domingo, 9 de junho de 2024

Aparecido Raimundo de Souza (A menina dos olhos sem luz)

VOU CONTAR a história da menina Fernanda, uma jovenzinha de quinze anos, que morava com a sua tia, a dona Lurdes, em Aldeia da Serra, um bairro elegante de São Paulo, entre Barueri e Santana de Parnaíba. Apesar de todo o conforto oferecido, Fernanda carregava consigo um problema que a fazia diferente das demais mocinhas da sua idade. Seus olhos não viam. Não enxergavam um palmo adiante do nariz. Apesar dessa ablepsia, seu mundo (mergulhado em escuridão perpétua), não se mostrava hostil e aborrascado. A casa da tia Lurdes, se constituía em uma mansão elegante de dois andares, edificada num terreno imenso e bem cuidado, com árvores frondosas e plantas as mais diversas. A bem da verdade, um lugar elegantemente pitoresco e aconchegante, onde as cores mais exuberantes da natureza se mostravam em todo o albor da excelsitude* e realeza. 

Obviamente todas as maravilhas se faziam sentidas e vivenciadas por quem quer que ali chegasse. Em face da sua desdita, contrariando a tudo e a todos –, notadamente pelo seu coração (que possuía mil razões para se ver e se sentir amargurado), a pequena não se lastimava, nem choramingava pelos cantos. Tampouco se deixava ser levada ou abatida pela melancolia ou pela neurastenia do desespero. A consternação, por seu turno, não lhe tirava o foco. Tampouco o derrotismo, ou o desânimo avassalador, lhe enchiam o coração de medos e inquietações. Fernanda não se sentia, em momento algum, acabrunhada ou triste, levando em conta os sentidos vitais inerentes a sua visão não lhe propiciarem a chance, por menor que fosse, de vivenciar a magia contagiante do efêmero, nem que fosse por um milésimo de segundo. 

Sem se melindrar, ou se sentir ao nível do chão, a jovem agia dentro da normalidade, como se os seus olhos fossem perfeitos. Assim, as formas das coisas se moldavam em toda a sua plenitude, como a venustidade* que se fazia percebida de uma maneira que poucos poderiam acreditar e entender. Os males responsáveis pela sua “cegueira” agiam duramente como janelas fechadas em quartos ensombrecidos e lâmpadas queimadas. Para aumentar a degradante tristeza, que ela não sentia, seu “eu” interior maravilhado, não se fechara para o céu azul. Tampouco para o sol radiante e para as estrelas e a lua, quando, à noite, se prostravam no firmamento. Seu coração, mesmo norte, se fazia como uma vidraça corpulenta escancaradamente aberta para um universo paralelo de sensações imorredouras. 

Nesse unissonante paraíso, ela tocava as flores e conhecia as suas cores pelos cheiros e odores dos perfumes que exalavam. Mesmo tom, ao ouvir o vento, distinguia intimamente as paisagens que ele descrevia em suas canções. As pessoas que gravitavam ao seu redor, as empregadas, o motorista da tia, os parentes e os vizinhos que a conheciam, se quedavam em lamentações: “pobre menina! Que horror os seus olhos não capturarem as belezas que o Criador nos deu sem termos que pagar um centavo para desfrutarmos seus esplendores.” Mas Fernanda, ao tomar conhecimento dessas conversas meio que maquiavélicas, não dava a mínima. Limitava a se moderar em sorrisos indescritíveis. Sabia que, de certa forma, percebia, ou melhor, assimilava, nos mínimos detalhes... discernia mais que todo mundo, notadamente os que faziam parte do seu dia a dia, que o seu “eu” interior não vivia e não só vivia, sentia a verdadeira essência das coisas enroupadas numa majestade de beleza única e imperecível. 

As fragrâncias balsâmicas, em iguais passos, não se detinham   apenas em suas aparências. Elas se expandiam e voavam longe. Transcursavam para o divorciado (sic) dos sisudos muros que guarneciam as paredes da luxuosa construção. Certo dia, chegou ao seu conhecimento, que o Carlos –, um rapazote mais velho que ela um ano (morador quatro casas abaixo), tanto perturbou a sua mãe que, sem mais desculpas, a tal senhora se viu obrigada a bater na porta da suntuosa casa milionária. A tia de Fernanda, nessa ocasião, gentilmente atendeu as pretensões do menino, dando-lhe o acesso pleiteado. A mãe de Carlos trocou algumas palavras com a sua circunjacente, culminando com a tia aquiescendo com o encontro do garoto e a sua sobrinha. Com o ingresso do adolescente, permitiu que o púbere realizasse o seu sonho.  

