EPITÁFIO
Se a treva fui, por pouco fui feliz.
Se acorrentou-me o corpo, eu o quis.
Se Deus foi a doença, fui a saúde.
Se Deus foi o meu bem, fiz o que pude.
Se a luz era visível, me enganei.
Se eu era o só, o só então amei.
Se Deus era a mudez, ouvi alguém.
Se o tempo era o meu fim, fui muito além.
Se Deus era de pedra, em vão sofri.
Se o bem foi nada, o mal foi um momento.
Se fui sem ir nem ser, fiquei aqui.
Para que me reflitas e me fites
estas turvas pupilas de cimento:
se devo a vida à morte, estamos quites.
NESTE SONETO
Neste soneto, meu amor, eu digo,
Um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
Que muita coisa bela o verso indaga
Mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa no deserto,
Minha emoção é muita, a forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
Só no meu peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
Umas palavras brandas, entretanto,
Não sei caber as falas de meu canto
Dentro da forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
Das emoções do céu e das terrestres.
O VISIONÁRIO
Debaixo dos lençóis, a carne unida,
Outro alarme mais forte nos separa.
Vai ficar grande e feia a mesma cara
Com que surgimos cegos para a vida.
Vemos o que não vemos. Quando, erguida
A parede invisível, o olhar pára
De olhar, abre-se além uma seara
Muito real porém desconhecida.
São dois mundos. Um deles não tem jeito:
Cheio de gente, é só como o deserto,
Duro e real, parece imaginário.
Também dois corações temos no peito
Mas não sei se o que bate triste e certo
Vai reunir-se além ao visionário.
PROJETO
De papel e nanquim é um brinquedo
Perigoso, ideal, nossa morada.
Das suas dimensões nos é vedada
A quarta, que, torcida pelo medo,
Dos projetos humanos faz perguntas.
São reentrantes estas duas plantas:
Na planta alta vão chorar infantas,
Na planta baixa vão sorrir defuntas.
Este diedro geme como um cão.
Mas das arestas miarás à lua.
Para abrir ou fechar a tua rua,
Estes dois riscos tramam teu portão:
Regressa horizontal das paralelas
Quem vertical, gentil, entrou por elas.
REI DA ILHA
No fim da rua, um pônei rubro, rubro,
No fim da tarde, um muro escuro, um muro.
Descubro alguma coisa mais? Descubro:
Um coração impuro, tão impuro.
Querer guardar este sinal (querer)
De que minh'alma não morreu? Morreu.
Ser ou não ser como esta tarde (ser)
Que apareceu e desapareceu?
Ser como a tarde que voltou, voltou
Além de meus enganos, muito além...
Eu vou por um país, por onde eu vou,
Onde existe uma ilha, a minha ilha.
Ali não há ninguém. Ninguém? Alguém
Regressará por mim, ó minha filha.
SONETO DE PAZ
Cismando, o campo em flor, eu vi que a terra
Pode ser outra terra, de outra gente,
Para o prazer armada e competente
E desarmada para a voz da guerra.
No chão, olhando o céu que nos desterra,
Sem terminar falei, presente, ausente,
Ó vento desatado da vertente,
Ó doce laranjal sem fim da serra!
Mais tarde me esqueci, mas esse instante
De muito antiga perfeição campestre
Fez-me constante um pensamento errante:
Era o sem tempo, a paz da eternidade
Unindo a luz celeste à luz terrestre
Sem solução de amor e de unidade.
TEMPO-ETERNIDADE
O instante é tudo para mim que ausente
Do segredo que os dias encadeia
Me abismo na canção que pastoreia
As íntimas nuvens do presente.
Pobre do tempo, fico transparente
A luz desta canção que me rodeia
Como se a carne se fizesse alheia
À nossa opacidade descontente.
Nos meus olhos o tempo é uma cegueira
E a minha eternidade uma bandeira
Aberta em céu azul de solidões.
Sem margens, sem destino, sem história,
O tempo que se esvai é minha glória
E o susto de minh'alma sem razões.
