sexta-feira, 26 de julho de 2024

Recordando Velhas Canções (Mestre Sala dos Mares)


Compositores: João Bosco e Aldir Blanc

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu

Conhecido como o Navegante Negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar
Na alegria das regatas

Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas
E por batalhões de mulatas

Rubras cascatas jorravam das costas dos santos
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava então

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história

Não esquecemos jamais
Salve o Navegante Negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

Mas salve
Salve o Navegante Negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

Mas faz muito tempo
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Navegação pela História: A Ode a João Cândido em 'Mestre Sala dos Mares'
A música 'Mestre Sala dos Mares', composta por João Bosco e Aldir Blanc, é uma homenagem a João Cândido, figura histórica brasileira conhecida como 'O Almirante Negro'. A letra faz referência à Revolta da Chibata, ocorrida em 1910, quando marinheiros se rebelaram contra os castigos físicos, então comuns na Marinha Brasileira. João Cândido liderou essa revolta, lutando pela dignidade e contra as condições desumanas a que eram submetidos os marinheiros, em sua maioria negros e pobres.

A canção utiliza metáforas náuticas e imagens festivas para descrever a figura de Cândido, comparando-o a um 'mestre-sala', personagem tradicional do carnaval brasileiro, que com sua elegância e liderança, guia a escola de samba. A menção às 'regatas' e ao aceno pelo mar simboliza a liderança e o respeito que Cândido conquistou. As 'rubras cascatas' podem ser vistas como uma representação do sangue derramado pelos revoltosos e a resistência dos oprimidos, que mesmo em condições adversas, encontravam motivos para celebrar a vida e a liberdade.

A música também faz uma crítica social ao mencionar que o 'Navegante Negro' tem como monumento apenas 'as pedras pisadas do cais', uma referência à falta de reconhecimento e valorização dos heróis populares na história oficial. A repetição do verso 'Mas faz muito tempo' no final da música sugere que, apesar dos anos, as lutas e injustiças sociais continuam presentes e não devem ser esquecidas.  https://www.letras.mus.br/joao-bosco/663976/

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 52: Infinitude

 

Mensagem na Garrafa = 127 =


por SILVANA DUBOC

Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.

Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.

Se achar que precisa voltar, volte!

Se perceber que precisa seguir, siga!

Se estiver tudo errado, comece novamente.

Se estiver tudo certo, continue.

Se sentir saudades, mate-a.

Se perder um amor, não se perca!

Se o achar, segure-o!

O. Henry (Noite Árabe em Madison Square)

 A Carson Chalmers, no seu apartamento perto da praça, Phillips trouxe o correio da tarde. Além da correspondência de rotina, havia dois envelopes tendo o mesmo carimbo postal estrangeiro. 

Em um dos envelopes recém-chegados continha uma fotografia de mulher. O outro, uma carta interminável, em cuja leitura Chalmers se absorveu muito tempo. A carta era de outra mulher, e encerrava farpas envenenadas, adoçadas com mel e emplumadas com insinuações referentes à mulher fotografada.

Chalmers rasgou a carta numa centena de pedacinhos e pôs-se a gastar o seu caro tapete andando de cá para lá sobre ele. Assim age um animal selvagem quando é enjaulado, e assim age um homem enjaulado quando se vê perdido numa selva de dúvidas.

Aos poucos, a inquietação se acalmou. O tapete não era mágico. Podia viajar sobre ele dezesseis pés; três mil milhas estavam além do seu poder.

Phillips surgiu. Nunca entrava; surgia invariavelmente, como um gênio bem azeitado.

– Vai jantar aqui ou fora, senhor? — perguntou.

– Aqui — disse Chalmers — e dentro de meia hora.

Prestou ouvidos, sombriamente, às rajadas de janeiro, que faziam da rua deserta um trombone eólio.

– Espere — disse ao gênio em vias de desaparecer. — Quando vinha para casa, vi no fim da praça, uma porção de homens formando fila. Havia um trepado sobre não sei que, falando. Por que esses homens fazem fila, e por que estão ali?

– São gente sem teto, senhor — respondeu Phillips. — O homem sobre o caixote procura arranjar alojamento para eles passarem a noite. As pessoas vêm ouvi-lo e dão-lhe dinheiro. Então, ele encaminha a alguma casa e cômodos tantos homens quantos o dinheiro possa pagar. Por isso fazem fila; são encaminhados para os alojamentos na ordem em que chegam.

– À hora em que o jantar for servido — disse Chalmers —, traga um desses homens aqui. Jantará comigo.

– Q-q-qual ? - perguntou Phillips, gaguejando pela primeira vez em todo o seu tempo de serviço.

– Escolha a esmo — disse Chalmers. — Veja que esteja razoavelmente sóbrio… e uma certa dose de limpeza não será de desprezar. É tudo.

Era coisa inusitada Carson Chalmers bancar o califa. Mas naquela noite sentia a ineficácia dos antídotos convencionais para a melancolia. A fim de melhorar o humor, carecia de algo caprichoso e chocante, algo de caráter extravagante e arábico.

Em meia hora, Phillips cumpriu os seus deveres de escravo da lâmpada. Os garçons do restaurante embaixo haviam trazido o deleitoso jantar. A mesa, posta para dois, fulgurava festivamente à luz dos círios com pantalhas rosas.