A tia, apesar da nova amiga morar próxima, colocou um segurança discreto a observar o casal. Nesse interregno, convidou a mãe do piá*, para acompanhá-la até a cozinha, onde se sentaram e, enquanto os adolescentes trocavam impressões, dona Lurdes pediu para uma de suas funcionárias preparar um lanche para os convidados. O rapaz estava triste e abatido. Revelara à Fernanda que se sentia deveras insatisfeito. Apesar da pouca idade, seu sonho maior se constituía em ser pintor, porém, não sendo um profissional, e via outra* (sic), ter dado vida para uma grande quantidade de quadros, de repente lhe sucumbira a paixão pela arte. 
— Fernanda, como posso pintar novamente se faz tempo perdi o rumo, levando em conta não ver mais nenhuma beleza no mundo?

Fernanda agasalhou as mãos de Carlos entre as suas e as colocou direto sobre o coração. 
— “Sinta –, disse ela a certa altura. A beleza está aqui. – Para onde você olhar, sentirá a sua força avassaladora. Você só precisará ver com os olhos da alma, jamais com os olhos físicos. ”
O garoto, de pronto, entendeu a mensagem. Inspirado pela graciosa, dias depois recomeçou a pintar. Produziu quadros, como nunca antes havia ousado com seus pincéis. Desde então, matizou os sons do riso, eternizou as texturas da esperança e perenizou os aromas das aventuras. Graças a Fernanda, a menina dos olhos embaciados, ele descobriu uma vastidão ao seu redor de uma maneira jamais vista e sentida. 

Em conclusão dessa história, a Fernanda (que não via com os olhos físicos), ensinou com palavras simples e gestos delicados, ao seu mais novo amigo e vizinho, a usufruir da verdadeira luz que para ele estava e se fazia fria, grosso modo, gélida, oculta e apagada. Descerrou, em paralelo, uma estrada de compleição ensandecida vinda diretamente de dentro do âmago. Ela mostrou também, na sua inocência, que a beleza ímpar, o acendrado* e o inconspurcado* não estavam somente enleados ou escondidos naquilo que olhamos, e não vemos, mas, sobretudo, na maneira sublime e bucólica de como percebemos e sentimos o Universo posicionado bem lá no alto e acima, muito aquém da nossa tão sonhada e inesgotável imaginação. 
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* Vocabulário do blog, em ordem alfabética

Acendrado = depurado.
Excelsitude = magnificência.
Inconspurcado = imaculado.
Piá = guri, garoto, é uma expressão regionalista muito usada no sul do Brasil.
Sic Põe-se entre parênteses depois de uma palavra, expressão ou frase, para indicar que a citação é textualmente exata como escrita pelo autor, e que por ela não se responsabiliza quem a publica.
Venustidade = formosa, graciosa.
Via outra = entretanto,  de outro modo.

Fonte: texto enviado pelo autor

sábado, 8 de junho de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “16”

 

Lima Barreto (A ave estranha)

Uma anedota do Reino dos Perus

Um dia em que o azul do ar transluzia e os seus delgados filetes paralelos vibravam como cordas de violino, ao reino dos Perus, sem que se soubesse de onde, chegou uma ave estranha.

Era alta e garbosa, leve e esguia. Vinha envolvida numa doida atmosfera de rubro, de miragem dourada. A doce curva de seu pescoço tomava os mais elegantes ímpetos para atingir o céu distante. Rebrilhavam as suas penas nos matizes mais variados e imprevistos; ora, a turquesa das alturas vivia-lhe na plumagem. Ora, a esmeralda do mar serpenteava pelo seu dorso, por toda ela, aqui, ali, pintas, olhos, cruzes, estrelas de safiras, ágatas, de topázios e rubis brilhavam.

Foi grande a surpresa no domínio do Perus. Cada qual, não saindo do círculo de giz em que desde tempos imemoriais se haviam metido, ergueu a cabeça hedionda.

Oh, espanto! Oh, terror! A ave não se parecia com eles.

Não tinha as penas negras de brilho esverdeado, movia-se em todos os sentidos, os traços de giz não suspendiam seus passos. Mal pousou em terra, familiarmente, como se de há muito conhecesse o hábito, pôs-se a falar, a comentar com liberdade, com segurança. Não tinha medo nem das palavras, nem das ideias, nem dos outros perus, os maiores que eles diziam existir poderosos.

