quinta-feira, 31 de julho de 2025

José Feldman (Folclore Brasileiro em Versos) – 1


1. Saci Pererê

No bosque escuro, um riso a ecoar,
um pé só dança, travesso, à espreita,
Saci, travador de rimas a brincar,
com seu gorro vermelho em meio à colheita.

Nos ventos que sopram seus truques ecoam,
leva com ele o medo, o riso a flutuar.
Atrás da moita seus rastros enevoam,
sua lenda vive sempre a nos provocar.

Mas não é só travessa a sua essência,
guardião das matas, do fogo a grelha,
ensina ao homem a ter paciência,

que no simples ato, a vida é uma bem-querença.
Em cada folguedo, uma nova centelha,
no coração do povo, sua presença.

2. A Iara

Das águas profundas, um canto a seduzir,
Iara, sereia de beleza infinita,
com olhos de lua faz homens sucumbir,
na dança das ondas sua alma é bendita.

Mas cuidado, viajante, ao te aproximar,
pois seu canto é doce, mas pode enganar,
com promessas de amor te fará naufragar,
nos braços da morte não há como escapar.

Ela é a rainha do rio encantado,
com flores de lótus seu corpo adornado.
Enquanto as estrelas a iluminam no céu,

os homens a seguem perdidos ao léu,
e ao som de sua voz, desenfreados,
se entregam ao doce som de seus brados.

3. Curupira

Pequeno guardião de cabelos a arder,
Curupira, a lenda das matas a zelar,
com pés ao contrário, faz o mundo tremer,
todo que se atreve a seu reino entrar.

Por entre as árvores seu rugido ecoa,
desbravador feroz com astúcia a guiar,
protege a floresta, a fauna e a lagoa,
e ao homem ganancioso ensina a respeitar.

Mas não te enganes, ele é brincalhão,
faz do viajante um alvo de ilusão,
e em cada caminho um truque a espreitar,

se o fogo da floresta queres apagar,
cuidado, amigo, o Curupira está à mão,
no riso do vento a natureza a amar.

4. Boto cor de rosa

Em um rio profundo, um encanto a surgir,
é o Boto, o sedutor nas noites de luar,
com seu corpo elegante e brilhante olhar,
transforma-se em homem… com o amor a emergir.

As moças encantadas ao som do seu cantar,
sentem seu perfume, a volúpia despertando,
mas ao amanhecer é um mistério pairando,
o Boto desaparece deixando a saudade a flutuar.

Ele é o amante das águas serenas,
com segredos guardados e histórias amenas.
Na dança das marés, um sonho a vagar,

e enquanto a lua reflete no rio,
os corações pulsando um doce desafio,
na lenda do boto a vida a se propagar.

5. A Mula Sem Cabeça

No campo sombrio um lamento angustiante,
Mula sem cabeça, seu destino a vagar
na floresta escura, no silêncio, errante,
ecos de um amor que não pode voltar.

Noite de sofrimento, de fogo a brilhar,
na escuridão sua forma a percorrer
em cada relâmpago, um grito a ecoar,
lembranças de vida que não podem ceder.

Mas quem a avista deve ter temor,
pois a sombra da noite traz consigo a dor,
em busca de paz com sua alma a clamar,

e entre os mistérios, a história a contar
que amor e desatino podem levar à dor,
e na lenda da mula, um eterno clamor.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, Ubiratã/PR, Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”
Fontes:
José Feldman. Asas da poesia. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. Disponível em Domínio Público. 
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing 

Andréia Donadon – Leal (O Passageiro)

Meu sonho era ser maquinista de trem. Desde criança ia para a estação de Santa Bárbara e ficava a namorar o cenário de trens, de passageiros, das malas… Acordava antes do sol raiar muitas vezes para encontrar o trem que vinha de cidades vizinhas trazendo passageiros. Mamãe quando descobriu minha obsessão por trens, incentivou-me a colar no pé de seu Amâncio. Homem mais velho, carrancudo, esquisito, trabalhou em todos os setores da estação do trem. Fora engraxate, vendedor de balas, salgados pipocas; depois trabalhou no guichê vendendo passagens, foi vigilante, trocador, maquinista e agora era o manda-chuva dos homens que trabalhavam na estação. Na parede de sua sala pendiam vários retratos espalhados de homens que trabalharam na ferrovia. Era coleção de seu Amâncio. Chamavam de galeria dos ferroviários mortos. Disse um dia para mim que logo sua foto estaria pendurada naquela parede. Olhei para ele assustado e não entendi nada, também nem queria entender, só queria uma boca na estação.

