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terça-feira, 7 de abril de 2020

Contos e Lendas do Mundo (China: A Mulher Repetida)

por Chen Xuanyu

Esse fato aconteceu no início do reino da Imperatriz Wu, numa cidade de Hunan, onde vivia um funcionário público chamado Zhang Yi. Ele era um homem simples e reservado, de poucos amigos. Ele não tinha tido filhos homens, apenas duas filhas, mas a mais velha tinha morrido quando ainda criança. A mais nova, Qian Niang, era muito bonita.

Zhang Yi tinha um sobrinho, Wang Chu, quase da idade de sua filha, inteligente e também muito bonito. Zhang Yi gostava de falar que esse sobrinho teria um futuro muito brilhante e brincava, dizendo: “no tempo certo, minha filha vai ser uma esposa ideal para ele”.

Nos seus sonhos secretos, Wang Cu e Qian Niang sonhavam com frequência um com o outro. Mas suas famílias ignoravam tudo, e quando, mais tarde, apareceu um rapaz muito distinto, que trabalhava para Zhang Yi e lhe pediu a mão de sua filha, seu pai concordou.

Essa notícia partiu o coração de Qian Niang e Wang Chu ficou muito decepcionado. Ele então disse que gostaria de se mudar do lugar onde trabalhava e aceitou um cargo na capital. Nada conseguiu fazer com que ele mudasse de opinião e foi autorizado então a partir, não sem antes receber muitos presentes.

Depois do último adeus, com o coração mortificado, Wang Chu pegou o barco que ia para a capital. No fim da tarde, o barco já tinha avançado no rio muitos quilômetros, entre colinas muito verdes. Caiu a noite. Wang Chu não conseguia dormir. De repente, ouviu passos na margem. Pouco depois, os passos pararam diante do seu barco. Wang Chu, perplexo, reconheceu Qian Niang, de pés descalços.

Cheio de alegria, ele a tomou nos braços e perguntou de onde ela vinha. Ela respondeu, entre lágrimas:

— A força do teu amor nos uniu em sonho. Agora, contra minha vontade, querem me obrigar a casar com outra pessoa. Eu sei que vais me amar para sempre e eu prefiro morrer que viver sem ti. Por isso eu fugi.

Wang Chu ficou zonzo ao ouvir essas palavras. Jamais ele podia esperar tanto. Ele escondeu Qian Niang dentro do barco e eles partiram juntos, numa longa viagem, dia e noite. Alguns meses mais tardes eles se estabeleceram em Sichuan, bem longe de sua região natal.

Cinco anos depois, Qian Niang teve dois filhos. Ela nunca mais tinha escrito para seus pais, mas pensava sempre neles. Um dia, chorando, ela disse a Wang Chu:

— Para te seguir, um dia, eu faltei ao meu dever filial. Já se passaram cinco anos que não vejo meus pais. Sinto falta do carinho deles e o céu nunca vai me perdoar por viver longe deles.

Emocionado com sua tristeza, Wang Chu respondeu:

— Vamos então voltar para o nosso lugar. Sofrer assim não tem sentido. Eles voltaram então à sua cidade natal. Na chegada, Wang Chu foi sozinho bater na porta de Zhang Yi para lhe contar tudo o que tinha acontecido. Mas Zhang Yi gritou:

— O que está me contando? Minha filha está no quarto, de cama, muito doente, faz anos.

— Mas ela está no meu barco, nesse momento mesmo! disse Wang Chu.

Um pouco perturbado, Zhang Yi enviou um empregar verificar o que estava acontecendo.

De fato, Qian Niang esta lá, radiante e viva, impaciente para rever seus pais.

— Como vai meu pai e minha mãe? — perguntou.

O criado, sem fala, correu para contar a ZhangYi o que acabava de ver.

Logo a jovem doente soube da notícia na sua cama, levantou-se, vestiu suas roupas mais bonitas, seus enfeites e passou pó no rosto. Depois disso, sorrindo e muda, ele desceu para receber a recém-chegada.

As duas avançaram, uma na direção da outra, e logo que se encontraram, seus dois corpos se fundiram em um só, de forma perfeita. No entanto, esse corpo único vestia um conjunto duplo de roupas.