Era tolerante, sabia a grande variabilidade das coisas, a maneira diversa que cada qual pode compreendê-las.

Mas os perus não se podiam capacitar que o mesmo objeto visto por duas pessoas desperte dois modos de ver diferentes. Para eles toda árvore era verde, todo verde era um só. Isso nascia da reflexão da sua natureza íntima.

Todos eram iguais, do mesmo povo, com a mesma voz, com mesmos gostos; as diferenças que, porventura, se lhes pudesse dar o nascimento, os anos lhes tiraram.

Sabiam escrever, mas só de um modo, sabiam pensar, mas só de um modo, não admitiam a dúvida.

Era certo o que diziam, era exato o que representavam. Paravam nas palavras, não iam ao pensamento.

E a letra? Ah! A letra!

Quem tinha letra bonita, escrevia as verdades; e na letra bonita estava o imperativo categórico.

O mundo era rígido, para eles, igual, medido, não tinha diferenças, não tinha nuances, era uma curva abominável. O mundo, já lá dizia o filósofo, é a ilusão do nosso entendimento.

O espanto foi contido e com falsas vozes de amigo, os perus indagaram:

— Donde vens?

— De longe. Atravessei mares, lagos, rios e minhas asas por vezes roçaram na cabeleira verdolenta das florestas. Vi o azul fosforescente do mar dos trópicos, as adustas areias da Ásia, a gama de fogo do Chibuazo, do Cotopaxi. Vi pagodes, cubatas, palácios. Os boulevards de Paris, os jardins de Sandes e as nascentes do Nilo encantaram alternativamente meus olhos. Raças, povos, famílias, de cores e de sangue mais vários amei.

Fonte: Lima Barreto. Contos completos. São Paulo: Cia das Letras, 2010. Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 28 =


Trova Humorística de Juiz de Fora/MG

HELOISA ZANCONATO

- Meu guri só diz tolice!...
E o garoto retrucou:
- Mas, papai, tudo o que eu disse
foi você quem me falou!...
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

MANUEL BANDEIRA
(Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho)
Recife/PE, 1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ

A CAMÕES

    Quando n’alma pesar de tua raça
    A névoa da apagada e vil tristeza,
    Busque ela sempre a glória que não passa,
    Em teu poema de heroísmo e de beleza.

    Gênio purificado na desgraça,
    Tu resumiste em ti toda a grandeza:
    Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
    O amor da grande pátria portuguesa.

    E enquanto o fero canto ecoar na mente
    Da estirpe que em perigos sublimados
    Plantou a cruz em cada continente,

    Não morrerá sem poetas nem soldados
    A língua em que cantaste rudemente
    As armas e os barões assinalados.
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Aldravia de Juiz de Fora/MG

CECY BARBOSA CAMPOS

a
turba
ruge
o
tiro
ecoa
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Soneto de Lisboa/Portugal

FERNANDO PESSOA
(Fernando Antonio Nogueira Pessoa)
1888 – 1935

AH UM SONETO!!!

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?… 
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Trova Premiada em Bandeirantes/PR, 2009

JB XAVIER 
(José Xavier Borges Júnior)
São Paulo/SP

Na clausura da existência,
das prisões que nos impomos,
um devaneio é a essência
do que pensamos que somos!
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Poema de Catanduva/SP

ÓGUI LOURENÇO MAURI

O FASCÍNIO DO TEU SORRISO

Não sei como tu consegues ser assim!...
Nenhum contratempo tira teu sorriso.
Eu queria tal postura também pra mim.
É de um humor igual ao teu que preciso...

De tua euforia, tenho feito meu remédio,
Minha terapia é teu rosto risonho.
É sempre tua alegria que me espanta o tédio,
Preso a teu estado d'alma me recomponho.

Ah!... Se Deus me desse teu temperamento...
De quem sorri mesmo nas horas mais duras,
A esperança anularia meu desalento,
Fazendo meu astral chegar às alturas.

Este teu sorriso de puro fascínio,
Com todo o charme de matiz cativante,
Deixou meu coração sob teu domínio,
Prisioneiro de outro, num peito triunfante.