E então Phillips, como se introduzisse um cardeal - ou mantivesse sob custódia um assaltante -, impeliu suavemente para dentro da sala o tiritante conviva, que fora arrancado à fila de hóspedes mendicantes.

É coisa comum chamar-se naufrágios a tais homens;  se a expressão for aqui usada, sê-lo-á no caso específico de um barco desgraçado pelo fogo. Alguma combustão bruxuleante iluminava ainda o casco à deriva. Sua face e suas mãos haviam sido recentemente lavadas — rito no qual Phillips insistira como homenagem póstuma às convenções trucidadas. A luz das velas iluminava o recém-vindo, verdadeira aberração no decoroso ambiente. Sua face era de um branco doentio, coberta até quase os olhos por um restolho que tinha o tom do pelame avermelhado de um setter irlandês. O pente de Phillips não alcançara dominar o cabelo castanho claro, todo emaranhado, que se havia conformado ao contorno de um chapéu usado permanentemente. Seus olhos estavam cheios de desesperançado e ardiloso desafio, como o que se vê nos olhos de um animal acossado pelos seus algozes. O casaco surrado estava abotoado até em cima, mas um quarto de polegada de colarinho redentor se mostrava acima dele. Suas maneiras demostraram ser singularmente isentas de embaraço quando Chalmers se ergueu de sua cadeira do outro lado da mesa circular.

- Se me conceder a honra — disse o anfitrião — ficarei encantado com a sua companhia ao jantar.

— Meu nome é Plumer — disse o conviva estradeiro, em tom áspero e agressivo — Se você for como eu, gostará de saber o nome da pessoa com quem vai jantar.

— Eu estava a pique de dizer — continuou Chalmers, algo apressadamente — que o meu é Chalmers. Quer sentar-se ali?

Plumer, o das plumas amarrotadas, dobrou os joelhos a fim de que Phillips empurrasse a cadeira para ele sentar-se. Tinha aparência de quem frequentara antes mesas servidas por garçons. Phillips apresentou-lhe as anchovas e as azeitonas.

— Bom! — latiu Plumer —, vai ser servido à francesa, pois não? Está bem, meu jovial soberano de Bagdá. Serei sua Xerazade até o fim, até os palitos. Você é o primeiro Califa de sainete genuinamente oriental que encontro em pleno inverno. Que sorte! E eu era o quadragésimo terceiro da fila. Acabara de contar quando o seu bem-vindo emissário veio convidar-me para o festim. Eu tinha tanta possibilidade de arranjar uma cama hoje à noite quanto teria de ser o próximo Presidente. Gostaria de ouvir a triste história da minha vida, Mr. Al-Rachide? Prefere um capítulo a cada prato, ou a edição integral com os charutos e o café?

— A situação não parece ser inédita para você — disse Chalmers com um sorriso.

— Pelo cavanhaque do profeta, não! — respondeu o conviva. — Nova Iorque está tão cheia de Haruns Al-Rachides de fancaria com Bagdá de pulgas. Por causa da minha história, já me vi detido, com um lauto jantar suspenso sobre a cabeça, mais de vinte vezes. Veja se é capaz de descobrir em Nova Iorque alguém que lhe dê algo por nada. Escrevem curiosidade e caridade com o mesmo jogo de letras de armar. A maioria lhe pagará um chop-suey; uns poucos bancarão os califas na base do filé mignon, mas uns e outros não o deixarão em paz enquanto não lhe arrancarem a autobiografia completa, com notas, apêndices e fragmentos inéditos. Oh, já sei o que fazer quando vejo vitualhas à minha frente na velha e querida Bagdá-Sobre-o-Metropolitano. Toco o asfalto três vezes com a fronte e preparo-me para contar patranhas em troca da janta. Declaro-me descendente do falecido Tommy Tucker, que era forçado a propiciar harmonia vocal em troca da sua pré-digerida sopa de trigo com spoopju.

— Não lhe peço que conte a sua história — disse Chalmers — Digo-lhe, com franqueza, que foi um capricho repentino que me fez mandar vir um estranho para jantar comigo. Asseguro-lhe que nada tem a recear da minha curiosidade.

— Ora, que bobagem! — exclamou o conviva, atacando entusiasticamente a sopa — Não me importo nem um pouco. Sou uma revista oriental bastante razoável, com capa vermelha e folhas cortadas quando o Califa viaja. Na verdade, nós, gente que não tem cama para dormir, cobramos uma espécie de tarifa sindical para coisas dessa espécie. Há sempre alguém querendo saber o que nos fez cair tão baixo na vida. Por um sanduíche e um copo de cerveja, digo-lhes que foi a bebida. Por um bife com couve e café, dou-lhes uma dose da história do impiedoso-senhorio-seis-meses-no-hospital-emprego-perdido. Um bom filé e uns cobres para a dormida merecem a tragédia de Wall Street da fortuna evaporada e da progressiva decadência. Este é o primeiro banquete de classe que me acontece. Não tenho pronta nenhuma história que lhe faça jus. Pois, Mr. Chalmers, já lhe digo o que vou fazer: vou contar-lhe, em troca, a verdade, se dispuser a escutá-la. Será mais difícil de acreditar do que as histórias inventadas.