A família preferiu guardar segredo sobre o acontecido. Apenas as pessoas mais próximas ficaram sabendo. Os jovens esposos viveram ainda quarenta anos e seus dois filhos tornaram-se altos dignatários no reino.

Muitas vezes eu ouvi essa história quando era jovem. Há muitas versões e muitos acreditam que isso não aconteceu realmente. De minha parte, mais de 80 anos depois desses fatos, encontrei por acaso o juiz de Lai Wu, cujo pai era primo de Zhang Yi, e é o que ele me contou, de forma detalhada, que reconto aqui.

Fonte:
Sérgio Capparelli

terça-feira, 5 de março de 2019

Contos e Lendas do Mundo (China: Os Três Tigres)

por Xu Fang

Nos últimos anos, nossa aldeia foi infestada por tigres, que devoraram muitas pessoas, mais do que se conseguiria contar. Viajantes que passavam por aqui diziam que isso acontecia também no resto da China.

Segundo muitos, os tigres errantes seriam enviados do céu, encarregados de procurar aqueles que tinham conseguido escapar do seu encontro com uma morte violenta. Outros afirmavam que debaixo da pele do tigre se escondem demônios ferozes, espíritos vingadores no estado de furor extremo. A verdade pode existir nessas duas explicações, mas nenhuma  é tão estranha como a do velho Huang.

O velho Huang morava em Mixi, a alguns quilômetros do distrito de Qiao. Ele tinha três filhos grandes na força da idade. Na primavera daquele ano, ele ordenou que eles fossem lavrar o campo nas colinas e durante muitos dias eles saíam bem cedo e voltavam no fim da tarde.

Um dia um vizinho disse ao Huang:

— Teu roçado está cheio de mato.

— Como pode ser? - respondeu o velho Huang. Meus filhos passam lá, trabalhando o dia inteiro.

— Parece que não! -  respondeu o vizinho.

Intrigado, Huang decidiu seguir seus filhos. Na manhã seguinte, foi atrás deles. Logo que chegaram no bosque, no pé da colina, eles tiraram a roupa e a penduraram em galhos de árvore. Depois se transformaram em tigres, pulando e dando terríveis rugidos.

Aterrorizado, o velho Huang voltou depressa para a aldeia. Ele contou ao seu vizinho o que tinha visto e depois se trancou dentro de casa.

De noite, seus filhos voltaram. Esperaram muito, diante da porta fechada, mas ninguém respondia quando chamavam. No fim, o vizinho saiu e explicou que seu pai os renegava, depois do que tinha visto no bosque.

— O que ele viu foi verdade! -  reconheceram os rapazes. - Mas não fazemos assim por nossa vontade. É o mestre dos Céus que nos obriga.

Em seguida, o mais velho chamou seu pai.

— Pai, como poderíamos ser ingratos com o senhor? Sua bondade para conosco é sem limites. Ficamos desesperados por termos sido escolhidos já há tanto tempo para esse papel funesto. Nos últimos dias corremos por montes e vales, na esperança de encontrar alguém para pegar nosso lugar, porque não aceitamos a sorte que nos foi reservada. Não deu certo. Agora, mesmo com o senhor sabendo o que está acontecendo, não podemos desobedecer as ordens. No bolso de cima do meu casaco, pai, tem uma caderneta. Pega essa caderneta, pai, senão o senhor está perdido, e teremos nós três aqui assinado sua sentença de morte.

O velho Huang pegou a lamparina e procurou no bolso de cima do casaco, de onde tirou a caderneta. Ele leu os nomes de todos aqueles que, no distrito, deviam ser mortos pelos tigres. Seu nome vinha em segundo lugar na lista.

— O que podemos fazer? — gritou, desesperado.

— Abre a porta, respondeu o mais velho. Acho que tem uma saída.

O velho Huang abriu a porta. O filho mais velho pegou a caderneta, e os três filhos, retendo os soluços, inclinaram-se diante do pai. Depois disseram:

— Que seja o destino do Mestre dos Céus. Agora, pai, veste quatro ou cinco calças e camisas, uma por cima da outra, mas não afivela o cinto. E agora, reza ajoelhado. Temos um jeito de salvá-lo.