Quando noto, de orelha a orelha, teus lábios,
Um traçado horizontal num rosto lindo,
Percebo-te a usar a estratégia dos sábios,
Convicto de que me ganhaste sorrindo.
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QUADRA POPULAR

Quem me dera estar agora
onde está meu coração,
lá no campo da saudade,
onde meus suspiros vão.
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Soneto de Campo dos Goytacazes/RJ

ANTONIO ROBERTO FERNANDES 
São Fidélis/RJ, 1945 – 2008, Campos dos Goytacazes/RJ

SEM MEDIDA

Quem diz que ama muito ou pouco, mente
ou não conhece o amor, na realidade,
pois não se mede o amor em quantidade,
se ama, ou não se ama, simplesmente.

Quem ama, embora sonhe com a eternidade,
ainda assim não sonha o suficiente
e em nada modifica o amor que sente,
seja na dor ou na felicidade.

Não há um meio olhar ou um meio beijo.
Ninguém tem dez por cento de um desejo
nem existe carícia desmedida.

E o amor, sem ter tamanho, é tão profundo
que podemos achá-lo num segundo
ou procurá-lo, em vão, por toda a vida.
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Trova de Mangualde/ Portugal

ELISABETE DO AMARAL
(Elisabete do Amaral Albuquerque Freire Aguiar)

Sobre o fumo mais escuro,
fruto da vil ambição,
quero pintar um futuro
sol ridente, meu irmão!
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Poema de São Fidélis/RJ

ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG

BUSCA

Traço na tábua a trilha da traça.
Tiro da tira um tanto de nada.
Fito na foto a fita que enfeita,
O filme perfeito de um conto de fada.

Fico atento focando no trono,
O rato roendo a roupa do rei.
Vejo ao relento a força da lei,
Perco a esperança, o sonho, o sono!

Sinto na alma um quê de saudade,
Choro sozinho o sonho perdido,
Vejo o passado morto e partido.
De mim sinto pena, dó, piedade!

Lanço o laço em busca do nada.
Sinto o horizonte mais longe que tudo.
Perco o caminho, o rumo, a estrada,
Caio na poça de um poço bem fundo.

Busco na fé a força do forte.
Conto o tempo em cada segundo.
Procuro na bússola a reta, o norte,
Acho você: meu mundo, meu tudo!
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Haicai de Campinas/SP

GUILHERME DE ALMEIDA 
(Guilherme de Andrade de Almeida)
Campinas, 1890-1969, São Paulo/SP

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".
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Sextilha de São Simão/SP

THALMA TAVARES
(Vicente Liles de Araújo Pereira)

Descobri um grande amor
– meio século já faz -
e ainda hoje é o motivo
que sempre alegre me traz,
por ser a troca constante
de ternura, amor e paz.
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Garota que, muitas vezes,
com jantares se tapeia,
vai, durante nove meses,
“chorar... de barriga cheia!”
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA 
(Nemésio Prata Crisóstomo)

MOTE:
Um sonho lindo que eu tive
onde tudo era harmonia
acordei... não me contive...
Era um sonho!... Que agonia!
José Feldman 
Campo Mourão/PR

GLOSA:
Um sonho lindo que eu tive
trouxe-me doces lembranças
quando jovem, em aclive,
via na vida esperanças!

Fora uma bela visão
onde tudo era harmonia
dando-me viva impressão
do quão feliz eu seria!

Hoje em infausto declive
na vida, sem me por freio,
acordei... não me contive...
foi só mais um devaneio!

Que o sonho fosse verdade
era tudo o que eu queria,
mas quedei-me à realidade:
Era um sonho!... Que agonia!
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Epigrama de Salvador/BA

LAFAIETE SPINOLA
(Lafaiete Ferreira Spínola)
1909 – 1975

Uma coisa aconteceu
Que a todo o mundo intrigou:
O Tesouro emagreceu
E o tesoureiro engordou!

(sobre um tesoureiro que guardava o dinheiro público em seu próprio bolso)
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

JOÃO BARAFUNDA
(João Francisco Coelho Cavalcanti)
São Luiz do Quitunde/AL, 1874 – 1938, Rio de Janeiro/RJ

ROSA

Como um botão de rosa despontando
era assim Rosa — meu primeiro amor;
passava às rosas seu perfume dando
e dando às rosas sua rósea cor.

Quando Rosa morreu, todos, chorando,
rosas puseram no caixão (que dor!)
E as rosas forma pálidas ficando,
ficando triste como a extinta flor.

E foi-se a rosa de meu coração...
Porque fugiste, amor puro e perfeito?
Porque morreste, flor inda em botão?