Um dia tomei coragem de homem e conversei com seu Amâncio sobre meu sonho:

– Senhor Amâncio! Sabe que quando crescer gostaria de ser como o senhor? Homem importante e sabido?!

– Zé, vê se isso lá é coisa de futuro para você, moleque! Vá estudar menino e quem sabe um dia trabalha aqui para nós. Rosnou o homem de cara e fala sistemática.

Após aquele conselho não tive mais dúvidas; entrei de cara nos estudos para valer e daí colhi total nos exercícios e provas da escola. Pensava obstinadamente em estudar para trabalhar na tão sonhada estação de trem. Meus irmãos me criticavam por que não brincava muito. Papai e mamãe queriam me internar, achavam que estava com neurose aguçada. Todos da minha rua me olhavam meio de lado. Eu estava nem aí pra língua do povo. O que importava era que um dia trabalharia na ferrovia.

O tempo passara e eu consegui com mérito o diploma de segundo grau. Estudei com esmero, e minha fama já se espalhara na cidadezinha. Enfim, chegou o dia em que me vi com a carteira de trabalho na mão, assinada por seu Amâncio. Iria começar trabalhando de trocador no trem. Falavam as más línguas que na partida para cidade de Balelema saía lotado de passageiros. Mas na volta vinha apenas um passageiro. Diziam que era assombração, passageiro vestido de terno escuro, chapéu de abas largas, barbudo e cheirando a flor de defunto. Sempre sentado na poltrona vinte e três…

Pura lenda de cidade pequena, onde ninguém tinha ocupação; levantavam mais cedo para terminar o serviço e ir para porta da rua futricar sobre a vida alheia e colocar minhocas assombrosas nas cabeças dos jovens e adultos. Eu, homem crescido, descrente e corajoso, ia de peito estufado e uniforme engomado para o primeiro dia de trabalho. Na primeira viagem noturna, o maquinista me esperava na porta para explicar o que fazer com os formulários, inspecionar crianças que entravam sozinhas, dinheiro para troco, conferir os bilhetes… Nem pisquei quando o bondoso maquinista falava. Prestava muita atenção nas instruções para não cometer erros! O coração batia acelerado no peito de contentamento e ansiedade. Faltava meia hora para a partida do trem das dezoito horas com destino à cidade de Balelema e já chegavam à porta alguns passageiros com os bilhetes para conferência. Cumprimentava todos com um sorriso largo nos lábios, desejando boa viagem. Observei todos que entravam, nenhuma figura estranha chegara até então. Tudo lorota do povo de cidadezinha do interior!

Tudo normal. Fui para perto do maquinista que conversou comigo alegremente. Chegamos à cidade por volta das vinte e três horas e quarenta e cinco minutos. Uma serração densa aguardava os passageiros na estação e um vento gelado penetrava nossos corpos. O lugar estava vazio, alguns vigilantes, mulheres e seus encontros, dois táxis, algumas pessoas aguardavam os passageiros do trem. Não consegui ver mais nada. Um friozinho passou minha espinha, quando todos os passageiros desceram apressados do trem e um homem de terno escuro entrou e sentou na poltrona vinte e três…