Uma hora mais tarde o conviva árabe recostou-se na cadeira com um suspiro de satisfação, enquanto Phillips trazia o café e os charutos e tirava a mesa.

- Já ouvia falar alguma vez em Sherrard Plumer? — perguntou, com um sorriso estranho.

— Lembro-me do nome — disse Chalmers — Creio que era um pintor bastante proeminente há uns anos atrás.

— Cinco anos — respondeu o convidado. — Desde então, afundei como um pedaço de chumbo. Sou Sherrard Plumer. Vendi o último retrato que pintei por dois mil dólares. Depois disso, não arranjaria quem posasse nem para um quadro grátis.

— Que foi que aconteceu? — não pôde Chalmers deixar de perguntar.

— Engraçado — respondeu Plumer, sombriamente, — Nem eu mesmo entendi bem a coisa. Durante algum tempo, nadei como uma rolha. Meti-me na roda grã-fina e arranjei encomendas a torto e direito. Os jornais me chamavam o pintor da moda. Então começaram a acontecer coisas engraçadas. Sempre que eu terminava um quadro, vinham pessoas vê-lo e punham-se a cochichar e a entreolhar-se.

“Logo descobri qual era o transtorno. Eu tinha uma grande destreza para externar, no retrato, o caráter oculto da pessoa retratada. Não sei como o conseguia... pintava o que via... mas sei que me arruinou. Alguns dos meus modelos ficaram terrivelmente zangados e recusaram seus retratos. Pintei o retrato de uma senhora de sociedade, muito bela e muito popular. Quando estava pronto, o marido dela olhou-o com uma expressão peculiar no rosto, e na semana seguinte entrou com um pedido de divórcio.

“Lembro-me do caso de um conhecido banqueiro que posou para mim. Enquanto o retrato dele estava ainda em exibição no meu atelier, apareceu um conhecido seu para examiná-lo. 'Deus meu', disse, 'ele tem mesmo essa aparência?' Respondi que o retrato fora considerado extremamente fiel. 'Nunca reparara antes nessa expressão nos olhos dele', declarou o visitante. 'Acho que vou dar um pulo até a cidade e transferir o meu depósito bancário.' Foi até a cidade, mas o seu depósito bancário desaparecera, juntamente com o Senhor Banqueiro.

"Não demorou muito para me forçarem a abandonar o negócio. As pessoas não gostam de ver suas mesquinharias secretas mostradas num quadro. Podem sorrir, contorcer as feições, e enganá-lo, mas o retrato não pode. Não houve jeito de eu arranjar encomenda para nenhum outro quadro, e tive de desistir. Trabalhei durante algum tempo como desenhista de jornal , e depois para um litógrafo, mas o meu trabalho com ambos acabou resultando na mesma encrenca. Se eu desenhava sobre uma fotografia, meu desenho mostrava características e expressões que você não poderia encontrar na foto; acho, porém, que estavam no original, sem dúvida alguma. Os fregueses provocavam brigas incríveis, especialmente as mulheres, e nunca consegui manter-me muito tempo num emprego. Assim comecei a repousar a minha fatigada cabeça no seio da Boa Garrafa, em busca de consolo. E não tardou muito, estava eu na fila do leito grátis e praticando ficção oral, por esmolas, nos bazares alimentícios. Será que a expressão da verdade vos entedia, ó Califa? Posso mudar para o desastre de Wall Street, se preferir, mas isso requer uma bebedeira, e receio que não possa suportá-la depois deste excelente jantar.”

— Não, não — disse Chalmers, gravemente —, você me interessa muito. Todos os seus retratos revelavam algum traço desagradável, ou havia alguns que passavam indenes pela prova do seu singular pincel?

— Alguns? Sim — respondeu Plumer. — As crianças, geralmente, muitas mulheres, e um número razoável de homens. Nem todas as pessoas são más, sabe? Quando eram boas, os retratos saíam bons. Como já disse, não sei explicá-los, mas estou-lhe relatando fatos.

Sobre a escrivaninha de Chalmers jazia a foto que recebera naquele mesmo dia na mala estrangeira. Minutos mais tarde, pusera Plumer a trabalhar num esboço, a pastel, da fotografia. Ao cabo de uma hora, o artista ergueu-se e espreguiçou-se fatigadamente.

— Está pronto — bocejou. - Vai perdoar-me por ter demorado tanto. Interessei-me pelo trabalho. Deus, como estou cansado! Não arranjei cama na noite passada, sabe. Acho que vou dar-vos as boas noites agora, ó Comandante dos Fiéis!

Chalmers acompanhou-o até a porta e enfiou-lhe um punhado de notas na mão.

— Oh, aceito! — disse Plumer. — Isso está incluído na queda. Obrigado. Especialmente pelo esplêndido jantar. Vou dormir sobre penas, hoje à noite, e sonhar com Bagdá. Espero que tudo não se revele apenas um sonho, amanhã de manhã. Adeus, excelentíssimo Califa!