Tu, que foste rainha das formosas
flores, hás de viver sempre em meu peito.
Tens em meu peito um túmulo de rosas.
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Trova Premiada  em Cachoeiras de Macacu/RJ, 1999

ANTONIO COLAVITE FILHO 
Santos/SP

“Cara-de-pau!” E o grã-fino 
não se abala, não se afoba;
e no rosto, enfim, ladino,
passa um óleo de peroba…
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Spina de São Paulo/SP

CARLA BUENO OLIVEIRA

ESQUEÇO DE TUDO

Esqueço de tudo
desde que conheci
você, meu universo.

Você tornou-se a minha vida,
a razão de tudo, enfim,
de existir cada novo verso.
Foi tão bom isso acontecer,
não poderia ser o inverso!
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ
(Arthur Thomaz da Silva Neto)

Em um lugar no passado...
Hoje, ao ver nosso retrato
esquecido e amarelado,
eu culpo o destino ingrato.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

LENA JESUS PONTE
(Lena Rúbia Ferreira de Jesus Ponte)

DE PASSAGEM

Na rua dorme um menino
sem lençol de afeto.
Na rua sonha um menino
sonhos sem imagens.
Na rua seca um menino
sem sequer as miragens de um deserto.

O menino dorme,
abraçado à calçada,
aconchegado ao cimento.
Que faz todo mundo neste momento exato?
Dormimos todos um sono profundo.
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Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

RICARDO INGENITO ALFAYA

porcelana chinesa

Luz na água do chá
O rosto de um monge
Dentro da xícara
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Poema de Lisboa/Portugal

ANA LUÍSA AMARAL

ESPAÇOS

 As nuvens não se rasgaram
nem o sol: só a porta
do meu quarto

 A abrir-se noutras
portas dando para outros
quartos e um corredor ao fundo

 Não havia janelas nem
silêncios: sinfonias por dentro
a rasgar o silencio

 A porta do meu quarto
já nem porta: madeiramento
para o fogo
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Trova de Maringá/PR

A. A. de ASSIS
(Antonio Augusto de Assis)

– Aceitas dar-me os deleites 
da próxima contradança?... 
– Aceito, desde que aceites 
não me apertar contra a pança! 
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Poema de Brusque/SC

MARIA LUÍZA WALENDOWSKY

VIDAS II

Vidas, que se cruzam,
Que em seus trilhares
se confundem,
num misto de alegrias,
tristezas...
companheirismo e confidências.

Vidas, que ao longo do tempo,
criam raízes em nossos corações...
que ao se depararem com intempéries,
deixam cicatrizes... apenas!

Vida, que Deus nos presenteia...
e basta um segundo,
um instante,
para se entrelaçar
olhos,
 alma...
e coração!
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Hans Christian Andersen (O Livro Silencioso)

Numa estrada cercada por floresta de ambos os lados, vemos ao fundo uma fazenda dividida por essa estrada. Podia se ver uma bela e enorme árvore bem no centro dessa floresta. 

O dia estava ensolarado, calmo e fresco, como eram dias de verão na Dinamarca todas as janelas da casa da fazenda estavam abertas. Havia um toque de vida vindo de dentro da casa. Porém, no centro do jardim, debaixo de uma tenda feita de um arbusto de sirenes, estava um caixão aberto. Ele aguardava a tampa que o marceneiro estava fazendo para poder sepultar o morto. 

Ninguém veio para vê-lo. Ele estava só, deitado em seu leito e sobre sua face, um pano branco. Mas, ao se olhar de perto, podia-se notar que o semblante do morto estava em paz e até um leve ar de felicidade emanava de sua face. 

Algo interessante e inusitado aparecia debaixo da cabeça do morto, não havia um travesseiro como de costume, mas um livro grande e grosso. Suas folhas eram de um papel de alta qualidade e entre cada folha, uma flor. Havia ali um herbário completo selecionado e colecionado de diferentes lugares. 

Ele havia pedido que esse livro fosse enterrado com ele. Cada flor estava relacionada a um capítulo de sua vida.

– Quem era o morto? – Podemos perguntar. 