O velho Huang obedeceu. Nem bem tinha se ajoelhado, seus três filhos já tinham virado tigres e caíram sobre ele com as garras afiadas. Com patadas e dentadas, cada um arrancou uma camada das roupas e foram embora rugindo, com farrapos de roupa na garganta.

Nunca mais eles foram vistos na aldeia, e o velho ainda hoje mora no mesmo lugar.

Fonte:
http://www.capparelli.com.br/contos.php

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Contos e Lendas do Mundo (China: A Lenda de Ch'ienniang)


(Um conto da dinastia Tang. Supõe-se que esta história tenha ocorrido em torno de 690 d.C.) 

Ch'ienniang era filha de Chan Yi, um oficial em Hunan. Tinha um primo chamado Wang Chou, rapaz inteligente e bonito. Tinham sido criados juntos desde a mais tenra idade e como seu pai gostasse muito do menino tinha dito que faria de Wang Chou seu genro. Ambos ouviram essa promessa e, como a menina fosse a única filha e estivessem sempre juntos, cada dia mais se afeiçoavam um ao outro. Já agora eram dois jovens e continuavam, entretanto, a se tratar como parentes íntimos. Infelizmente o pai da jovem era o único que nada percebia. 

Um dia, um jovem oficial veio pedir-lhe a mão da filha e ignorando, ou esquecendo sua promessa primitiva, ele consentiu fazendo com que Ch'ienniang, desesperada entre o amor e a piedade filial, quase morresse de dor, causando tal desgosto ao rapaz que ele resolveu sair para outras terras em vez de ficar ali e ver sua amada tornar-se a esposa de um outro. Assim, inventou um pretexto e informou o tio de que precisava ir para a capital. Como o tio não conseguisse persuadi-lo a ficar, deu-lhe dinheiro e presentes e preparou um banquete de despedida para ele. Wang Chou, triste por ter de separar-se da amada, pensou na partida durante toda a festa dizendo a si mesmo que era melhor partir do que viver ali vendo seus sonhos despedaçados. 

Assim, Wang Chou saiu num barco da tarde, e antes de estar a algumas milhas de distância já a noite caíra. Disse ao barqueiro que amarrasse o barco na praia e descansasse a noite. 

Não conseguiu dormir e, por volta da meia-noite, ouviu passos ligeiros que se aproximavam. Em poucos minutos o som pareceu bem perto do barco. 

Ergueu-se e perguntou: - "Quem pode ser a esta hora da noite ?" 

- "Sou eu, Ch'ienniang," foi a resposta. 

Surpreso e encantado, levou-a para o barco e ali ela lhe contou que esperara ser sua esposa. que o pai não tinha procedido bem para com ele e que ela não suportava a separação. Receava, outrossim, que ele, só e viajando por terras estranhas pudesse ser tentado a suicidar-se. Eis porque recaíra na censura da sociedade e na cólera dos pais e viera segui-lo para onde quer que fosse. Assim ambos ficaram satisfeitos e continuaram a viagem juntos para Szechuen. 

Passaram-se cinco anos de felicidade e ela o presenteou com dois filhos. Porém não tinham notícias da família e diariamente ela pensava nos pais. Era essa a única coisa que lhes empanava a felicidade. 

Ele não sabia se os pais ainda viviam e quais as condições e, certa noite, começou a contar a Wang Chou como se sentia infeliz e, por ser a filha única, como se considerava culpada de grande impiedade filial por ter deixado os velhos pais dessa maneira. 

- "Tem um coração cheio de amor filial e estou de acordo com você," disse-lhe o marido. "Já se passaram cinco anos, certamente não nos guardam rancor. Voltemos para casa." 

Ch'ienniang exultou ao ouvir isso e assim fizeram todos os preparativos para voltar para casa com os dois filhos. 

Quando o bote chegou à cidade natal, Wang Chou disse a Ch'ienniang: 

- "Não sei qual o estado de ânimo de seus pais. Será melhor que eu vá para verificar." 