De novo pôs-se Chalmers a passear, inquieto, pelo tapete. Mas seu itinerário se afastava da mesa onde jazia o esboço a pastel tanto quanto o permitiam as dimensões do aposento. Duas, três vezes tentou aproximar-se da mesa, mas em vão. Podia enxergar o castanho, o dourado e o marrom das cores, mas havia em torno da mesa uma parede construída pelos seus temores, que o mantinha à distância. Sentou-se e procurou acalmar-se. Ergueu-se e tocou a sineta chamando Phillips.

— Há um jovem artista neste edifício — disse — um certo Mr. Reineman... sabe qual é o seu apartamento?

— Último andar, em frente, sir — respondeu Phillips.

— Vá até lá e peça-lhe por favor que venha até aqui por alguns minutos.

Reineman veio imediatamente. Chalmers apresentou-se.

— Mr. Reineman — disse —, há um pequeno quadro a pastel naquela mesa lá. Ficar-lhe-ia muito grato se pudesse dar-me a sua opinião quanto aos seus méritos artísticos como retrato.

O jovem artista adiantou-se até a mesa e apanhou a pintura. Chalmers voltou-lhe as costas, apoiando-se ao encosto de uma cadeira.

— Que... que acha dele? — perguntou, lentamente.

— Como desenho — respondeu o artista —, não tenho palavras para louvá-lo. É trabalho de um mestre, um mestre audacioso, fino e veraz. Intriga-me um pouco; faz anos que não vejo um pastel tão bom assim.

— O rosto, homem... o tema... o original... que diria dele?

— O rosto — disse Reineman — é a face de um dos mesmos anjos do Senhor. Posso perguntar-lhe quem...

- Minha mulher! — berrou Chalmers, voltando-se, correndo para o atônito artista, agarrando-lhe a mão e batendo-lhe nas costas. — Está viajando pela Europa. Leve esse esboço, rapaz, pinte o melhor quadro de sua vida, e deixe o preço comigo.

Fonte> O. Henry. Caminhos do Destino. Contos. Publicado originalmente em 1909. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (O menino da porteira)


Toda vez que eu viajava pela estrada de Ouro Fino
De longe eu avistava a figura de um menino
Que corria abrir a porteira e depois vinha me pedindo
Toque o berrante, seu moço, que é pra eu ficar ouvindo

Quando a boiada passava e a poeira ia baixando
Eu jogava uma moeda e ele saía pulando
Obrigado, boiadeiro, que Deus vá lhe acompanhando
Pra aquele sertão afora meu berrante ia tocando

No caminho desta vida muito espinho eu encontrei
Mas nenhum calou mais fundo do que isto que eu passei
Na minha viagem de volta qualquer coisa eu cismei
Vendo a porteira fechada, o menino não avistei

Apeei do meu cavalo num ranchinho beira-chão
Vi uma mulher chorando, quis saber qual a razão
Boiadeiro veio tarde, veja a cruz no estradão
Quem matou o meu filhinho foi um boi sem coração

Lá pras bandas de Ouro Fino levando gado selvagem
Quando passo na porteira até vejo a sua imagem
O seu rangido tão triste mais parece uma mensagem
Daquele rosto trigueiro desejando-me boa viagem

A cruzinha do estradão do pensamento não sai
Eu já fiz um juramento que não esqueço jamais
Nem que o meu gado estoure, que eu precise ir atrás
Neste pedaço de chão berrante eu não toco mais
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

A Saudade e o Sertão: A História Contada por 'O Menino da Porteira'
A música 'O Menino da Porteira', interpretada por Sérgio Reis, é um clássico da música sertaneja brasileira que narra a história de um encontro entre um boiadeiro e um menino que vivia na estrada de Ouro Fino. A letra, carregada de emoção e simplicidade, reflete a vida rural e as relações humanas em um contexto de viagens e trabalho no campo. A figura do menino, que se alegra ao ouvir o som do berrante e corre para abrir a porteira, simboliza a inocência e a alegria simples encontradas nas pequenas ações do cotidiano rural.

A narrativa da canção toma um rumo trágico quando, na volta do boiadeiro, a porteira está fechada e o menino já não está mais lá para recebê-lo. A descoberta da morte do menino, causada por um 'boi sem coração', traz uma reviravolta emocional à história, transformando a memória do menino em uma lembrança dolorosa que assombra o boiadeiro. A cruz no estradão serve como um marcador físico e emocional da perda, e o lamento do boiadeiro se mistura com o rangido triste da porteira, que agora carrega o peso da ausência e da saudade.

A música se encerra com a promessa do boiadeiro de nunca mais tocar o berrante naquele pedaço de chão, em respeito à memória do menino. Essa decisão simboliza um juramento de honra e um tributo à vida que foi perdida. 'O Menino da Porteira' é uma canção que fala sobre a dureza da vida sertaneja, mas também sobre a humanidade e os laços afetivos que se formam mesmo nas circunstâncias mais simples. Sérgio Reis, com sua voz marcante e interpretação genuína, conseguiu eternizar essa história em forma de música, tocando o coração de muitos ouvintes com a narrativa desse encontro entre o boiadeiro e o menino da porteira.

Um dos maiores compositores da música caipira, Teddy Vieira teria em "O Menino da Porteira" o seu primeiro grande sucesso. Cantada em como manda a tradição do gênero, a composição foi gravada pelo por Luizinho (Luís Raimundo) em dupla com Limeira (Ivo Raimundo), acompanhados por viola caipira de cinco cordas dobradas, violão e o som de um berrante de chifre de boi.