E a resposta era: 

– “Um velho estudante de Uppsala, uma cidade na Suécia situada ao norte, a 70 km de Estocolmo. Ele deve ter sido muito inteligente, pois aprendeu línguas, canto, sem contar que escrevia muito bem; mas então algo aconteceu... e ele parou com tudo que fazia, começou inclusive a beber bebidas alcoólicas muito fortes. Porque abandonou tudo, sua saúde um dia o abandonou também. Sem nada e não tendo a quem recorrer, escondeu-se no campo onde encontrou pessoas boas que lhe davam de comer. Apesar de tudo, ele continuava um homem bom, piedoso e simples como uma criança, mas quando uma de suas crises voltava, ele fugia para a floresta e se escondia lá como um animal que estava sendo caçado, mas se o levássemos para casa e dávamos para ele o livro com as folhas, flores e ervas secas, ele se acalmava e podia ficar sentado o dia todo a olhar para uma erva e depois para outra, e muitas vezes lágrimas escorriam pelo seu rosto. Somente Deus sabia a razão dessas lágrimas! Ele pediu que seu livro fosse enterrado com ele, agora ele está lá, apoiando sua cabeça, em pouco tempo a tampa será fechada, e ele terá seu doce descanso na sepultura.”

A mortalha fúnebre foi levantada. Havia paz no rosto do morto, um raio de sol caiu sobre ele; uma andorinha passou em seu voo rápido pelo caramanchão e girou, chilreando sobre a cabeça do homem morto.

Como é estranho, no entanto, - todos nós sabemos disso - pegar velhas cartas de nossa juventude e lê-las; faz uma vida inteira acordar, por assim dizer, com todas as suas esperanças, com todas as suas lembranças, com todas as suas tristezas. Quantas pessoas, como nós, em um tempo vivido com tanto carinho, agora vivem como se estivessem mortos para nós, e ainda vivem, mas por muito tempo não pensamos neles, contudo, ao nos lembrarmos de alguém, deveríamos sempre nos agarrar a essa lembrança para poder compartilhar nossas tristezas e alegrias.

A folha de carvalho murcha no livro, lembra o amigo, amigo dos tempos de escola, amigo para a vida; ele fixou esta folha no boné do estudante, na floresta verde quando esse pacto foi selado para a vida.

- Onde ele está agora?  

A folha escondida, lembra a amizade esquecida. 

Agora temos uma planta de estufa estrangeira, muito boa para os jardins nórdicos – é como se ainda houvesse fragrância nessas folhas! Ela a deu a ele, uma nobre do jardim de ervas nobre. A nenúfar, ele arrancou e molhou com lágrimas salgadas, essa flor nasce em águas doces. Há também uma urtiga, o que sua folha diz? O que ele estava pensando ao pegá-la, ao escondê-la? Outras surgem: o lírio do vale, da solidão da floresta e mais a folha de cabra ambas e outras adornam o vaso de flores da estalagem, por fim a folha de grama nua e afiada !

A sirene em flor derrama seu cacho fresco e perfumado sobre a cabeça do morto –, a andorinha voa novamente: “Qvivit! qvivit!” 

Chegam os homens com pregos e com martelos, a tampa é colocada sobre o morto, que descansa a cabeça no livro mudo. Escondido - esquecido!

Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público

Recordando Velhas Canções (Bandolins)


Compositor: Oswaldo Montenegro

Como fosse um par que nessa valsa triste
Se desenvolvesse ao som dos bandolins
E como não, e por que não dizer
Que o mundo respirava mais se ela apertava assim
Seu colo como se não fosse um tempo
Em que já fosse impróprio se dançar assim
Ela teimou e enfrentou o mundo
Se rodopiando ao som dos bandolins

Como fosse um lar, seu corpo a valsa triste
Iluminava e a noite caminhava assim
E como um par, o vento e a madrugada
Iluminavam a fada do meu botequim
Valsando como valsa uma criança
Que entra na roda, a noite tá no fim
Ela valsando só na madrugada
Se julgando amada ao som dos bandolins
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A Dança da Vida em 'Bandolins' de Oswaldo Montenegro
A música 'Bandolins' de Oswaldo Montenegro é uma obra que evoca a nostalgia e a beleza dos momentos efêmeros da vida. Através da metáfora da dança, Montenegro descreve uma cena onde uma mulher dança ao som dos bandolins, como se cada movimento fosse um ato de desafio e afirmação perante o mundo. A valsa triste que se desenvolve ao som dos bandolins pode ser interpretada como a própria vida, com seus altos e baixos, mas ainda assim bela e digna de ser dançada.

A letra sugere uma resistência contra o que é considerado 'impróprio' pela sociedade, representado pela mulher que dança apesar das expectativas. Ela não se deixa levar pelo que é convencionalmente aceito, escolhendo viver o momento presente com intensidade e paixão. A imagem da 'fada do botequim' ilumina a noite, trazendo um toque de magia e encantamento, reforçando a ideia de que a vida, mesmo com suas tristezas, possui uma luz própria que deve ser celebrada.

