sábado, 30 de janeiro de 2016

Contos Populares Portugueses (Os Dois Soldados)

Havia dois rapazes que eram muito amigos. Um era um ano mais velho do que o outro, de modo que, quando o mais novo sentou praça, já o mais velho tinha um ano de serviço militar. Eram muito bem comportados e andavam sempre juntos. Saiu o mais velho da praça, e voltou passados treze meses a visitar o amigo. Era um dia em que este estava de serviço ao quartel. O soldado pediu ao seu capitão dispensa do serviço, e logo que este soube que era para acompanhar o seu velho amigo e patrício dispensou-o do serviço, mas não o dispensou de recolher a certas horas.

Foram os dois amigos passear e entraram numa casa de comidas e bebidas. Conversaram, conversaram, até que foram avisados pelo dono da casa de que eram horas de fechar o estabelecimento.

- Pois que horas são?

- Meia-noite.

Ficou o soldado muito aflito: era a primeira vez que apanhava um castigo. Saiu da casa e o seu amigo ficou.

Próximo do quartel viu ele um sujeito montado num cavalo e notou que o cavalo trazia as patas enroladas em trapos. Espreitou.

O sujeito aproximou-se de uma casa alta, de cuja janela desceram pequenos fardos, mas muito pesados, e, no fim, uma senhora, que desceu por uma escada de corda. Em seguida, ela montou com o sujeito no cavalo, e este partiu a grande galope. O soldado trazia consigo a baioneta e foi seguindo o cavalo. A curta distância parou o cavalo, e o cavaleiro ordenou à senhora que se apeasse. Ela assim fez.

- Faça o ato de contrição, porque vai morrer - disse ele.

- Eu não fiz mal nenhum, por que razão me quer matar?

- Pois supunha que eu casasse consigo? Eu só queria o seu dinheiro. Agora estou governado, mas é preciso que morra aqui!

E, dizendo estas palavras, avançou para a senhora. A este tempo estava próximo o soldado, que arrancou a sua baioneta e matou o indivíduo, que era um terrível ladrão.

Em seguida, o soldado montou no cavalo a senhora e as malas e foi levar tudo à casa da infeliz. Esta deu ao soldado um lenço com moedas de ouro e pediu-lhe que todos os dias às onze horas lhe passasse defronte da casa. Ora a menina era filha de um mercador muito rico.

Dirigiu-se o soldado para o quartel ao romper da manhã e logo foi avisado pela sentinela de que o capitão estava muito zangado por ele faltar à hora do recolher.

Apresentou-se o soldado ao capitão, e tais foram as desculpas e tão bom era o seu comportamento, que não foi castigado.

No dia seguinte, pelas onze horas, passou o soldado defronte da janela do mercador, e a filha deste atirou-lhe outra bolsa de dinheiro, que ele apanhou. Repetiu-se isto mais vezes, até que o soldado entendeu que fazia um pecado em receber aquele dinheiro. Dirigiu-se a uma igreja e encontrou um cardeal, a quem pediu que o ouvisse de confissão, e nesta contou tudo. O cardeal aconselhou-o a que apanhasse o dinheiro, visto que a senhora lho dava. No outro dia, passou o soldado defronte da loja do mercador e viu lá o cardeal, que o chamou. Estiveram conversando por algum tempo, o suficiente para o soldado ficar a saber que o cardeal era irmão do mercador, e portanto tio da senhora que ele salvara da morte.

Logo que foram horas de jantar, foi o soldado convidado a jantar, convite que aceitou.

No fim do jantar, disse o cardeal para o irmão:

- Se a tua filha fosse salva por um homem, que farias tu?

O mercador respondeu:

- Se esse homem fosse solteiro, dava-lhe a minha filha em casamento.

Então o cardeal pediu ao irmão que desse a sua filha em casamento ao soldado.

Deram-se todas as explicações que o caso exigia e o nosso soldado casou com a filha do mercador.

Fonte: Viale Moutinho (org.) . Contos Populares Portugueses. 2.ed. Portugal: Publicações Europa-América.

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