Logo que o trem deu a partida, caminhei rumo á poltrona vinte e três e conferi o bilhete com as mãos e pernas trêmulas. O homem exibia um olhar escuro e ao mesmo tempo fundo, enigmático… Não respondeu meu cumprimento, não queria conversa… Um cheiro de naftalina misturado com flores de defunto exalava de seu corpo. O medo começou a suar meu corpo com lembranças das histórias do passageiro da poltrona vinte e três! Como que adivinhando meus pensamentos, o homem levantou a cabeça, olhou demoradamente nos meus olhos e não balbuciou nenhuma palavra. Um clarão penetrou os olhos de tal maneira que numa fração de segundos fiquei completamente cego. Uma luz branca, meio amarelada invadiu os olhos… Não vi mais nada, acordei horas depois com o maquinista balançando meu corpo jogado na poltrona vinte e três. O uniforme estava todo babado. Tinha dormido na volta?! Pouco provável! Procurei avidamente o homem de terno escuro, não havia ninguém. Olhei para o maquinista e perguntei se o passageiro de terno escuro, alto, barbudo tinha descido do trem. O maquinista olhou para mim estranho e disse: nenhum passageiro veio neste trem. Aliás, ninguém jamais retornou de Balelema nos longos anos em que trabalho nesta rota. Perguntou se eu estava bem. Balancei a cabeça afirmativamente e fui bater ponto no relógio na sala do senhor Amâncio. Na galeria de fotos da parede da sala, pendiam vários retratos espalhados de homens que trabalharam na ferrovia. Estava lá, soberbo, primeiro retrato na galeria dos mortos, o homem vestido de terno escuro, chapéu de abas largas, barbudo, cheirando a naftalina e flor de defunto.
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Andreia Donadon-Leal nasceu em 1973, na cidade de Itabira/MG. Radicou-se em Mariana/MG. Graduada em Letras, Especialista em Artes Plásticas, Arteterapeuta, Mestre em Literatura e Doutora em Educação (tese: Metodologia de ensino da Arteterapia Aldravista para idosos).. Adaptou algumas peças clássicas para aliar o teatro, a fala e a socialização de alunos.. Criou o projeto social: Natal sem Fome em Santa Bárbara, com apresentações semestrais de peças teatrais adaptadas, com campanhas de arrecadação de alimentos. Criadora da primeira forma de poesia brasileira, ALDRAVIA.. Responsável pela implementação do Laboratório de Linguagens Afetivas- LALIA, nas unidades prisionais e APACS do Estado de Minas Gerais. Proprietária da Casa de Arte Aldravista, espaço de artes, literatura e cultura, onde recebe alunos, professores, escritores, artistas e jornalistas.. Ministrou oficinas e palestras na Espanha, para alunos e educadores.. Venceu o concurso de Artes Plásticas contemporâneas na Espanha, França e Itália. Sua obra "TERRA EM LAMAS" foi selecionada para fazer parte do Patrimônio Artístico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Membro da Casa de Cultura - Academia Marianense de Letras. Dirigiu e supervisionou o livro de Restauro da Câmara Municipal e Casa de Cadeia de Mariana. Coordenou e idealizou a edição do box: Abra a História da gaveta do Patrimônio Imaterial de Mariana. Destacou a cidade de Mariana-MG em programas da globo: Fantástico, Terra de Minas, Jornal Nacional, Internacional, Jornal Hoje e Globo News. Organizou livros que colocam em destaque figuras femininas da cidade Mulheres cronistas e Contistas de Mariana-MG. Idealizou a Academia Marianense de Bordados (a primeira academia de Bordados do país). Membro benemérito da Academia Feminina Mineira de Letras, Embaixadora Universal da Paz do Círculo Universal da Paz - Genebra-Suíça, autora de 34 livros de poesia, ensaios, contos, crônicas e infantojuvenil.

Fontes:
Jornal Aldrava Cultural. http://www.jornalaldrava.com.br/

Carlos Drummond de Andrade (Viúva Loura)

– “Viúva, 21 anos…”

– Tadinha. A vida é isso.

– “Loura…”

– Melhorou.

– “Fazendeira, rica…”

– Epa, muda completamente de figura.

– “Pertencente a tradicional família mineira…”

– Corta essa!

– “Recém-chegada do interior…”

– Então, não custa sondar a barra.

– “Procura companhia masculina…”

– Ainda bem que é masculina. Tou às ordens.

– “Que seja jovem…”

– Você acha que 38 anos está na pauta?

– “Bem intencionado…”

– Nunca fui outra coisa na vida.

– “De fino trato…”

– Não é por me gabar, mas…

– “Conhecedor dos pontos pitorescos do Rio…”

– Que é que ela entende por pontos pitorescos? Eu prefiro pontos estratégicos.

– “Para passeios e …”

– Etc., lógico.

– “Futuro compromisso matrimonial…”

– Corta! Corta!

– É mesmo.

– Aliás, eu não tenho mais de 38. Tinha, semana passada.

– E rica… Rica de que? Talvez de predicados apenas.