A música também toca na temática da solidão e da busca por amor, como visto na última estrofe onde a mulher 'valsando só na madrugada' se julga amada. Isso pode ser visto como uma reflexão sobre a busca por conexão e a esperança de encontrar amor, mesmo quando se está sozinho. 'Bandolins' é uma canção que fala sobre a coragem de viver a vida plenamente, apreciando cada momento como se fosse uma dança, mesmo que seja uma valsa triste.

Dicas de Escrita (Como Escrever uma Fábula) = 1

(por Danielle McManus, PhD*)

INTRODUÇÃO
Fábulas são contos curtos alegóricos que, normalmente, têm como personagens animais antropomórficos, embora plantas, objetos e fenômenos naturais também possam aparecer. Em fábulas clássicas, o personagem principal aprende algo a partir de um erro-chave e o conto termina com uma lição de moral que resume o que foi aprendido. 

Escrever uma fábula demanda uma narrativa forte e concisa na qual cada componente — personagem, ambiente e ação — contribui de forma direta e clara para a resolução da história e para sua moral. 

Embora cada pessoa tenha um processo de escrita único, este artigo fornece uma lista de passos sugeridos para ajudar você a criar a sua.

FAZENDO O RASCUNHO BÁSICO DA SUA FÁBULA

1 Escolha a moral.
Como a moral é o ponto crucial da fábula, muitas vezes, fica mais fácil rascunhar a sua se determiná-la. 

Ela deve estar relacionada ou refletir um problema pertinente à cultura com que os leitores se identifiquem.

Alguns exemplos de morais que podem inspirá-lo incluem:

"Por mais elevados que estejais, não desprezeis ao vosso semelhante."

"Nenhum ato de gentileza é coisa vã."

"Convites incitados pelo egoísmo não devem ser aceitos."

"Belas penas não fazem belos pássaros."

"Os estranhos devem evitar aqueles que disputam entre si."

2 Decida qual será o problema. 
Ele coordena a ação na fábula e será a fonte primária para a lição a ser aprendida.

Uma vez que o objetivo da fábula é veicular lições e ideias culturalmente relevantes, o problema central funciona melhor quando é algo com o qual muitas pessoas podem se identificar.

Por exemplo, em "A Lebre e a Tartaruga" somos rapidamente introduzidos pelo que se tornará o problema central ou conflito da história quando os dois personagens resolverem participar de uma corrida.

3 Decida qual será o elenco. 
Determine quem ou o que serão os personagens da sua fábula e que traços os definirão.

Uma vez que fábulas são feitas para serem simples e concisas, não opte por personagens complexos ou multifacetados. Em vez disso, crie um que incorpore uma única característica humana e mantenha-o dentro desse limite.

Como os personagens serão o veículo principal até a moral da fábula, escolha alguns que possam se relacionar mais facilmente a ela.

Em "A Lebre e a Tartaruga", os personagens são, como o título sugere, a lebre e a tartaruga. Uma vez que a primeira é comumente associada à rapidez, e a segunda, à lentidão, elas já têm as características principais em cima das quais se pode construir a história.

4 Determine o arquétipo dos personagens. 
Embora o animal ou objeto que você escolher já deva ter traços evidentes em si, como dito acima, você também precisará criar qualidades subjetivas relacionadas a esses traços.

Em "A Lebre e a Tartaruga", a lentidão da tartaruga é associada a equilíbrio e persistência, enquanto a rapidez da lebre é associada a ansiedade e confiança exagerada.

Há inúmeros personagens arquetípicos clássicos usados em fábulas que são bastante reconhecidos e associados a características humanas específicas. 

Escolher dois com traços opostos é, muitas vezes, útil para estabelecer o conflito na história.

Alguns dos arquétipos mais comuns e suas características incluem:

O leão: força, orgulho.
O lobo: desonestidade, ganância, voracidade.
O burro: ignorância.
A mosca: sabedoria.
A raposa: esperteza, astúcia.
A águia: autoridade, absolutismo.
A galinha: vaidade.
O cordeiro: inocência, timidez.

5 Escolha o ambiente. 
Onde os eventos da história acontecerão? 

Assim como na escolha da moral e do problema, pegue um ambiente que seja simples e fácil de ser reconhecido pela maioria das pessoas.

Ele também deve englobar os personagens e seus relacionamentos.

Tente fazer um ambiente simples, mas vívido — deve ser um local que os leitores possam reconhecer e entender facilmente, o que o poupará tempo explicando os detalhes dos arredores.