A letra conta a história de um boiadeiro que sempre presenteava com uma moeda um menino que lhe abria a porteira para dar passagem ao gado e sempre queria ouvir o berrante. Tempos depois o menino é morto por um boi e o boiadeiro nunca mais volta a tocar o berrante.

Em 1973, "O Menino da Porteira" ressurgiu em gravações de Tião e Pardinho e do ex-cantor da Jovem Guarda Sérgio Reis. O sucesso foi tão grande que Sérgio decidiu utilizar o poema como enredo de um solidificou sua carreira de cantor sertanejo.

Fontes:
https://www.letras.mus.br/sergio-reis/68480/
https://cifrantiga3.blogspot.com/2006/05/o-menino-da-porteira.html

quarta-feira, 24 de julho de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 34

 

Mensagem na Garrafa = 126 =

IVO LIMA
São Paulo/SP

O que fazer com a saudade?

A saudade sempre estará presente em nossa vida. por mais que queiramos, nunca vamos afastá-la completamente de dentro de nós.

Sentimos saudade de um ente querido que já partiu dessa vida para outra dimensão; temos saudade do amigos (as) de infância; sentimos saudade de um lugar que era especial para nós; guardamos uma eterna lembrança de alguma coisa que nos marcou profundamente; temos saudade de um amor que foi eterno enquanto durou.

A saudade passeia pelas entranhas de nosso ser e mistura aos nossos sentimentos mais profundos.

A saudade nos faz sonhar acordados e ver na tela do tempo para além da imaginação e acima das aparências.

A saudade faz renascer dentro de nós imagens que nem o tempo, nem o vento e nem a distância conseguem apagar.

A saudade não respeita barreiras, tem a velocidade da luz e a sensação da eternidade.

Por causa da saudade muitas vezes choramos, outras vezes rimos de nós mesmos e também temos a sensação de que, muitas vezes, éramos felizes e não sabíamos.

Se pudéssemos arrancaríamos de nosso coração a saudade que carregamos de certas coisas e pessoas, porque assim não povoaríamos nossa mente com lembranças que só nós fazem sofrer na contramão do tempo.

Quando a saudade bate forte nos atira pelo alto, nos lança no palco do passado e perdemos o controle de nossa própria imaginação; e quando menos esperamos, damos de cara com lembranças que nos tomam de surpresa como o furor de um vendaval no descampado da vida.

A saudade também traz recordação de momentos felizes que passamos, e ai ela nos joga nos braços do contentamento outra vez e sentimos o que vivemos no passado vale a pena. de outra parte, se nós não sentíssemos saudade, nosso passado seria como um livro de páginas arrancadas; nada seria acrescentado das experiências vividas em nosso presente e nem poderíamos usá-las como suporte para ajudar nossas buscas na rota do futuro.

Já que não é possível deixar de sentir saudade, precisamos transformar a saudade que sentimos em motivação para superar os obstáculos que a vida nos coloca no caminho.

Que saudade não seja uma sina maldita, com o qual temos que conviver para o resto da vida, nas que saibamos transformá-la em dádivas para escrevermos no diário de nossa história muitas lições na arte de viver e ser gente.

Que o lado negativo de nossas lembranças não pesem mais na balança de nossos sentimentos.

A saudade é será sempre nossa eterna companheira de viagem. vida e saudade caminham lado a lado. é impossível dissociá-la.

Se não existisse saudade, que gosto a vida teria? a saudade abre lacunas que precisam ser preenchidas com vibrações de esperança, dose de otimismo e com o orvalho da serenidade.

Arthur Thomaz (O Excêntrico e o Sol)

– Olá, Sol.

– Olá, amigo.

– Antes que você me pergunte, lhe direi que demorei a contatar e a escrever sobre você porque tive que aguardar os momentos em que seus maravilhosos raios não fritassem meu cérebro, e que assim, pudéssemos conversar durante mais tempo.

Prossegui, dizendo:

– Adoraria poder dar-lhe um afetuoso abraço, mas você há de entender a impossibilidade.

Rimos dessa minha bobagem.

– Posso garantir que estou feliz por essa oportunidade de nos falarmos.

Ele disse que não poderia ter deixado de notar-me porque todos os dias me via sintetizando a vitamina D e a minha excentricidade, que tomando sol, conversava animadamente com plantas e animais.

– Sem dúvidas, seus raios ajudaram-me a passar incólume pela pandemia, mas não compreendo o porquê de considerar-me excêntrico.

E continuei:

– Só faço papel típico de um escritor.

Rimos e emendei:

– A respeito de conversar com animais, em minha defesa, vou lhe contar. As formigas, certo dia, vieram pedir-me uma orientação sobre questões trabalhistas. Elas eram obrigadas a cumprir uma carga horária de 7 dias na semana, sem folga nem adicional de fim de semana. Orientei-as a fazerem um pacífico protesto e ajudei a confeccionarem as faixas para a passeata.

“Elas ganharam a causa e todos os domingos vêm comemorar aqui comigo fazendo piquenique.