Seu coração palpitava ao aproximar-se da casa do sogro. Ao vê-lo, Wang Chou ajoelhou-se pedindo perdão. 

Ao ouvir isso, Chang Yi surpreendeu-se e disse: - "De quem esta falando? Ch'ienniang jaz inconsciente em sua cama nesses últimos cinco anos, desde que você nos deixou. Ela jamais abandonou o leito." 

- "Não estou mentindo," disse Wang Chou. "Ela está passando bem e esperando por mim no barco". 

Chan Yi não sabia o que pensar, por isso, mandou duas servas ver Ch'ienniang. Elas a viram sentada, bem vestida e feliz e até disse às servas para que falassem com seus pais o quanto os amava. 

Amedrontadas, as duas servas correram para casa para dar essas novas e Chang Yi ainda ficou mais intrigado. Nesse ínterim, aquela que estava na cama ouviu as novidades e parece que sua enfermidade desapareceu e os olhos brilharam. Levantou-se da cama e vestiu-se, ajeitando-se diante do espelho. Sorrindo e sem proferir uma palavra, encaminhou-se diretamente para o barco. 

A que estava no barco, preparava-se para tomar o caminho de casa e assim encontraram-se nas margens do rio. Quando as duas chegaram perto uma da outra seus corpos fundiram-se num só, com roupas em duplicatas, e surgiu a antiga Ch'ienniang tão jovem e encantadora como nunca. 

Os pais ficaram satisfeitíssimos, porém pediram aos servos que guardassem segredo e nada dissessem aos vizinhos a respeito do que acontecera, a fim de que não houvesse comentários. Eis porque ninguém, exceto os parentes mais chegados da família Chang, jamais soube desse estranho acontecimento. 

Wang Chou e Ch'ienniang viveram como marido e mulher durante mais de quarenta anos antes de morrerem. 

Fonte:

sábado, 29 de dezembro de 2018

Contos e Lendas do Mundo (China: A Pereira Mágica)

por Pu Songling (1640-1715)
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 Um camponês vendia no mercado peras doces e perfumadas, mas muito caras. Diante da carroça de peras, um monge taoista pedia esmolas. Ele tinha a túnica esfarrapada e o capuz rasgado.

- Quer fazer a gentileza de dar o fora daqui! - gritou o camponês.

O monge recusou-se a ir embora. Com muita raiva, o camponês começou a insultá-lo. Depois de um tempo, o monge disse:

- Você tem uma quantidade enorme de peras, e eu, um velho monge maltrapilho, quero uma só. Por que ficar com tanta raiva, se vai perder muito pouco se me der o que estou pedindo?

As pessoas em volta sugeriram que o vendedor de peras se livrasse do monge dando-lhe uma, não das mais bonitas, claro, para que ele deixasse o lugar, mas o camponês se recusou a aceitar essa ideia.

No fim, um rapazinho de uma birosca ali perto, atordoado com a gritaria, tirou do bolso uns tostões e comprou uma pera, oferecendo-a ao monge, que prontamente agradeceu gesto tão caridoso. Em seguida, o monge virou-se para a multidão e disse:

- Nós, religiosos, que deixamos nossas famílias, não conseguimos compreender por que existe tanta avareza. Eu, por exemplo, tenho peras excelentes, e gostaria muito de reparti-las com vocês.

- Mas, se tem peras excelentes, por que não come uma delas, em vez de ficar aqui nos aborrecendo? – perguntou um dos homens.

- Porque eu preciso das sementes para plantar – respondeu o monge.

Imediatamente, ele pegou a pera com as duas mãos e começou a comê-la. Pelo jeito, devia estar bem gostosa. Antes de terminar, pôs as sementes na palma da mão, tirou a pequena pá que carregava na cintura, usada para colher plantas medicinais e começou a cavar um buraco. Quando o buraco ficou pronto, jogou dentro deles as sementes, cobrindo-as com terra.

O monge ficou de pé, examinou com cuidado a cova que tinha feito e disse que precisava regá-la com água quente. Um curioso trouxe um pouco, de uma venda ali perto, e o monge despejou-a devagar sobre a terra recém revolvida.

