Rosas lá foi para a dos explosivos e dos esternutatórios (que provocam espirros). 

Nos primeiros tempos a vida foi uma maçada tediosa para o mancebo. O dia todo ao balcão ou no escritório a vender círios, barrigas, pernas, chá verde, chá preto, chá padre, abóboras e fúcsias, pouco a pouco, porém, habituando-se, Craveiro deu em pandear — aos vinte e cinco anos era todo ele uma só imensa barriga — foi necessário alargar a porta do escritório para que o homem passasse. A mãe, alvoroçada, exigiu um exame médico e a ciência em lenta e minuciosa análise achou apenas toucinho. Foi uma alegria em casa. 

Um dia chovia a jorros, Craveiro bocejava no escritório com a fronte lisa sobre a mão, quando duas senhoras, acossadas pelo aguaceiro, entraram precipitadamente na loja. Era no tempo dos balões tufados, aí pelos fins da guerra. A que parecia mais velha trazia um balão de pequeno diâmetro, a outra, porém, com as goteiras que pingavam da saia, fez na casa um círculo maior que a roda maciça de um carro de bois. 

Era uma criaturinha viva, de um moreno quente e aveludado, olhos mais negros que jabuticabas maduras e com uma pequenina boca que era mesmo um botão de rosa. O colo era alto e arfava, as mãos eram finas e arrebatavam o mantelete (capa curta usada por mulheres) com um brilho rico de anéis. 

Craveiro, vendo-a, sentiu um tumulto no coração amadurecido para o amor e como as duas senhoras se conservassem de pé examinando plantas, ele compreendeu com muita sutileza que elas não queriam saber de dálias, nem de azaleias, senão de um pouco de agasalho até que a chuva estiasse, e ofereceu cadeiras. Agradeceram e sentaram-se. A mais velha acomodou o balão, a mais nova, porém, por mais que batesse, por mais que aconchegasse, não conseguiu submeter os arcos rebeldes da crinolina que ficou rebeldemente empinada e enfunada expondo à curiosidade lúbrica de Craveiro os pequeninos pés da linda morena e um palmo de meias cor de rosa que eram uma tentação, ou melhor duas tentações. 

Craveiro perdeu a cabeça e de olhos gulosamente abaixados, admirava, os caixeiros ouviam-lhe os roncos e viam-lhe o fogo das pupilas incendiadas. Felizmente chovia e os fogos lá estavam na seção pirotécnica do Rosas. Por fim a chuva serenou e as duas senhoras, com muitos sorrisos e agradecimentos saíram. 

Craveiro não se conteve, tomou, à pressa o casaco e abalou, a largas pernadas, chapinhando nas poças, escorregando no lodo, a ver a direção que tomavam os balões. 

Oh! Aquela morena! Aquelas meias cor de rosa!... Via-a ao longe, muito tufada no grande balão que bamboleava, via-a e forcejava por alcançá-la... Mas a barriga! Aquela barriga... 

Num cruzamento de ruas perdeu de vista a linda criatura. Ficou a olhar pasmado: onde se teria metido? Pôs-se a rondar o ponto em que se sumira a beleza, a olhar as casas, a tossir, a pigarrear... e nada! E ali esteve até tarde. Já escurecia quando, com o desespero na alma, o desventurado resolveu voltar ao negócio mas, ai dele! Já não era o mesmo homem calmo, sisudo, despreocupado — tornou-se frenético, deu em berrar com os caixeiros, em atirar murros à secretária e, em casa à noite, cercava-se de papéis e punha-se a riscar, a calcular e ia até à madrugada, às vezes, naquela lida, suspirando e bufando. 

O pai interpelou-o uma noite sobre aquelas vigílias que lhe comprometiam a saúde e Craveiro, sem tirar os olhos do papel respondeu secamente: “estou vendo se descubro uma coisa...”. 

De sorte que o velho, quando D. Brígida suspirava atribulada com tantas noites em claro e trabalhosas, dizia-lhe com uma ponta de orgulho: “deixa lá o rapaz, está com a sua descoberta... Eu, quando te dizia que ele devia estudar para engenheiro, tinha as minhas razões”. E Craveiro, sobre um complicado desenho que representava o cruzamento das ruas, colocava dois feijões pretos e um feijão cavalo — os feijões pretos representavam as duas aerostáticas senhoras, o feijão cavalo era ele e tanto mexia com os tais feijões que perdia a calma e acabava a pesquisa atirando formidáveis murros à mesa e, já deitado, esmagando os travesseiros, lançava ainda exclamações que atroavam a casa: “eu hei de descobrir, custe o que custar. Eu hei de descobrir”. E tanto insistiu na famosa descoberta que, um dia, foi postar-se no tal cruzamento, perguntando a todos que passavam: “o senhor (ou a senhora) não viu por aqui um balão com umas meias cor de rosa? Não sabe que direção tomou?” 