“Em relação às aves, elas sempre me pedem informação do local das árvores frutíferas aqui do condomínio. Também fiquei amigo de um simpático casal de urubus, embora nunca tenha podido orientá-los sobre o local onde havia os pútridos alimentos, mas elogio o trabalho deles na limpeza do planeta e digo que o voo que realizam é o mais bonito de todas as aves. O casal retribui realizando lindas acrobacias aéreas para que eu aprecie.”

Continuei explicando:

– As plantas e as árvores, sentindo-se solitárias e não podendo se locomover, agradecem pela boa conversa. Na ocasião, informo como são as árvores e plantas de outros lugares no planeta.

Concluí, então:

– Seria isso suficiente para você me classificar como excêntrico?

Gargalhou e nada comentou a respeito.

Eu disse que havia outros assuntos a tratar e dúvidas do tamanho dele. Ainda sorrindo, disse que os cientistas do planeta em que eu habitava, teimavam em classificá-lo como estrela anã.

 – Não penso assim, já estudei muito sobre você, meu amigo, grandão, afinal, são 5 bilhões de anos desde a sua formação.

– Sim, na unidade de tempo que vocês humanos criaram. Aliás, Chronos enlouquece quando ouve essa contagem de vocês.

– Sim, eu estive com Chronos em outro momento. Mas saiba que quando nasci, esta bobagem cronológica já existia há tempos.

Sorri também acompanhando-o. Pensei em brincar, chamando-o de poeira cósmica incandescente, mas não achei oportuno.

Ele prosseguiu, agora com um tom de seriedade:

– Vocês sabem o que estão fazendo ao planeta?

Envergonhado, respondi:

– Eu tenho noção e faço minha parte para que isto não aconteça, mas sei que é insignificante perante os abusos dos que se julgam humanos.

– Fico triste ao ver essa destruição toda e já antevejo minha solidão após a eliminação da raça de vocês. Como eu disse em momento também, divirto-me assistindo as patacoadas de vocês no dia a dia. Literalmente, pois à noite não as vejo.

Riu prolongadamente da própria piada e continuou:

– Levarei milhões de anos para ajudar a formar novos seres vivos. E esse intervalo de tempo será monótono e solitário demais para mim. Nesse momento, algumas nuvens, provavelmente constituídas de melancolia, formaram-se entre nós e decidimos adiar nossa amigável conversa.

Voltei para casa com uma enorme e persistente inquietação em minha alma.

Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 

Recordando Velhas Canções (Casinha pequenina)


Tu não te lembras da casinha pequenina?
Onde o nosso amor nasceu?
Aí, tu não te lembras da casinha pequenina?
Onde o nosso amor nasceu?
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado que saudade já morreu
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado que saudade já morreu

Tu não te lembras das juras? Oh, perjura
Que fizeste com fervor?
Aí, tu não te lembras das juras? Oh perjura
Que fizeste com fervor?
Daquele beijo demorado
Prolongado que selou
O nosso amor
Daquele beijo demorado
Prolongado que selou
O nosso amor

Não te lembras, ó morena, da pequena
Casinha onde te vi, ai?
Não te lembras, ó morena, da pequena
Casinha onde te vi?

Daquela enorme mangueira
Altaneira onde cantava
O bem-te-vi

Não te lembras do cantar, do trinar
Do mimoso rouxinol, ai?
Não te lembras do cantar, do trinar
Do mimoso rouxinol?
Que contente assim cantava
Anunciava o nascer
Do flâmeo Sol
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Saudade e Memórias em 'Casinha Pequenina'
A música 'Casinha Pequenina', é uma ode à saudade e às memórias de um amor passado. A letra remete a um tempo de inocência e simplicidade, onde o amor floresceu em um ambiente bucólico e cheio de significados pessoais. A casinha pequenina, mencionada repetidamente, simboliza não apenas um lugar físico, mas um espaço emocional onde o amor nasceu e se desenvolveu. A repetição da pergunta 'Tu não te lembras?' enfatiza a dor da lembrança e a tristeza de perceber que esses momentos podem ter sido esquecidos pela outra pessoa.

A letra também faz uso de elementos da natureza para intensificar o sentimento de nostalgia. O coqueiro, a mangueira e o canto dos pássaros como o bem-te-vi e o rouxinol são símbolos de um tempo passado, de um cenário que testemunhou o amor dos protagonistas. Esses elementos naturais não são apenas decorativos; eles carregam consigo a essência das memórias e das emoções vividas. A morte do coqueiro, por exemplo, é uma metáfora para a passagem do tempo e a perda das lembranças.

Silvio Caldas, conhecido como 'O Caboclinho Querido', é um dos grandes nomes da música brasileira, especialmente no gênero seresta. Sua interpretação melódica e emotiva dá vida à letra, fazendo com que o ouvinte sinta a profundidade da saudade e da nostalgia. A música, portanto, não é apenas uma lembrança de um amor passado, mas também uma reflexão sobre a efemeridade dos momentos e a importância de valorizar as memórias que construímos ao longo da vida.

A modinha, o gênero mais lírico e sentimental de nosso cancioneiro, é também o mais antigo, existindo desde o século XVIII. E entre todas as modinhas surgidas nesse longo espaço de tempo, nenhuma seria tão cantada e gravada como a "Casinha Pequenina".