Se a treva fui, por pouco fui feliz.
Se acorrentou-me o corpo, eu o quis.
Se Deus foi a doença, fui a saúde.
Se Deus foi o meu bem, fiz o que pude.
Se a luz era visível, me enganei.
Se eu era o só, o só então amei.
Se Deus era a mudez, ouvi alguém.
Se o tempo era o meu fim, fui muito além.
Se Deus era de pedra, em vão sofri.
Se o bem foi nada, o mal foi um momento.
Se fui sem ir nem ser, fiquei aqui.
Para que me reflitas e me fites
estas turvas pupilas de cimento:
se devo a vida à morte, estamos quites.
NESTE SONETO
Neste soneto, meu amor, eu digo,
Um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
Que muita coisa bela o verso indaga
Mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa no deserto,
Minha emoção é muita, a forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
Só no meu peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
Umas palavras brandas, entretanto,
Não sei caber as falas de meu canto
Dentro da forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
Das emoções do céu e das terrestres.
O VISIONÁRIO
Debaixo dos lençóis, a carne unida,
Outro alarme mais forte nos separa.
Vai ficar grande e feia a mesma cara
Com que surgimos cegos para a vida.
Vemos o que não vemos. Quando, erguida
A parede invisível, o olhar pára
De olhar, abre-se além uma seara
Muito real porém desconhecida.
São dois mundos. Um deles não tem jeito:
Cheio de gente, é só como o deserto,
Duro e real, parece imaginário.
Também dois corações temos no peito
Mas não sei se o que bate triste e certo
Vai reunir-se além ao visionário.
PROJETO
De papel e nanquim é um brinquedo
Perigoso, ideal, nossa morada.
Das suas dimensões nos é vedada
A quarta, que, torcida pelo medo,
Dos projetos humanos faz perguntas.
São reentrantes estas duas plantas:
Na planta alta vão chorar infantas,
Na planta baixa vão sorrir defuntas.
Este diedro geme como um cão.
Mas das arestas miarás à lua.
Para abrir ou fechar a tua rua,
Estes dois riscos tramam teu portão:
Regressa horizontal das paralelas
Quem vertical, gentil, entrou por elas.
REI DA ILHA
No fim da rua, um pônei rubro, rubro,
No fim da tarde, um muro escuro, um muro.
Descubro alguma coisa mais? Descubro:
Um coração impuro, tão impuro.
Querer guardar este sinal (querer)
De que minh'alma não morreu? Morreu.
Ser ou não ser como esta tarde (ser)
Que apareceu e desapareceu?
Ser como a tarde que voltou, voltou
Além de meus enganos, muito além...
Eu vou por um país, por onde eu vou,
Onde existe uma ilha, a minha ilha.
Ali não há ninguém. Ninguém? Alguém
Regressará por mim, ó minha filha.
SONETO DE PAZ
Cismando, o campo em flor, eu vi que a terra
Pode ser outra terra, de outra gente,
Para o prazer armada e competente
E desarmada para a voz da guerra.
No chão, olhando o céu que nos desterra,
Sem terminar falei, presente, ausente,
Ó vento desatado da vertente,
Ó doce laranjal sem fim da serra!
Mais tarde me esqueci, mas esse instante
De muito antiga perfeição campestre
Fez-me constante um pensamento errante:
Era o sem tempo, a paz da eternidade
Unindo a luz celeste à luz terrestre
Sem solução de amor e de unidade.
TEMPO-ETERNIDADE
O instante é tudo para mim que ausente
Do segredo que os dias encadeia
Me abismo na canção que pastoreia
As íntimas nuvens do presente.
Pobre do tempo, fico transparente
A luz desta canção que me rodeia
Como se a carne se fizesse alheia
À nossa opacidade descontente.
Nos meus olhos o tempo é uma cegueira
E a minha eternidade uma bandeira
Aberta em céu azul de solidões.
Sem margens, sem destino, sem história,
O tempo que se esvai é minha glória
E o susto de minh'alma sem razões.
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