Arrancaram-no dali, à noite — estava louco. 

Os pais quiseram conservá-lo em casa, mas Craveiro berrava com tal furor que a vizinhança, alarmada, recorreu à polícia e o infeliz foi internado em um hospício. O Rosas passou a dirigir as duas seções, D. Brígida finou-se ralada de tristezas, o velho seguiu-a pouco depois, e Craveiro lá ficou no hospício calculando e engordando até que as banhas o prostraram a um canto do cubículo, pesado e inerte. 

Com os anos, porém, foi lhe desvanecendo a mania e os médicos pensavam em dar-lhe alta e teríamos cá fora o estupendo corpanzil do antigo negociante se um incidente não o comprometesse. O médico passava a visita quando, justamente diante de Craveiro, voltou-se para o farmacêutico que o acompanhava: 

— Então, hein? Temos o balão. 

Craveiro estremeceu e arregalou os olhos, maravilhado. 

— Parece que sim, doutor. 

— Onde? Bradou o louco, num rugido. 

— Onde? Em Paris. 

— Em Paris?! Um balão? Com umas meias cor de rosa? 

— Como? 

— Sim, senhor: meias cor de rosa... Acharam sempre, hein? 

— Acharam; e foi um patrício nosso, mas... que história é essa de meias cor de rosa? 

Craveiro teve um sorriso malicioso e, afagando a papada, murmurou: “É cá uma coisa, doutor. Se eu, naquele dia, tivesse descoberto a direção... Ah! Não lhe conto nada...” 

— Que direção? 

— A direção que tomou o balão; eram dois... 

— Um do Severo, disse o farmacêutico. 

— Qual Severo! Um era de uma senhora magra, já idosa, a mãe, creio. Mas o das meias!... 

— Que meias? 

— Que meias, hein? Que meias? 

Pôs-se a ranger os dentes, fechou ameaçadoramente os punhos e... foi metido em camisola de força. E agora a fúria é contra o médico porque entende o infeliz que foi ele (pobre Dr. Brochado!) quem descobriu o balão ou antes — a direção que tomou a dama que o vestia. 

E lá está.

Fonte: Olavo Bilac & Coelho Neto. Contos Pátrios. RJ: Francisco Alves, 1931. Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 106 =


Trova do Rio de Janeiro/RJ

SÔNIA SOBREIRA DA SILVA

É o abuso da riqueza
e o desprezo à educação
que põe sobre a nossa mesa
a fome, em lugar do pão.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

NÉLIO CHIMENTO

Quem ampara os animais
É gente que faz
O mundo parecer melhor
Gente que não para na dó
Faz do amor, verbo de ação
Tira as amarras do coração 
Diante de um corpo desnutrido
Com um olhar perdido
A suplicar por atenção
Um pedaço de pão
Um gesto de carinho
Apenas um tempinho
Longe do desamparo e da solidão
Quem ama, protege, acode
Não se sacode
Desvia e vai embora
Sem demora
Cuidar do que mais importa
Sem entreabrir uma porta
Para a visita da compaixão
Com todos os seres da criação
Quem respeita os animais
Não estará só jamais
Tem a alma bafejada pelos canais
Que abençoam a boa vontade
Dos que deixam rastos de caridade
Por onde passam nesse mundão
Gente que anda pela rua
Iluminada pelo sol ou pela lua
A receber o balsamo merecido
Na pureza de um olhar agradecido
De um cãozinho amparado e protegido

Quem ama de verdade os animais
Acorda feliz e dorme na paz
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Trova Humorística de Belém/PA

ANTONIO JURACI SIQUEIRA

O esculápio não se aperta
e responde prontamente:
- Passei a receita certa,
errado era o paciente...
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Quadras de Lisboa/ Portugal

ANTÓNIO FLORÊNCIO FERREIRA
1848 – 1914

XVI

Meu Amor, estás dormindo,
Não te quero despertar...
Há de ser devagarinho
Que trovas te vou soltar.

De musgo, lírios e rosas
Uma cama irei fazer;
De jasmins e de saudades
O travesseiro há de ser.