Lançada em disco por Mário Pinheiro em 1906, teria dezenas de gravações figurando no repertório dos mais variados intérpretes, de Bidu Sayão e Beniamino Gigli a Cascatinha e Inhana, de Sílvio Caldas e Nara Leão aos maestros Radamés Gnattali, Lírio Panicali e Rogério Duprat.

Atribuída a autor desconhecido, a "Casinha Pequenina" teve a origem pesquisada pelo musicólogo Vicente Sales, que acredita ser seu criador o paraense Bernardino Belém de Souza. Carteiro e pianista, Bernardino tocou durante algum tempo em navios que faziam a linha Rio-Manaus, aproveitando as viagens para divulgar suas composições no sul do país. Outra autoria possível, mas não comprovada, seria a dos atores Leopoldo Fróes e Pedro Augusto. Segundo Íris Fróes, biógrafa do primeiro, Leopoldo teria recebido de Pedro a letra da "Casinha Pequenina" pronta, e composto a melodia em 1902. A verdade é que nenhum deles jamais reivindicou a paternidade da canção, apesar do sucesso.
Fontes:

terça-feira, 23 de julho de 2024

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 34

 



Irmãos Grimm (A filha do moleiro)

Era uma vez um moleiro, muito pobre, que tinha uma filha lindíssima. Um dia teve ocasião de falar com o rei e, para dar-se importância , disse-lhe:

- Tenho uma filha  que sabe fiar palha, convertendo-a em ouro.

- É uma arte que me agrada, e muito. - comentou o rei. - Se tua filha é tão habilidosa como dizes, traze-a amanhã ao palácio, que eu  quero fazer uma experiência com ela.

Quando lhe trouxeram a moça, ele a levou a uma sala cheia palha e, dando-lhe uma roca e uma dobadeira, disse-lhe:

- Começa logo o trabalho e, se até amanhã de manhã não tiveres transformado toda esta palha em ouro, morrerás.

Depois ele mesmo chaveou a porta , deixando a moça sozinha.

A infeliz ficou ali encerrada, sem saber o que fazer para salvar sua vida. Não tinha a menor ideia de como transformar palha em ouro e sua angústia aumentava de momento a momento. Acabou chorando amargamente. De súbito a porta abriu-se e entrou um anãozinho. Disse ele, cumprimentando-a:

- Boa noite, jovem moleira! Por que choras assim?

- Ah! - exclamou a moça. - Devo fiar esta palha convertendo-a em ouro e nada entendo disso.

- Que me darás se  eu o fizer por ti? - indagou o homenzinho

- Meu colar. - disse a jovem.

O anão tomou o colar e, sentando-se à roca , num zás, em três rodadas encheu a bobina. Em seguida colocou outra e, com mais três pedaladas, a segunda também ficou cheia.

Continuou assim ininterruptamente, até amanhecer, quando então toda a palha estava fiada e todos as bobina cheias de ouro.

Logo que apontou o sol, o rei apresentou-se e, ao ver o ouro, ficou surpreso e radiante de alegria. Sua cobiça, no entanto, lhe pedia mais. mandou que levasse a filha do moleiro a outra sala ainda maior, cheia de palha, e exigiu-lhe que fiasse tudo durante a noite, se é que prezava a sua vida. 

A moça, ao ver-se de novo perdida recomeçou a chorar. Novamente a porta se abriu e apareceu o anãozinho, perguntando:

– Que me darás se te converto a palha em ouro?

- O meu anel. - retrucou a moleirinha.

O anão aceitou o anel; pôs-se à roca e, ao ao chegar a madrugada, toda a palha estava transformada em ouro fulgurante.

Ao ver aquilo, o rei alegrou-se, mas , ainda não satisfeito, mandou que levassem a moça para outra sala, muito maior e igualmente cheia de palha.

- Esta noite – disse ele - fiarás tudo isto. - Se conseguires , eu me casarei contigo.

O rei pensava : "Embora ela seja, apenas, filha de um moleiro, onde acharei mulher mais rica?"

Voltando a estar só, apresentou-se o anãozinho pela terceira vez e lhe disse:

- Que me darás se ainda esta noite me ponho a fiar a palha para ti?

- Já não me resta coisa alguma que possa dar-te. - respondeu a moça.

- Então promete-me o teu primeiro filho quando fores rainha.

"Sabe lá o que ainda está por acontecer", pensou a filha do moleiro. E, como estava num aperto tão grande, prometeu o que lhe pedia o anão.

Quando, pela manhã, o rei entrou na sala, encontrou tudo conforme seus desejos. Cumprindo sua promessa, casou-se com a bela moleira, que assim se tornou rainha. 

Transcorrido um ano, nasceu uma linda criança. A rainha até havia esquecido o anãozinho, senão quando este se apresentou, de súbito, em seu quarto.

- Dá-me, agora, o que me prometeste.

Ela, desesperada, ofereceu ao homenzinho todas as riquezas do reino se lhe deixasse o filho. Mas o anãozinho respondeu-lhe:

- Não! Uma criatura vale mais para mim do que tesouros do mundo.

A rainha, então, chorou e lamentou-se tanto que, afinal o anãozinho teve pena dela.

- Eu te darei três dias de prazo - disse - Se nesse meio tempo adivinhares o meu nome, poderás ficar com teu filho.