– Poxa, até parece que você está querendo a viúva pro seu bico. Pera aí, mau- caráter.

– Eu? Vê lá se eu vou nessa onda de anúncio. Tou prevenindo pra você não se grilar. Viúva, mineira, loura… Se é mineira, não deve ser loura. Se é loura. É artificial. Se é artificial…

– Deixa a viuvinha ser loura e mineira, deixa.

– Olha, eu conheci uma loura que, além de outros negativos, era careca.

– Ora, peruca resolve.

– Sei não, mas tudo isso junto- mineira, viúva, loura, 21 anos, rica…

– Que é que tem?

– É exagero. Não precisava Ter tantas qualidades.

– Foi uma graça de Deus.

– Você não merece tanto.

– Será outra graça de Deus.

– Deus não deve ser assim tão desperdiçado com suas graças.

– Lá vem você querendo dar instruções ao Altíssimo. Perde essa mania.

– Bom, mas você não sabe que mineiro esconde milho até de monjolo?

– Continua.

– “Cartas com sigilo absoluto…”

– Evidente.

– “Indicações pessoais…”

– Minha ficha é mais limpa do que caixa d’água de edifício quanto o síndico vai ao terraço.

– “E fotos…”

– Arrgh! Só tenho 3×4, muito fajuta. Mas tiro de calção, frente, perfil e fundos.

– “Para a portaria desse jornal, sob n° 019 834.”

– Pera aí. Tou anotando. 019?

– 834.

– Legal. 834 é o número de meu edifício, 19 é pavão, que tem a perna dourada. Lê mais.

– Já li tudo, ué.

– Lê outra vez. Repete.

– Vai decorar?

– Vou gravar melhor na nuca, vou raciocinar em bloco, vou…

– Se habilitar, né?

– Correto.

– Calma, rapaz. Sabe lá que espécie de viúva é essa?

– Vou ver pra conferir.

– Pode nem ser viúva.

– E daí?

– Diz que tem 21 anos, mas quem garante que não é modéstia? Às vezes tem três vezes 21.

– Então você admite que ela é mineira.

– E que cria galinha sem ração, na base da parapsicologia?

– Também sou mineiro, uai.

– E nunca me confessou. Eu jurava que você fosse capixaba.

– Fui. Questão de limites, minha terra passou pra banda de cá. Não espalha, sim?

– Me tapeou esse tempo todo.

– Esquece.

– Vai ser dura a parada: mineira loura versus mineiro mascarado.

– Fica em família, né?

– A tradicional?

– As duas. Eu na minha, ela na dela.

– Agora sou eu que digo: tadinha.

– Por quê? Se ela botou anúncio, quer transar. Eu transo. No figurino.

– É verdade que tem muito carioca por aí, muito paulista, muito nortista, espiando maré. Talvez você chegue tarde.

– Duvido. Você sabe que nessas coisas sou meio Fittipaldi. Comigo é Fórmula-1.

– Mineiro contando prosa? Nunca vi isso.

– Bem, mineiro é capaz de contar prosa só pra esconder que é mineiro…

– Chega, amizade, você já ganhou a viuvinha com fazenda e tudo, podes crer!

Fontes:
Carlos Drummond de Andrade. Contos de aprendiz. Publicado originalmente em 1951.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Asas da Poesia * 60 *


Trova de
CELSO LUIZ FERNANDES CHAVES
Cambuci/RJ

De viver tenho prazer
no amor tenho muita sorte,
vivo para te querer
enquanto não vem a morte.
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Soneto de
EMÍLIO DE MENESES
Curitiba/PR, 1866 – 1918, Rio de Janeiro/RJ

Um músico barbudo

Tem a doença do som e a fatuidade
De pensar que todo ele, fibra a fibra,
É o sonoro instrumento em que só se há de
Vibrar o canto em que o universo vibra.

No seu queixo que pesa mais de libra,
E de pelos na escura densidade,
Pensa que o contraponto se equilibra
À harmonia da capilaridade.

Quando, às vezes, a crítica o abarba
Ele, acudindo ao exigente apelo,
Do ardor de um gênio musical se engarba.