Quero que vejas nos sonhos,
Lindos, belos, perfumados,
Os meus olhos, da vigília,
Tristes, lânguidos, magoados...
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Haicai de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

Aromas florais
libertam a poesia—
sinto a primavera.
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Poema de Curitiba/PR

DANIEL MAURÍCIO

Para o amor 
Não desbotar,
Palavras diárias de carinho 
São como lápis de cor
Que dão vida
Aos espaços vazios.
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Trova Popular

Pobre louco apaixonado,
ai de mim! Que não mais via,
que seu amor, pouco a pouco,
esfriava dia a dia.
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Poema de Natal/RN

DIVANI MEDEIROS

Setembro 

Primavera, mês do florescer, 
Flores desabrocham no alvorecer. 
Muitas adormecem com a chegada da lua, 
Outras acordam para enfeitar a rua. 
Despertam  sorrindo com o sol aquecendo 
Ornamentam jardins e residências.
Com cores variadas,  deixam pétalas nas calçadas, 
Adornam os dias e causam admiração. 
Inspiram  contos,  cordéis, músicas e poesias, 
Presenteando a diversidade  todos os dias...
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

EDERSON CARDOSO DE LIMA

Quem meditar por instantes,
certos conceitos refaz:
- O mais caro dos brilhantes
não vale o brilho da paz!
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Poema de Curitiba/PR

ROSELI BUSMAIR

A poesia de cada dia!

 Quando vier, avise antes!
Não venha de surpresa
Pois quero me banhar
Como fazem as noivas
Antes de chegar ao altar!
Sei que o improviso
É bem melhor
Mas nesse dia eu quero
Me preparar em sintonia
Com a maior paz!
Quero vestido novo
E flores espalhadas
Nos vasos ora vazios
Há tanto tempo...
Usar meu perfume
E cabelos soltos ao vento,
Mas bem cuidados, cheirando
Alecrim e a pitanga...
Então não me surpreenda!
Mais que a surpresa é a espera,
O planejar meticuloso do jantar
À luz de velas lavanda
Com notas de almíscar e tabaco.
O vinho nem quente nem gelado:
Ao gelo, no ponto adequado
Ao brinde do encontro esperado...
Se gostar de salmão, avise
É o melhor prato que uma poeta
Conseguirá cozinhar...
Nada de surpresas!
- Esperar é mais!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

O salão, que se destaca,
lota, assim que a noite desce,
por um engano na placa:
- “Faço tranças”... tá com S!!!
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Trova de Porto Alegre/RS

FLÁVIO ROBERTO STEFANI

Em ternura plena e extrema,
nossos sonhos se cruzaram!
E a noite se fez poema…
e os versos também se amaram!…
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Poema de Curitiba/PR

ATÍLIO ANDRADE

O viaduto 

O viaduto serve de ponte
Para transpor, atravessar 
Para o outro lado 
Mas, também  há  um monte
Embaixo dele a morar
Sem nenhum cuidado
Quando a noite chega
A disputa  acelera
Há  cochichos e gritos da galera
Tornando  a vida um pega
Enquanto  ao redor 
Ninguém  nada vê 
Não  sente a dor
Que sente  você
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Trova Humorística de Caicó/RN

DJALMA ALVES DA MOTA

De pileque, o Zé Libório,
procedeu de modo errado...
Chupando o supositório:
– Ah confeito ruim danado!
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Poema de Curitiba/PR

SONIA CARDOSO

Como já não durmo 
Também não sonho 
O que me inspira 
É o respirar 
Dos pirilampos, em 
Seu efêmero vórtice 
Na espiral de luz.
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Trova de Natal/RN

BENTO DE CARVALHO RABELO

Bom violão, que me acordas
ao luar do meu sertão,
que bem fazem tuas cordas
às cordas do coração.
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Poema de Campina Grande/PB

DANIEL RODAS

De relva e folhas

acordo cada célula 
de espanto

quando me ponho 
sozinho
na grama sob as estrelas

e meu olhar se
funde
difuso junto aos galhos

como o fluir da
vida
sobre a ferida das horas
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Depois de tomar uns treco 
para aquecer a moringa, 
o trovador de boteco 
soluceia... e a rima pinga! 
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Cantiga de Infantil de Roda

Oh! Sindô le-lê

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Oh! Maria quer ser freira.
Não, senhor, quero casar;
Tenho o dia pro trabalho
E a noite pra descansar

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Menina da saia curta,
Do cabelo de retrós;
Bota a chaleira no fogo,
Vai fazer café pra nós.

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Menina da saia verde,
Não pise neste lameiro;
Não se importe, meu senhor,
Não custou o seu dinheiro.

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Eu subi naquele morro,
De sapato de algodão;
O sapato pegou fogo
E eu voltei de pé no chão.

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Por te amar, tenho sofrido,
mas não me arrependo: Vem!
- Quem ama as rosas, querido,
ama os espinhos também!
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Hino de Gramado/RS

No alto da Serra Gaúcha
Num verde planalto ondulado
Vislumbram-se em meio aos outeiros
O velho e benquisto “Gramado”.

Cantemos num brado festivo
Com calma de ardor juvenil
O amor que nos liga a “Gramado”
Parcela do vasto Brasil.

Descendo as alturas do centro
Por vales, peraus e escarpadas,
Dos homens do campo, as lavouras
Desdobram-se ao longo espalhadas.

