quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Olivaldo Júnior (Delicada)

Mulher na praia, de Silvério Reis
Era uma jovem de coração tão delicado que assustava. Não dava um passo além da luz que, como se estivesse num teatro, parecia iluminá-la. Sempre no centro de sua vida, Marina sabia bem o que dizer, quando dizer, como dizer, enfim, não perdia o foco, a força de sua voz, nem mesmo sendo tão delicada. Talvez, por isso mesmo, fosse tão forte. Nara Leão, segundo ouvi Maria Bethânia dizer numa entrevista, já ensinava: se estiver cantando num lugar com muito barulho, vá cantando mais baixo, pois, assim, você força a quem estiver falando alto a baixar o tom, o que nos leva a crer que silêncio demais também incomoda. Quantos decibéis, hein?

De coração tão delicado, delicadinho, Marina espraiava suas ondas azuladas como beijos frios na areia quente por onde passava. Um dia, um belo moço a trouxe à luz de sua história, e, juntos, formaram um casal. Totalmente o oposto de Marina, ele era bruto, não lhe dava tempo para dizer as coisas do jeito que ela gostava, como leves sussurros ao pé do ouvido numa noite de lua. Ensolarado, feroz, vociferava a qualquer gesto mais doce de sua amada, dizendo que não era fresco e que, se quisesse um maricas, que fosse procurar outro barco, em outra encosta, porque ele era macho, homem com h maiúsculo. Marina chorou. Não queria isso.

Terminado este namoro, sobrevieram outros, mas nada de encontrar um delicado coração que ao seu fizesse par. Bateria apenas solo um coração delicadinho como o dela? Não sei, mas, nos dias de hoje, mais se valoriza quem atropele o semelhante que quem ceda seu lugar ao outro. Gentileza é coisa rara, artigo de luxo, na loja de costumes. Acostumada a ser lívida, leve como a brisa de um verão que é quase outono, Marina estava um tanto desiludida. Seu coração, delicadinho, era amassado com frequência, e ela, sem defesa, se magoava e via seu coração, em pétalas, tão delicado, virar tapete. Olhando a si mesma, chorou, e o chão ficou inteiro em flor.

Hoje, numa praia de um litoral qualquer, Marina se rende ao som do mar e já não pensa muito em par ideal. Mantém acesa a delicada chama rubra que a mantém como a pessoa que ela foi e, se Deus quiser, sempre será. Magoa-se menos quando o amor naufraga nas ondas frívolas da ilusão, acreditando, ainda, no delicado azul que envolve o céu, que chove em nós quando amorosos, confiantes em que o delicado em nós não se perdeu. Ironia, sarcasmo, violência, tudo isso é parte do humano. Será que precisamos ser só isso? Estar só nisso? Marina acreditava que não. Fizera simpatia para Santo Antônio. Junho estava aí. Não, "não aprendeu dizer adeus".

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