De um filho de Isaú, a cara é o selo,
Pois nem o Padre Eterno tem mais barba,
Nem as onze mil virgens mais cabelo.
= = = = = = 

Trova de
LUIZ CLÁUDIO COSTA DA SILVA
Parnamirim/RN

A imponente arte conserva,
os traços e a singeleza
da bela deusa Minerva:
- musa da mãe natureza!
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Presidente AlvesSP, 1947 – 2025, Bauru/SP

À lágrima

Quando a esperança acorda um sonho leve
e o som da natureza se aprimora;
penumbras do passado vão embora
e o toque do relógio não se atreve...

Quando o aperto de mão à paz aflora
e a dúvida do amor torna-se breve;
o gelo da pintura vira neve
e o justo com justiça não demora...

Ressurgem as latentes pradarias;
os olhos não se enganam com a fala
e a liberdade enfim mais aparece.

Tertúlias fraternais noites e dias
lapidam o poeta que se exala
e à lágrima fervente desfalece!
= = = = = = 

Trova de
MERCEDES LISBÔA SUTILO
Santos/SP

Trova – apenas quatro versos
traduzem a  vida, a fundo,
do homem em seus universos
- poesia que abraça o mundo!
= = = = = = 

Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Dedicatória

A pomba d'aliança o voo espraia
Na superfície azul do mar imenso,
Rente... rente da espuma já desmaia
Medindo a curva do horizonte extenso...
Mas um disco se avista ao longe... A praia
Rasga nitente o nevoeiro denso!...
Ó pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!
Ninho amigo da pomba forasteira! ...

Assim, meu pobre livro as asas larga
Neste oceano sem fim, sombrio, eterno...
O mar atira-lhe a saliva amarga,
O céu lhe atira o temporal de inverno. . .
O triste verga à tão pesada carga!
Quem abre ao triste um coração paterno?...
É tão bom ter por árvore — uns carinhos!
É tão bom de uns afetos — fazer ninhos!

Pobre órfão! Vagando nos espaços
Embalde às solidões mandas um grito!
Que importa? De uma cruz ao longe os braços
Vejo abrirem-se ao mísero precito...
Os túmulos dos teus dão-te regaços!
Ama-te a sombra do salgueiro aflito...
Vai, pois, meu livro! e como louro agreste
Traz-me no bico um ramo de... cipreste!
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Quadra Popular
AUTOR ANÔNIMO

O meu amor me disse ontem
que eu andava coradinha;
os anjos do Céu me levem
se esta cor não era minha!
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Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Sem recato

Chegaste desprovida de recato
Trazendo teus sussurros em oferta
Minh'alma revelada, descoberta
Celebra, degustando fino prato

Da cela dos sorrisos deste vate
Garbosa e sedutora abriste a porta
Outrora esmaecidos, tela morta
Fizeste dos sonhares o resgate

Em mim, nas remotíssimas paragens
Despontam as recônditas imagens
Pedindo teu carinho, esse pincel

Na face tens deveras duas luzes
Guiando lindas mãos com que produzes
Um mundo refulgente, meu laurel
= = = = = = 

Trova de
GERALDO LYRA
Recife/PE

Como simples jangadeiro,
  no mar das paixões da vida
  vou ficando sem roteiro,
  numa jangada perdida...
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Folclore Brasileiro em Versos
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Saci Pererê

No bosque escuro, um riso a ecoar,
um pé só dança, travesso, à espreita,
Saci, travador de rimas a brincar,
com seu gorro vermelho em meio à colheita.

Nos ventos que sopram, seus truques ecoam,
leva com ele o medo, o riso a flutuar.
Atrás da moita seus rastros enevoam,
sua lenda vive sempre a nos provocar.

Mas não é só travessa a sua essência,
guardião das matas, do fogo a grelha,
ensina ao homem a ter paciência,

que no simples ato, a vida é uma bem-querença.
Em cada folguedo, uma nova centelha,
no coração do povo, sua presença.
= = = = = = 

Trova de
ANTÔNIO TORTATO
Curitiba/PR, 1934 – 1992, Paranacity/PR

Como a sombra, o falso amigo
reza na mesma cartilha.
Ambos caminham contigo
somente enquanto o sol brilha.
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Soneto de 
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal

Música divina

É música divina o chilrear,
De uma ave que voa, solta ao vento!
É música divina, doce alento…
Se alguém nos diz baixinho: eu vou te amar!