Durante a noite inteira  a rainha procurou recordar todos os nomes que conhecia e enviou um mensageiro a toda parte para informar-se de outros mais.

Quando, no dia seguinte, o homenzinho se apresentou, ela lhe foi recitando todos os nomes que sabia: Melchior, Gaspar, Baltasar...mas a cada um o anãozinho respondia:

- Não me chamo assim!

No decorrer do segundo dia mandou investigar os nomes de todos os vizinhos e passou a enumerá-los para o anão. Citou os mais difíceis e estranhos.

- Não te chamarás, por acaso Saltimbanco?

Mas o anãozinho respondia invariavelmente:

- Não, não me chamo assim.

No terceiro dia o emissário voltou, dizendo:

- Não descobri um só nome desconhecido mas, quando saía do bosque e cheguei a uma montanha muito alta, onde a raposa e a lebre se dão as boas noites, vi uma casinha , diante da qual ardia uma fogueira. Ao redor desse fogo um anãozinho saltava num pé só. E cantava assim:

Hoje faço pão e amanhã cerveja
Depois de amanhã busco o filho da rainha,
Ai que bom que ninguém sabe 
Que meu nome é Coroínha!

Imaginem o contentamento da rainha ao ouvir aquele nome. Quando, pouco depois, o homenzinho entrou no aposento e perguntou:

- Então, senhora rainha , como me chamo?

Ela respondeu-lhe, fazendo-se de sonsa:

- É Conrado?

- Não.

- Henrique?

- Não.

- Será, por acaso, Coroínha?

– Foi o diabo que te disse! Foi o diabo que te disse! - gritou o anãozinho furioso, batendo com o pé direito com tanta força no chão que se enterrou até a coxa. Depois pegou o pé esquerdo com as duas mãos, mas com tanta raiva que ele mesmo se rasgou em dois pedaços.

Fonte: Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Feitio de oração)


Compositores: Noel Rosa e Vadico

Quem acha vive se perdendo
Por isso  agora eu vou me defendendo
Da dor tão cruel desta saudade
Que por infelicidade          
Meu pobre peito invade

Batuque é um privilégio 
Ninguém aprende samba no colégio
Sambar é chorar de alegria
É sorrir de nostalgia
Dentro da melodia
Por isso agora lá na Penha vou mandar
Minha morena pra cantar
Com satisfação,  e com harmonia
Esta triste melodia,  que é meu samba
Em feitio de oração

O samba na realidade,       
não vem   do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então 
Nasce no coração 
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
O Samba Como Expressão da Alma em 'Feitio de Oração'
A música 'Feitio de Oração', composta pelo icônico Noel Rosa, é uma obra que transcende o tempo, trazendo em sua essência uma profunda reflexão sobre a natureza do samba e a expressão dos sentimentos. A letra inicia com uma contemplação sobre a perda e a saudade, sentimentos universais que afligem o ser humano. O eu-lírico se apresenta em uma luta para se proteger da dor causada pela saudade, uma emoção que invade seu peito e traz sofrimento.

No decorrer da canção, o samba é apresentado como uma forma de oração, uma expressão sublime que não se aprende em escolas, mas sim se sente e se vive. O samba é descrito como um privilégio, uma manifestação de alegria e nostalgia que se entrelaçam na melodia. A música sugere que o samba tem o poder de transformar a tristeza em algo belo, em arte. A referência à Penha e à morena que vai cantar com satisfação e harmonia reforça a ideia de que o samba é um ato de celebração e resistência emocional.

Por fim, Noel Rosa conclui que o samba não é algo que pertence exclusivamente ao morro ou à cidade, mas sim que ele nasce do coração de quem suporta uma paixão. O samba é, portanto, uma manifestação autêntica dos sentimentos mais profundos, uma forma de arte que brota da experiência humana e da capacidade de suportar e expressar as emoções mais intensas.

O compositor Vadico (Osvaldo Gogliano) era um jovem de 22 anos e trabalhava no Rio havia pouco tempo, quando foi apresentado por Eduardo Souto a Noel Rosa, nos estúdios da Odeon. Razão da apresentação: o maestro acabara de ouvi-lo tocar ao piano uma música de sua autoria, ainda sem letra, e achara que o encontro poderia render uma boa parceria.

Noel, então, impressionado com a beleza e o clima místico da melodia, fez a letra de "Feitio de Oração", iniciando com uma obra-prima a parceria desejada. Pertence a esta letra os famosos versos: "Batuque é um privilégio / ninguém aprende samba no colégio..." A dupla Noel e Vadico durou quatro anos, deixando onze composições.

Fontes:

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Varal de Trovas n. 606

 

Mensagem na Garrafa = 125 =


POETA DA COLINA
(Danilo Mendonça Martinho)
São Paulo/SP

Oração do Poeta

Que eu nunca me cale
Que a palavra vença a dor
Que alma grite as verdades

Prometo não fechar os olhos pro mundo
Sentir suas aflições
Revelar seus detalhes
Compartilhar sua realidade

Essa é a minha luta
Ter voz no meio do silêncio
Ter coragem quando há medo
Ter esperança quando se está perdido
Ser quem nunca desiste

Sou poeta
A palavra é minha arma
O verso é meu escudo
E a poesia viverá para sempre