Indústria, comércio e colônias,
Num único esforço aplicado,
Retratam o ardor progressista
Que anima o porvir de Gramado.

Riquezas da mãe natureza
Que Deus semeou nesta terra
Ofertam aos muitos turistas
Saúde nos ares da Serra.
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Trova de Natal/RN

ARLINDO CASTOR DE LIMA

Saúde, mulher,  dinheiro,
um trio que bem nos faz,
mas só tem valor inteiro
se em nossa alma houver paz.
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Sacode as mágoas das vestes
Arranca os espinhos do peito
Nesse peito que se insufla rarefeito 
Desesperando por alento
Quando tudo parece desabar

És um viajante na estrada
Carregas nas costas a coragem
Dos que sabem trilhar seu caminho
Um guerreiro a iluminar
Os que em ti se sabem abraçar

Ama-te em sentimento primeiro
Sorri à imagem que de ti reflete
És capitão do teu destino
Esse é o maior tesouro
O segredo que terás que desvendar

Ama-te inteiro e em verdade 
Nada menos que isso
Não te conformes com a metade
Verás toda a força que em ti transportas
Guerreiro de luz predestinado a amar.
(do livro Na pele do sentir)
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Trova de São Paulo/SP

DOMITILLA BORGES BELTRAME

Trovador é um garimpeiro:
faz de estrelas, diamantes,
e nas flores de um canteiro
rima rubis e brilhantes!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

Os dois galos

Dois galos se meteram em peleja
A fim de se saber qual deles seja
O capataz de um bando de galinhas:
Unhadas e picadas tão daninhas
Levou um, que se deu por convencido,
E andava envergonhado e escondido.

O vencedor se encheu de tanta glória,
Que para fazer pública a vitória,
Pôs-se de alto, voou sobre umas casas;
Ali cantava, ali batia as asas.

Andando nestas danças e cantares,
Veio uma águia, levou-o pelos ares;
E saindo o que estava envergonhado,
Gozou do seu ofício descansado.

Quem contemplasse bem quão pouco dura
Neste mundo qualquer prosperidade,
Livre estava de inchar por vaidade
Com um leve sucesso de ventura.
O que tem a alegria por segura,
É doente, e o seu mal fatuidade;
Que ela passa com muita brevidade,
E vem logo a tristeza, e muito atura.

De mudanças o mundo está tão cheio.
Que hoje rio, amanhã estou sentindo
Uma grande desgraça que me veio:
Delira quem dos tristes anda rindo;
Que é absurdo gostar do mal alheio,
Quando o próprio a instantes está vindo.

Recordando Velhas Canções (História do Brasil)


(Marcha/Carnaval, 1934)
Compositor: Lamartine Babo

Quem foi que inventou o Brasil? 
Foi seu Cabral!
Foi seu Cabral!

No dia vinte e um de abril
Dois meses depois do carnaval
Depois
Ceci amou Peri
Peri beijou Ceci
Ao som...
Ao som do Guarani!

Do Guarani ao guaraná
Surgiu a feijoada
E mais tarde o Paraty

Depois
Ceci virou Iaiá
Peri virou Ioiô

De lá...
Pra cá tudo mudou!
Passou-se o tempo da vovó
Quem manda é a Severa
E o cavalo Mossoró
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Carnaval Histórico: Uma Viagem Musical pela História do Brasil

A música "História do Brasil" de Lamartine Babo, é uma peça vibrante que mistura elementos de humor e crítica social, característicos das marchinhas de carnaval. A letra inicia com uma pergunta retórica sobre quem inventou o Brasil, respondida de forma jocosa atribuindo a descoberta ao navegador português Pedro Álvares Cabral, marcando ironicamente a chegada dos portugueses como o 'invento' do Brasil.

A canção segue fazendo referências a elementos culturais e históricos brasileiros de forma leve e divertida. Ceci e Peri, personagens do romance indianista "O Guarani" de José de Alencar, são usados para simbolizar o encontro de culturas, transformando-se em figuras carnavalescas Iaiá e Ioiô, representando a miscigenação do povo brasileiro. A menção ao guaraná e à feijoada, elementos típicos da culinária brasileira, e ao Paraty, uma referência ao famoso destilado, reforça a identidade nacional construída a partir de uma mistura de influências.

Por fim, a música menciona a mudança dos tempos, onde 'quem manda é a Severa e o cavalo Mossoró', possivelmente uma crítica à modernização e às novas figuras de poder no Brasil, contrastando com a simplicidade dos tempos antigos. Essa marchinha não só entretém, mas também provoca reflexão sobre a história e cultura brasileira, utilizando o carnaval como pano de fundo para uma crítica social sutil e bem-humorada.