Todo mundo seguiu seus movimentos com atenção. E nesse instante, saiu da terra um broto, que cresceu, e instantes depois se transformou numa árvore com galhos frondosos. Nem bem as pessoas se recuperaram da surpresa, as flores desabrocharam nos galhos, que se inclinaram, carregados de peras doces e perfumadas. 

O monge taoista subiu na pereira e começou a colher as peras dos galhos mais altos, oferecendo-as a quem quisesse. Num piscar de olhos, tudo foi distribuído. O monge pegou então a pá e bateu com ela no tronco da pereira, quebrando-o em pouco tempo. Pôs o tronco nos ombros, com a folhagem, e seguiu tranquilamente pela rua.

O camponês, que tinha entrado no meio da multidão logo no início, quando o monge tinha começado a plantar as sementes, estava tão fascinado que nem se lembrava mais da carroça. E quando o monge afastou-se, voltou correndo para as suas peras  e teve uma surpresa maior ainda: a carroça estava vazia.

Por fim ele compreendeu o que tinha acontecido. Eram suas as peras que o monge havia distribuído de maneira tão generosa. Ele percebeu também que a carroça estava sem um dos varais, certamente serrado há bem pouco tempo. Indignado, foi atrás do monge. 

No canto do muro, estava o varapau que faltava. Era ele, então, o tronco da árvore! Quanto ao taoista, nunca soube em que direção tinha seguido.

Fonte:
http://www.capparelli.com.br/contos.php

sábado, 15 de dezembro de 2018

Contos e Lendas do Mundo (China: O Homem que vendia fantasmas)

(Do "Soushenchi", século IV) 
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Quando Sung Tingpo, de Nanyang, era ainda rapaz estava passeando certa noite quando encontrou-se com uma fantasma. Perguntou à aparição quem era e ela respondeu que era um fantasma. 

- "Quem é você ?" perguntou por sua vez o fantasma. 

Tingpo mentiu e respondeu 

- "Eu também sou um fantasma." 

O fantasma então quis saber para onde ele ia e Tingpo informou 

- "Estou a caminho para a cidade de Wanshih." 

- "Também vou para lá!" - afirmou a aparição. 

Assim puseram-se a caminhar juntos. Após uma milha, se tanto, o fantasma disse que era estupidez estarem andando ambos quando um podia carregar o outro, por turnos. 

- "Ótima idéia," achou Tingpo. 

O fantasma pôs Tingpo às costas e depois de ter andado uma milha disse 

- "Você é pesado demais para um fantasma. Tem certeza de que é um fantasma mesmo ?" 

Tingpo explicou que ainda era um fantasma novo e que, por conseguinte, ainda pesava um pouco. Tingpo, por sua vez, pôs-se a carregar o fantasma, mas esse era tão leve que tinha a impressão de não estar carregando nada. Assim foram caminhando, revezando-se, até que Tingpo perguntou ao companheiro qual era a coisa que metia mais medo aos fantasmas. 

- "Os fantasmas têm um medo horrível da saliva humana", afirmou o fantasma. 

Assim foram andando, andando até que chegaram a um rio. Tingpo deixou que o fantasma fosse adiante e observou que ele não fazia barulho algum ao nadar, mas quando ele entrou n’água, o fantasma ouviu o estalar na água e pediu-lhe uma explicação. 

Tingpo explicou novamente: - "Não se surpreenda, pois ainda sou muito novo e não estou ainda acostumado a atravessar a correnteza." 

No momento em que se aproximavam da cidade, Tingpo começou a carregar o fantasma nas costas apertando-o fortemente. O fantasma pôs-se a gritar e a chorar lutando para apear-se, porém Tingpo o apertou com mais força ainda. Ao chegar às ruas da cidade, soltou-o e o fantasma se transformou num bode. Tingpo cuspiu no animal a fim de que não pudesse transformar-se outra vez, vendeu-o por mil e quinhentos dinheiros e foi para casa. 

Eis a razão do ditado de Shih Tsung: "Tingpo vendeu um fantasma por mil e quinhentos dinheiros.”