É música divina o sussurrar,
Que o mar provoca em cada movimento.
Divina melodia, o açoitamento;
Que a onda nos difunde, ao se espraiar!

É música divina, quando o amor,
É cântico divino, sedutor;
Lembrando Pierrot e Columbina!

Até o próprio vento em noite escura,
Sibilando estridente na lonjura…
Nada mais é, que música divina!
= = = = = = 

Trova de
FERNANDO CÂNCIO
Fortaleza/CE, 1922 – 2013

O morro grita o seu nome
num frenesi sem igual
e vai sambando com fome
a deusa do carnaval!
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Soneto de 
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Pedido

Peço aos irmãos, aos filhos e aos amigos,
que, quando a morte venha me levar,
não coloquem meu corpo nos abrigos
cimentados, gelados e sem ar!

E nem me ponham em belos jazigos! 
Nesses lugares, eu não quero estar!
Tristeza e solidão são os perigos.
Minha alma quer seguir a navegar!

Por isso eu peço a quem me queira bem,
leve meu corpo longe ... até o mar!
Onde haja céu! Onde vente também!

Nesse lugar azul só de beleza,
lancem ao mar o que de mim restar,
quero ser parte dessa natureza!
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Sou triste como a tesoura
que corta a negra mortalha,
ou da cova a dura terra
que sobre o morto se espalha.
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Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Metades 

Opostos em transe
circulam na mente
buscando um quê,

reflexões de um carente burguês. 
Em vielas secretas, são espelhos 
indefesos em invólucro de buquê.
Sutis maramos de múltiplos tons,
âmagos dispersos na nula psiquê.
= = = = = = 

Trova de 
ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

Gonçalves Dias, teu verso
das terras do Maranhão
aos píncaros do Universo,
prega ao mundo a comunhão!
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Súplica

Aves! Cantai por mim que não possuo lira!
Vós sois como os poetas, livres e inspiradas...
Onde existis, cantais alegres, descansadas,
como a dizer que a vida enleva, encanta e inspira...

Eu não nasci com estro, ó donas da safira!
Jamais foi meu o dom das palavras rimadas,
no peito meu as mágoas sempre estão caladas,
apenas sei chorar! E o pranto já se expira...

Clamor de desespero é só o que eu poderia
arrancar de meu peito. E nunca uma poesia!
Oh! menestréis dos céus, ouvi o que vos clamo!

Ide bem alto, alto, e lá no céu profundo
ao Criador dizei que eu peço neste mundo,
amor, somente o amor do alguém a quem eu amo!
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Como é bom saber que o filho 
vida afora alegre vai, 
dando forma, força e brilho 
aos sonhos do velho pai!
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Poema de
JOSÉ LEZAMA LIMA
Campamento de Columbia/Cuba, 1910 – 1976

Ah, que você escape

Ah, que você escape no instante
em que tenha alcançado sua melhor definição.
Ah, minha amiga, não queira acreditar
nas perguntas dessa estrela recém-cortada,
que vai molhando suas pontas em outra estrela inimiga.
Ah, se fosse certo que, à hora do banho,
quando, em uma mesma água discursiva,
se banham a imóvel paisagem e os animais mais finos:
antílopes, serpentes de passos breves, de passos evaporados,
parecem entre sonhos, sem ânsias levantar
os mais extensos cabelos e a água mais recordada.
Ah, minha amiga, se no puro mármore das despedidas
tivesses deixado a estátua que poderia nos acompanhar,
pois o vento, o vento gracioso,
se estende como um gato para deixar-se definir.

(Trad. Claudio Daniel)
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Trova de
SELMA PATTI SPINELLI
São Paulo/SP

Quando a paixão acontece
de uma forma alucinada,
qualquer esquina parece
uma grande encruzilhada.
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Poema de
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

Na janela
"Tuas faces são graciosas
entre os brincos."(Ct. 1.10)

Formosa e atraente naquela janela,
Perfumes de amor exalavas, sem fim;
De novo, da esquina, em belíssima tela,
Quisera rever o que vive por mim.

Daquela sombria e apática esquina,
Eu vi a velha casa espargindo jasmim;
O rosto de encantos de meiga menina
De amor acendeu-se - brilhava pra mim.