Por exemplo, na famosa fábula citada aqui algumas vezes, "A Lebre e a Tartaruga", o ambiente é uma estrada na floresta, que prepara o terreno para a ação (a corrida na estrada) e que engloba todos os outros personagens da história (criaturas selvagens).

6 Decida qual será a resolução do problema. 
Ela deve ser satisfatória e relevante em relação aos outros componentes da história, incluindo os personagens, seus relacionamentos e o ambiente.

Considere como os personagens resolverão o conflito e como essa resolução apoiará a lição e a moral a serem aprendidas com a história.

Por exemplo, na fábula "A Lebre e a Tartaruga", a resolução é simples — a lebre, em sua ansiedade, perde a corrida para a perseverante tartaruga.
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* Danielle McManus, PhD é Conselheira de Graduação em Davis, Califórnia. Completou seu PhD em Língua e Literatura Inglesa na UC Davis em 2013.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 48

 

Humberto de Campos (A confissão)

Em que se prova que certas perguntas inocentes, claramente feitas, valem às vezes por uma informação perigosa.

O padre Sebastião havia tido notícia, por intermédio do sineiro, que a sua paróquia, colocada sob a invocação de Nossa Senhora do Retiro, se achava minada, encoberta, anarquizada pela corrupção dos costumes. Segundo o depoimento dessa testemunha, o bairro estava semeado de casas duvidosas, onde algumas senhoras levianas se juntavam durante certas horas do dia rindo, dançando, palestrando com rapazes e velhos divertidos, que ali ficavam até à noite, consumindo o seu tempo e gastando o seu dinheiro. Escandalizado com a denúncia, o virtuoso sacerdote chamou uma tarde, o sacristão e recomendou-lhe:

— Francisquinho, nós precisamos agir, na freguesia contra o demônio da corrupção. A seara de Deus, que se mostrava tão prospera, principia a ser devorada pelas lagartas do Demônio. E nós precisamos trabalhar, meu filho!

O sacristão arrebitou o nariz para melhor farejar o escândalo, e o reverendo explicou o seu plano:

— É preciso que você, que conhece toda a gente, indague por aí quais são as casas suspeitas em toda a paróquia. Veja o número dos prédios e venha avisar-me, para que ou tome as providências.

Francisquinho pegou no chapéu, sacudiu-o no cocuruto, e partiu, bamboleando pelas ruas do bairro, a indagar de café em café, de botequim em botequim, de antro em antro, onde estavam situados aqueles focos de corrupção. E à tarde, informava com a sua vozinha em falsete a Sua Reverendíssima, o vigário:

— Meu padrinho, descobri tudo. As casas são três: uma na rua dos Enforcados nº 29, outra na rua França Coelho nº 417, e outra na travessa de Santa Apolônia nº 46. E é só.

Padre Sebastião tomou nota em uma das folhas do breviário, decorou, depois, um por um, o nome das ruas e o número das casas e no dia seguinte foi, como de costume, confessar e absolver os fiéis.

Estava ele no confessionário ouvindo, peneirados no crivo de ferro, os pecados do seu rebanho, quando percebeu na última dama que se ajoelhara à sua frente, uma das senhoras cuja virtude não lhe merecia grande confiança. Cauteloso, o sacerdote, em certo momento, indagou:

— E você, filha, nunca abandonou o seu lar para ir à Rua dos Enforcados nº 27?

— Não, senhor! — gemeu a moça.

— E à Rua França Coelho nº 417?

— Também, não, senhor! — insistiu a dama.

— E à travessa Santa Apolônia nº 46? — tornou o pároco.

— Não, senhor!

Padre Sebastião absolveu a linda ovelha impoluta, e como não tivesse mais ninguém a confessar, deixou-se ficar no confessionário a olhar para a porta da igreja por onde ia sair a última confessada. De repente, abriu a boca, espantado: no portal do templo, a formosa paroquiana tomava nota a lápis em uma carteirinha, que exumara ali, de uma custosa bolsinha de ouro. Desconfiado, o sacerdote encaminhou-se para a porta, arrastando em silêncio as suas sandálias moles de lã, e chegando perto da moça indagou, interessado, com a sua santa voz de além-túmulo:

— De que é que toma nota, minha filha?

A dama, sem se aperceber da pergunta, respondeu apenas, como se falasse a si mesma:

— Essas eu não conhecia, não!

E, guardando a carteirinha na bolsa de ouro, retirou-se descendo os degraus.

Fonte> Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.