Fonte:
http://www.capparelli.com.br/contos.php

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Contos e Lendas do Mundo (China: A Cinderela chinesa)


(Do "Yuyang Tsatsu", século IX) 

Ao que se sabe, esta é a mais antiga história da Cinderela escrita no mundo. Cinderela é um dos contos folclóricos mais conhecidos em todos os países e dela têm sido coligidas, estudadas e comparadas pelos entendidos centenas de versões. 

Contudo, de acordo com o professor R. D. Jameson, autoridade em assuntos do longínquo oriente: "A história é anterior à mais antiga versão ocidental de Des Perriers em seu "Nouvelles Récréations et Iojeux Devis", Lião, 1558, cerca de uns 700 anos." 

A versão chinesa é tirada de "Yuyang Tsatsu", um livro de mágicas e contos sobrenaturais e de fundo histórico. outrossim, escrito por Tuan Ch'eng-shih que morreu em 863 da era cristã. A história lhe foi contada por uma velha serva da família que provinha de Yungchow (moderna Nanning) em Kwangsei, e que descendia dos povos das cavernas (aborígines) daquele distrito. Tuan era filho de um primeiro ministro e era letrado e em "Yuyang Tsatsu", deu disso vários exemplos: pesquisou certos contos populares indo encontrá-los até nos clássicos budistas, pois no século IX, as histórias sobrenaturais budistas eram bem conhecidas e populares na China. Entretanto esse conto provou ser de tradição oral. 

Existem versões siamesas bem conhecidas e Nanning fica bem perto da Indochina. Segundo o professor Jameson- "Tanto quanto lhe posso afirmar, e até onde vão meus conhecimentos, a mais velha versão impressa é chinesa. Sabemos muito pouco sobre os processos da imaginação humana e são incontáveis os lugares folclóricos do mapa asiático que ainda não foram completamente explorados para justificar, parece-me, muita especulação." 

O que nos fere nessa versão chinesa é que ela contém elementos de todas as duas tradições, eslava e alemã, na primeira das quais um animal amigo é o motivo principal e onde, na segunda, a perda do sapatinho num baile é o fato mais importante. A madrasta cruel e as filhas são comuns a ambas. - Lin Yutang. 

O CONTO

Certa vez, antes de Ch'in (222-206 a.C.) e Han havia um chefe das cavernas da montanha a quem os nativos chamavam chefe Wu. Ele se casou com duas mulheres uma das quais morreu deixando-lhe uma menina chamada Yeh Hsien. Essa menina era muito inteligente e habilidosa no bordado a ouro e o pai amava-a ternamente, mas, quando êle morreu, viu-se maltratada pela madrasta que seguidamente a forçava a cortar lenha e mandava-a a lugares perigosos para apanhar água em poços profundos. 

Um dia, Yeh Hsien pescou um peixe com mais de duas polegadas de comprimento e que tinha as barbatanas vermelhas e os olhos dourados. Trouxe-o para casa e o pôs numa vasilha com água. Cada dia o peixe crescia mais e tanto cresceu que, finalmente, a vasilha não lhe serviu mais e a menina o soltou numa lagoa que havia por trás de sua casa. Yeh Hsien costumava alimentá-lo com as sobras de sua comida. Quando ela chegava à lagoa, o peixe vinha até a superfície e descansava a cabeça na margem, mas se alguém se aproximasse não aparecia. 

Esse hábito curioso foi notado pela madrasta que esperou o peixe sem que este lhe aparecesse. Um dia, lançou mão de astúcia e disse à enteada: - "Não está cansada de trabalhar? Quero dar-lhe uma roupa nova." Em seguida fêz Yeh Hsien tirar a roupa que vestia e mandou-a a várias centenas de li para trazer água de um poço. A velha, então, pôs o vestido de Yeh Hsien e estendeu uma faca afiada na manga da blusa; dirigiu-se para a lagoa e chamou o peixe. Quando o peixinho pôs a cabeça fora d’água, ela o matou. Por essa ocasião, o animalzinho já media mais de dez pés de comprimento e, depois de cozido, mostrou ter sabor mil vezes melhor do que qualquer outro. E a madrasta enterrou seus ossos num monturo. 