De longe te vi, lá naquela janela,
Meu ser, por inteiro, vibrou de alegria;
De ver tanto amor na tua face tão bela,
Senti que feliz eu contigo seria.

Assim, ao te ver, calorosa quão linda,
Não pude conter da emoção o pulsar;
Correndo apressado, queria eu, ainda,
No fogo do teu coração me abrasar.

Na sala adentrei-me, onde estavas sorrindo,
Teus olhos brilhavam com grande emoção;
– Macios cabelos!.. Que rosto tão lindo!...
Beijando abracei-te com muita paixão.
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Trova de
JOSÉ LUCAS DE BARROS
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

Fui rever meu chão de outrora,
mas a saudade era brava:
meus olhos sorriam fora;
dentro o coração chorava!
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Poema de 
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964

Dois cravos roxos

Esta noite, quando, lá fora,
campanários tontos bateram
doze vezes o apelo da hora,
na minha jarra, onde a água chora,
meus dois cravos roxos morreram...
Meus dois cravos roxos morreram!
Meus dois cravos roxos defuntos,
são como beijos que sofreram,
como beijos que enlouqueceram
porque nunca vibraram juntos...
São como a sombra dolorida
de olhos tristes, que se perderam
nas extremidades da vida...
Oh! miséria da despedida...
Meus dois cravos roxos morreram...
Meus dois cravos roxos morreram!
Meus dois cravos roxos, fanados,
crepuscularam, faleceram,
como sonhos que se esqueceram,
alta noite, de olhos fechados...

Eu pensava numa criatura,
quando os campanários bateram...
Tudo agora se me afigura
irremediável desventura...
Irremediável desventura!
Meus dois cravos roxos morreram...
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Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Quando a lágrima do olhar
beijar o sol num Adeus,
um arco-íris vai brilhar
entre os meus olhos e os teus!
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Hinos de Cidades Brasileiras
ARAPOTI/PR

Verde planalto de belezas mil.
És o recanto feliz do meu Brasil.
Orgulho dos filhos teus.
Terra mais rica não há.
Arapoti! Arapoti!
Celeiro natural do meu Paraná.

Rio das Cinzas imponente majestoso.
A cingir qual diadema este solo generoso.
E a ponte sulfurosa presente da natureza.
A mostrar qual venturosa esta terra de riqueza.

Em cada passo em direção ao progresso.
Consolida a esperança de um grandioso sucesso.
Nasceste de um braço forte de herói desbravador.
É o milagre do norte, terra de luz e esplendor.
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Trova de
ALFREDO ALISSON VALADARES
Sete Lagoas/MG

Cai a velha na lagoa
sendo a custo resgatada,
mas seu genro não perdoa:
– tanto barulho por nada?!!!
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Soneto de 
LAÉRCIO BORSATO
Poços de Caldas/MG

A moça e a rosa

Numa manhã de sol, na rosa entreaberta,
As pétalas luziam com as gotas de orvalho.
Ao longe um carrilhão repetia a hora certa.
Muita gente agitada corria pro trabalho.

Ali embevecido, o rapaz se põe alerta!
Uma janela abriu e na fresta de um galho,
Viu a moça surgir toda risonha, liberta;
Estendeu ao sol, uma colcha de retalho...

Fez na manhã seguinte, o mesmo itinerário...
A rosa toda se abrira. No campanário,
Repetia-se as batidas da manhã anterior...

Ele novamente ali! Voltou pra ver a rosa!...
Ou quem sabe, a moça faceira e formosa,
De farto sorriso e os olhos cheios de amor!...
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Trova de
RITA MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Retida além do horizonte
onde a razão se esvazia,
dos sonhos ergo uma ponte
e prossigo a travessia.
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Recordando Velhas Canções
IDEIAS ERRADAS 
(samba, 1959) 

Não faça ideias erradas de mim
Só porque eu quero você tanto assim
Eu gosto de você mas não esqueço
De tudo quanto valho e mereço.

Não pense que se você me deixar
A dor será capaz de me matar
De um verdadeiro amor não se aproveita
E não se faz senão aquilo que merece
Depois ele se vai, a gente aceita
A gente bebe, a gente chora, mas esquece.
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Trova de
LUCÍLIA  A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

Foste brisa mansa, leve
e um vendaval, na paixão...
Deixaste, pós vida breve,
as marcas de um furacão!
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