No dia seguinte, Yeh Hsien voltou e ao aproximar-se da lagoa verificou que o peixe desaparecera. Correu para chorar escondida no meio do mato e nisso um homem de cabelo desgrenhado e coberto de andrajos desceu dos céus e a consolou, dizendo: - “Não chore. Sua mãe matou o peixe e enterrou os ossos num monturo. Vá para casa, leve os ossos para seu quarto e os esconda. Tudo o que você quiser peça que lhe será concedido". Yeh Hsien seguiu o conselho e pouco tempo depois tinha uma porção de ouro, de jóias e roupas de tecido tão caro que seriam capazes de deleitar o coração de qualquer donzela. 

Na noite de uma festa tradicional chinesa, Yeh Hsien recebeu ordens de ficar em casa para tomar conta do pomar. Quando a jovem solitária viu que a mãe já ia longe, meteu-se num vestido de seda verde e seguiu-a até o local a festa. A irmã, que a reconhecera virou-se para a mãe dizendo: - "Não acha aquela jovem estranhamente parecida com minha irmã mais velha ?" A mãe também teve a impressão de reconhecê-la. Quando Yeh Hsien percebeu que a fitavam, correu, mas com tal pressa que perdeu um dos sapatinhos, o qual foi cair nas mãos dos populares. 

Quando a mãe voltou para casa encontrou a filha dormindo com os braços ao redor de uma árvore; assim pôs de lado qualquer pensamento que pudesse ter sido acerca da identidade da jovem ricamente vestida. 

Ora, perto das cavernas, havia um reino insular chamado T'o Huan. Por intermédio de forte exército governava duas vezes doze ilhas e suas águas territoriais cobriam vários milhares de li. O povo vendeu, portanto, o sapatinho para o Reino T'o Huan, onde foi ter às mãos do rei. O rei fêz as suas mulheres experimentá-lo, mas o sapatinho era cerca de uma polegada menor dos das que tinham os menores pés. Depois fez com que o experimentassem todas as mulheres do reino sem que nenhuma conseguisse calçá-lo. 

O rei, então, suspeitou que o homem que o tinha levado o tivesse obtido por meios mágicos e mandou aprisioná-lo e torturá-lo. Mas o pobre infeliz nada pôde dizer sobre a procedência do sapato. Finalmente, emissários e correios foram enviados pela estrada para irem de casa em casa a fim de prenderem quem quer que tivesse o outro sapatinho. O rei estava muito intrigado. 

A casa foi encontrada, bem como Yeh Hsien. Fizeram-na calçar os sapatinhos e eles couberam perfeitamente. Depois ela apareceu com os sapatinhos e o vestido de seda verde tal como uma deusa. Mandaram contar o caso ao rei e o rei levou Yeh Hsien para seu palácio na ilha juntamente com os ossos do peixe. 

Assim que Yeh Hsien foi levada, a mãe e a irmã foram mortas a pedradas. Os populares apiedaram-se delas, sepultando-as num buraco e erigindo um túmulo a que deu o nome de "Túmulo das Arrependidas". Passaram a reverenciá-las como espíritos casamenteiros e sempre que alguém pedia-lhes uma graça no sentido de arranjar ou ser feliz em negócios de casamento tinha certeza de que sua prece era atendida. 

O rei voltou à sua ilha e fez de Yeh Hsien sua primeira esposa. Mas durante o primeiro ano de seu casamento, ele pediu aos ossos do peixe tantos jades e coisas preciosas que eles se recusaram a conceder-lhe mais desejos. Por isso o rei pegou os ossos e enterrou-os bem perto do mar, junto com uma centena de pérolas e uma porção de ouro. Quando seus soldados se rebelaram contra ele, foi ter ao lugar em que enterrara os ossos, mas a maré os levara e nunca mais foram encontrados até hoje. Essa história me foi contada por um velho servo de minha família, Li Shih-yüan. Ele descendia de um povo chamado Yungchow e sabia de muitas historias estranhas do sul.

Fonte: