Feliz Aniversário
Clarice Lispector
Postada à cabeceira da mesa, a senhora, que completa 89 anos, assiste a chegada de seus filhos e noras. Um a um vão sentando-se ao redor da mesa para a comemoração. A velha senhora, ressentida com a fraqueza de seus filhos, reflete na razão pela qual “os frutos foram tão diferentes árvore que os engendrou”. O único que lhe dá prazer é Rodrigo, neto de sete anos, de rosto viril e corajoso.
Depois de cantarem “Feliz Aniversário”, aumenta a indignação da aniversariante, que cospe ao lado da mesa, afrontando a todos, depois do que pede um copo de vinho, servido com ressalvas pela nora Dorothy: “Vovozinha, não vai lhe fazer mal?” - “Que vovozinha que nada! Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Explode a aniversariante.”
À hora das despedidas, a nora mais nova, Cordélia, olha uma última vez para a sogra, sentada à cabeceira: “o punho mudo e severo, fechado sobre a mesa, dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.”
Superado o momento das despedidas, resta a velha, “erecta, definitiva”, à cabeceira da mesa. “A morte era seu mistério”.
O caráter epifânico é uma das marcas registradas de Clarice Lispector. Em todos os seus relatos, os personagens vivenciam experiências que os despertam para determinadas verdades como que encobertas por um véu de mediocridade. A situação vivenciada por Dorothy em uma fração de segundo teve esse caráter. A atitude após a descoberta é que permanece uma incógnita.
Desvendando toda a hipocrisia que permeia as relações familiares, a autora também põe em relevo a situação na qual se encontra a aniversariante. Praticamente abandonada por todos os filhos, que reúnem-se em sua casa a cada aniversário, vivendo com Zilda, a filha solteira, espera a morte, inconformada com este tratamento.
Clínica de Repouso
Dalton Trevisan
Maria mora com a mãe, dona Candinha, que começa a implicar com a presença de um hóspede: João. Ao descobrir os dois aos beijos no sofá, e sendo informada que João é noivo da filha, pressiona a filha para mandá-lo embora. Assustado com a situação, João vai-se embora, e as brigas entre mãe e filha põem dona Candinha doente. Sob os cuidados da filha, sente-se bem, mas continua de cama, gostando do tratamento que está recebendo.
Com o passar dos dias, Maria decide internar a mãe no Asilo Nossa Sra. da Luz, entre doidos, epiléticos e alcoólatras, no qual um sistema de alto-falantes (o dr. Alô) ameaça com choques e injeções na espinha a quem reclamar. “D. Candinha sustentava-se a chá de mate e biscoito duro”.
Ressentida com o tratamento que a filha que criara lhe devota, a velha, internada no asilo, vê os dias passarem tratando uma mosca grande que, afeiçoada a ela, vem alimentar-se sobre sua mão.
Daton Trevisan consegue captar o poético a partir de textos extremamente objetivos. Dona Candinha, abandonada pela filha, encontra consolo em uma última companheira: a mosca. É importante perceber que a atmosfera construída pelo autor resgata o lirismo a partir de um final absolutamente insólito.
Os Músculos.
Ignácio de Loyola Brandão
(...) os fatos
Em uma manhã de domingo, ao passar o rastelo pelo terreno reduzido de sua horta de 4 metros quadrados, Danilo depara com um arame de fio de aço inoxidável entranhado na terra. Surpreso, escava e não encontra a origem da estranha “planta”. Aos poucos o arame cresce e toma conta de toda a horta, e a plantação de arame produz o suficiente para cercar casas, cidades e o país.
Acossado por acusações de vizinhos, perseguido por processos movidos por grandes casas do ramo, que o acusam de não recolher impostos pela produção de arame, que continua a crescer em seu quintal, o homem abre uma brecha por entre a floresta de arame buscando refúgio. Ninguém teria coragem de penetrar ali para buscá-lo, e ele se dá conta que os reflexos do sol reluzindo sobre os fios de arame formam desenhos inusitados; o vento soprando, produz sons agradáveis, agradáveis o suficiente para embalá-lo.
Sob o jugo da vida na cidade, os personagens das obras de Inácio de Loyola Brandão sujeitam-se ao isolamento que esta vida lhes impõem. Entretanto, no auge do desespero, surge uma saída: adentrar à “floresta de arame”, e tentar discernir o belo mesmo naquelas condições. Apercebendo-se dos desenhos e da música que o sol e o vento produzem, o personagem também encontra um refúgio para a vida opressiva que lhe é imposta.
Guardador
João Antônio
Jacarandá tenta ganhar a vida como guardador de carros. Mora (ou se esconde) no oco do tronco de uma árvore. Às vezes, bebendo, começa a pensar sobre os tipos de pessoas que dão esmola. São três: o primeiro - uns poucos - dá por entender o “misere”; o segundo, para ver-se livre do pedinte; o terceiro tipo, “otários de classe média”, dá esmola para não parecer “duro” - “Para eles, não ter cai mal”.
Domingo, saída de missa , ele pensa nos dois tipos de piedade: o de dentro e o de fora da igreja; “por quê resistem ao pagamento da gorjeta?”.
Volta e meia Jacarandá é preso. Umas duas semanas de cadeia, desintoxicado, volta ao trabalho. Agora é outro. Movimentos rápidos, o corpo magro, lembra o corpo do jovem passista que ele foi.. Mas não passa-se uma semana e ele volta à cachaça.
Certa noite, “um bacana enternado, banhado de novo” lhe estende uma moeda. Altaneiro no seu porre, Jacarandá recusa: “trabalho com dinheiro; com esse produto não, doutor.” O carro sai cantando pneus, “Xará, eu ganho mais que ele. É que não saio do botequim”.
Dedicando-se ao submundo daqueles que não têm nenhuma perspectiva, João Antônio desvenda a personalidade de uma figura deste ambiente. Jacarandá, o bêbado guardador de carros, consegue perceber as razões pelas quais os que lhe dão gorjetas o fazem. Não há espaço para ilusões neste mundo, mas o personagem principal encontra uma maneira de rebelar-se: o tratamento que dirige ao motorista nos sugere um homem que, mesmo em situação crítica, procura manter a dignidade.
Há que se perceber também o trabalho de linguagem. A gíria do guardador é utilizada ao longo do texto, em expressões como “uca, pé-de-cana, muquiras, chué”, que sugerem uma distância intransponível entre o guardador e aqueles a quem cobra seus serviços.
A Máquina Extraviada
José J. Veiga
Mandando notícias do sertão para seu compadre, o narrador fala do último grande acontecimento: a chegada de uma máquina descarregada defronte à Prefeitura.
Depois de montada, “a máquina ficou ao relento, sem que ninguém soubesse quem a encomendara nem para que servia”. As crianças, aos poucos, começam a brincar na máquina, tiram o encerado que a cobre, e pulam entre suas engrenagens.
Apesar de estar na cidade há tempos, a máquina continua causando sensação. Não há quem passe sem olhá-la; até mesmo as velhinhas que saem da igreja, ao passar pela máquina, fazem uma curvatura reverente.
Ninguém sabe quem a comprou, mas o prefeito designou um funcionário da prefeitura para zelar pela máquina. Ela tornou-se o orgulho da cidade. O antigo coreto, no qual realizavam-se as festividades foi abandonado. As festas são realizadas defronte à máquina, que ocupa cada vez um espaço maior na vida da cidade.
O único acidente ocorreu com um jovem bêbado, que, ao sair de uma serenata, decidiu dormir no alto da máquina. Rolou lá de cima, e com a queda, acionou algumas engrenagens que “comeram” sua perna. Hoje ele ajuda a zelar pelas partes baixas da máquina.
“Minha maior preocupação é alguém chegar aqui e dizer para que serve a máquina. Ao fazê-la funcionar, quebrar-se-á o encanto, e não existirá mais máquina”.
Traço importante deste conto é a ambientação em um contexto rural, no qual a máquina surge como elemento estranho aos poucos absorvido. José J. Veiga utiliza o episódio de forma a ilustrar a capacidade de o homem aceitar o estranho e respeitá-lo, enquanto estranho. Por isso, a explicação da serventia da máquina faria com que esta perdesse a magia capaz de suscitar o respeito.
A Caçada
Lygia Fagundes Telles
Em uma loja de antiguidades, um homem encontra uma grande tapeçaria, suspensa sobre a parede. Admirado, tenta lembrar-se de onde, ou em que tempo, já havia assistido àquela cena: um caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa; outro caçador, este uma figura mais apagada, também espreitava a caça. “Teria sido uma personagem da tapeçaria? Mas qual? O caçador em primeiro plano? O outro?”
Tão viva é a gravura, que ele pressente o arquejar da caça escondida. Talvez tivesse sido o pintor da tapeçaria, “mas se detesto caçadas! Por quê tenho de estar aí dentro?”
Saindo da loja, a imagem não desaparece. Ao dormir, sonha com a tapeçaria, ele entrelaçado à paisagem. Apalpa o rosto, procurando a barba do primeiro caçador, mas ao invés disso, sente a viscosidade do sangue, e acorda com um grito.
Na manhã seguinte, volta à loja. Ao defrontar-se com a tapeçaria, vê a loja sumindo e a tapeçaria se alastrando pelo chão, até tomá-lo por inteiro. Agora estava dentro da tapeçaria. Era importante correr. Era a caça? O caçador? “Gritou e mergulhou em uma touceira. Ouviu o assovio da seta varando a folhagem, a dor! “Não ... - gemeu de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração”.
Lygia Fagundes Teles é uma contista que prima por trabalhar o aspecto psicológico em suas obras. A angústia do personagem criado pela autora pode ser interpretada como a angústia despertada pela busca de si mesmo, processo que pode fazer com que o homem passe da situação de caça à de caçador em um instante.
Luz sob a porta
Luiz Vilela
Nélson está com alguns amigos bebendo chopp em uma festa. Preocupado com as horas, decide ir-se. É o aniversário de sua mãe e já são onze e vinte.
É com muita dificuldade que à consegue desvencilhar-se dos amigos, e ao chegar a casa de sua mãe já são cinco para a meia-noite. “Havia luz sob a porta, ela estava esperando-o”.
A recepção é triste. A mãe reclama da idade e do esquecimento a que foi relegada. Fala-lhe do medo que tinha que ele não viesse.
Desculpando-se por não haver trazido um presente, Nélson consola a mãe que chora.
Todo o conto é desenvolvido através de diálogos. A economia do autor é expressa de forma a criar situações nas quais o diálogo seja suficiente para evocar o almejado. Assim, à futilidade dos diálogos entre os amigos do bar ( “Imaginem só: me deu a maior cantada!” - Kafka? Estou lendo. O processo.”) sobrepõe-se a densidade do diálogo entre mãe e filho ( “Quer dizer que a senhora passou o dia sozinha?” - “Passei, mas não teve importância; arrumei uma costurinha pra fazer.”).
Ao mesmo tempo que explicita a dramaticidade do relato, esta estratégia também coloca o trabalho com a linguagem em um plano privilegiado.
A Moça Tecelã
Marina Colasanti
A cada amanhecer, a moça, com seu tear, passava os dias tecendo. “Linha clara para começar o dia.(...) Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava”.
Com o passar do tempo, sentindo-se sozinha, pensa que seria bom ter um marido a seu lado. “Com capricho de quem tenta uma coisa desconhecida” ela vai tecendo sua companhia. Ao fim do trabalho, batem a sua porta: “Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida”.
Aos poucos, a moça vai tecendo a casa, que não basta ao marido. Ele agora quer um palácio, que toma meses de trabalho da tecelã. Na torre mais alta deste palácio fica a moça trabalhando, e com o passar do tempo, sente-se sozinha, tecendo as riquezas que o marido exige.
Uma noite, enquanto o marido dorme, ela levanta-se e desmancha todo o tapete, tornando a sua solidão.
Note-se que a autora coloca nas mãos da moça tecelã o poder de começar e romper a relação. É ela que “tece” o marido e engendra o meio familiar. Mas também é ela que “tece a própria solidão”. Tendo o universo feminino como fonte, Marina Colasanti desvela a alma da mulher que prefere, a uma relação que a subjuga, a antiga solidão.
No retiro da Figueira
Moacyr Scliar
Angustiada com a violência da cidade, uma família recebe pelo correio o prospecto de um condomínio fechado chamado Retiro da Figueira, “um dos últimos lugares onde você pode ouvir um bem-te-vi cantar”.
Holofotes, cerca eletrificada, vigilantes, sistema de alarmes, tudo remetia à idéia de segurança absoluta. A família mudou-se, e uma das primeiras exigências do chefe dos vigilantes foi uma lista de parentes e amigos dos moradores, “questão de segurança, para qualquer emergência”.
Uma segunda-feira, soa a sirene de emergência, e todos reúnem-se no salão de festas, onde são informados que a fuga de alguns presidiários impossibilitará a saída dos moradores do condomínio; “questão de segurança” informa-lhes o chefe dos vigilantes.
Quatro dias depois, o condomínio cercado, desce um jatinho no aeroporto do condomínio e uma mala cheia de dinheiro é entregue ao chefe de segurança, que decola com o dinheiro, acompanhado de sua equipe. “Nunca mais vimos o chefe e seus homens, mas estou certo que estão gozando o dinheiro pago por nosso resgate”.
O isolamento a que se sujeita o homem que se cerca é tratado ironicamente pelo autor gaúcho. As cercas que tornam o espaço seguro, também distanciam o homem, e o absurdo da situação torna ainda mais cômico um final inesperado: aqueles responsáveis pela segurança tornam-se os algozes dos que preferiram o ambiente cercado.
Botão-de Rosa
Murilo Rubião
Numa segunda-feira de março, todas as mulheres da cidade amanhecem grávidas, e o músico Botão-de-Rosa é acusado. Ouve a chegada da multidão: “vinham pegá-lo”. Ao sair à janela para deixar clara sua intenção de entregar-se é apedrejado.
Escoltado, segue até a prisão onde José Inácio é designado seu defensor. Todo o processo, repleto de falhas é analisado, e a resignação do acusado, negando-se a declarar sua inocência, colocam o advogado em uma situação delicada.
À acusação de sevícia, soma-se a de tráfico de entorpecentes, e Botão-de-Rosa continua impassível, enquanto José Inácio, pressionado pelo povo da cidade, tem uma atuação medíocre na defesa, o que colabora para a sentença de morte do acusado.
A produção de Murilo Rubião caracteriza-se pela exploração de um recurso desenvolvido por diversos autores latino-americanos: o Realismo-Mágico. Botão-de-Rosa abre mão da oportunidade de defender-se por saber-se condenado de antemão. Sua situação marginal (músico em uma cidade pequena) é que sofre a condenação.
A atitude adotada pelo advogado José Inácio cristaliza esta situação. Sua atuação é medíocre por que entre indispor-se com as autoridades comprometendo seu futuro e permitir a condenação do músico, escolhe a segunda alternativa.
Noivado
Osman Lins
Giselda e Mendonça conversam sobre as perspectivas deste último, que está prestes a aposentar-se de seu trabalho na repartição pública. Namorados há vinte e oito anos, Giselda já habituou-se a manter nas malas seu enxoval, enquanto recebe periodicamente a visita dos antigos “Mendonça”. Seu preferido é o Mendonça sensível, aos dezessete anos, muito diferente daquele aos trinta e nove anos que abriu mão dos sonhos para mergulhar em uma vida medíocre de funcionário público.
Conversando com o noivo sob o olhar silencioso dos dois outros “Mendonça”, a noiva comenta, em tom de despedida: “um homem, para ser saqueado, precisa abrir as portas”, referindo-se à entrega do amante à vida de burocrata.
“Passa por mim, com seu barulho de correntes arrastadas, de arame farpado rasgando couro de bois.”
Noivado é trabalhado de forma que possamos perceber as três perspectivas: a do noivo, da noiva, e dos momentos a dois. Esta diversidade de focos narrativos faz com que saibamos o que se passa com cada um dos interlocutores, e é uma maneira que nos coloca imersos no relato, como parte atuante.
Giselda sabe que o afastamento entre ela e o noivo ocorreu há muito tempo atrás, e todo o questionamento a que se propõe Mendonça é incapaz de resgatar o homem que já existiu onde hoje há um funcionário público.
Circuito Fechado
Ricardo Ramos
Circuito Fechado - 1 -
Trabalhando exclusivamente com substantivos (Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água.) Ricardo Ramos foca o despertar do homem no ambiente urbano completamente tomado pela rotina. Preso ao relógio, este homem não consegue romper o circuito, que fecha-se com a volta aos chinelos: (Chinelo. Coberta, cama travesseiro.)
Circuito Fechado - 2 -
Fechado em sua “memória intermediária” (“não a de muito longe, nem a de ontem”), o personagem sente o desbotar que ocorre com o passar dos anos refletido no retrato. Vem dessa memória intermediária a sensação de perda. “Os dias, não as noites, são o que mais ficou perdido”.)
Circuito Fechado - 3 -
Em um monólogo apressado, no qual inferimos respostas monossilábicas de diversos interlocutores, o autor expõe o isolamento ao qual o personagem vai se sujeitando, na medida que aumenta sua insensibilidade.
Tudo nos sugere uma distância intransponível, e os diálogos impessoais mantidos com secretárias e atendentes, repete-se com a esposa: “Vamos dormir? É, leia que é bom. Ainda agosto e esse calor. Me acorde cedo amanhã, viu?”.
Circuito Fechado - 4 -
Tematizando o sentimento de posse (“Ter, haver”) o autor demonstra como este sentimento de posse apropria-se do personagem, e como este, objeto dessa sensação, torna-se incapaz de fugir ao círculo vicioso. “Uma prisão que segura” e ao mesmo tempo evoca as diversas lembranças de infância, na qual não havia este tipo de preocupação.
Circuito Fechado - 5 -
Retornando à rotina evocada em Circuito Fechado - 1 - , o autor condensa o sentimento de impotência expresso nos outros episódios. Perceba-se o caráter pessimista desde o começo do texto, iniciado com uma negativa, “Não. Não foi o belo” .
Aos poucos, aprofundando-se em muitas outras negativas, o texto nos suscita a sensação da perda absoluta de concretude, de inversão total de valores, culminando com a constatação do erro de avaliação na inversão desses valores: “Não foi sempre, nem faltou, foi mais às vezes. Não foi o que, foi como e onde, e quando. Não, não foi.
Composição II
Sérgio Sant’Anna
Uma Sala.
Descrevendo a sala (paredes, mesa, sofá, gramofone e televisão, na qual a imagem de uma moça anunciando uma televisão idêntica repete-se infinitamente), um homem albino sentado na sala em posição de ioga segura uma guitarra elétrica, “apontada para o observador como se fosse uma metralhadora (...) mas da ponta da metralhadora - ou guitarra - saem balas de confeitaria e escorre, fracamente, um líquido amarelado”.
Duas mãos rompem o papel celofane que envolve toda a cena, retirando um disco e colocando-o em um toca-discos em uma outra sala, nova e bem organizada. “Desliga-se a televisão e apaga-se a luz”. E ouve-se a letra da canção: “Estou farto de tudo e vou tomar o ônibus vinte e sete e viajar para outra galáxia”.
Como uma cena, o universo do artista impassível é maculado pela mão que rompe o celofane para ouvir a música do disco. É importante perceber os dois ambientes (uma sala desarrumada coberta por papel celofane na qual o guitarrista medita e a outra, extremamente organizada na qual o disco será reproduzido),como que ilustrando dois ambientes diversos e incomunicáveis.
Nunca é Tarde, Sempre é Tarde
Sílvio Fiorani
Su acorda-se e maquia-se para o trabalho. Olha-se apressadamente no espelho, não se preocupando com beleza, “Beleza é pra fim de semana”. Ao colocar a mão na maçaneta, ouve o ruído da campainha de seu relógio Westclox, “e se deu conta de que sequer havia-se levantado. Tudo por fazer”. Repete os mesmos gestos mecanicamente, e a situação torna a acontecer: novo despertar com a campainha do relógio. Decide apelar para a mãe que, “envolta pelos vapores da cozinha”, promete à filha acordá-la.
Submetida à rotina que torna todos seus gestos automáticos, Su necessita de alguém que a desperte. É importante perceber que o auxílio de outra pessoa é necessário para “acordar” a personagem de um sonho que teima em acontecer e que a desgasta.
Fonte:
http://www.pvsinos.com.br/jornal/edicao99_1/ed99_1_contos_br_contemporaneos.htm
Clarice Lispector
Postada à cabeceira da mesa, a senhora, que completa 89 anos, assiste a chegada de seus filhos e noras. Um a um vão sentando-se ao redor da mesa para a comemoração. A velha senhora, ressentida com a fraqueza de seus filhos, reflete na razão pela qual “os frutos foram tão diferentes árvore que os engendrou”. O único que lhe dá prazer é Rodrigo, neto de sete anos, de rosto viril e corajoso.
Depois de cantarem “Feliz Aniversário”, aumenta a indignação da aniversariante, que cospe ao lado da mesa, afrontando a todos, depois do que pede um copo de vinho, servido com ressalvas pela nora Dorothy: “Vovozinha, não vai lhe fazer mal?” - “Que vovozinha que nada! Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! Explode a aniversariante.”
À hora das despedidas, a nora mais nova, Cordélia, olha uma última vez para a sogra, sentada à cabeceira: “o punho mudo e severo, fechado sobre a mesa, dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.”
Superado o momento das despedidas, resta a velha, “erecta, definitiva”, à cabeceira da mesa. “A morte era seu mistério”.
O caráter epifânico é uma das marcas registradas de Clarice Lispector. Em todos os seus relatos, os personagens vivenciam experiências que os despertam para determinadas verdades como que encobertas por um véu de mediocridade. A situação vivenciada por Dorothy em uma fração de segundo teve esse caráter. A atitude após a descoberta é que permanece uma incógnita.
Desvendando toda a hipocrisia que permeia as relações familiares, a autora também põe em relevo a situação na qual se encontra a aniversariante. Praticamente abandonada por todos os filhos, que reúnem-se em sua casa a cada aniversário, vivendo com Zilda, a filha solteira, espera a morte, inconformada com este tratamento.
Clínica de Repouso
Dalton Trevisan
Maria mora com a mãe, dona Candinha, que começa a implicar com a presença de um hóspede: João. Ao descobrir os dois aos beijos no sofá, e sendo informada que João é noivo da filha, pressiona a filha para mandá-lo embora. Assustado com a situação, João vai-se embora, e as brigas entre mãe e filha põem dona Candinha doente. Sob os cuidados da filha, sente-se bem, mas continua de cama, gostando do tratamento que está recebendo.
Com o passar dos dias, Maria decide internar a mãe no Asilo Nossa Sra. da Luz, entre doidos, epiléticos e alcoólatras, no qual um sistema de alto-falantes (o dr. Alô) ameaça com choques e injeções na espinha a quem reclamar. “D. Candinha sustentava-se a chá de mate e biscoito duro”.
Ressentida com o tratamento que a filha que criara lhe devota, a velha, internada no asilo, vê os dias passarem tratando uma mosca grande que, afeiçoada a ela, vem alimentar-se sobre sua mão.
Daton Trevisan consegue captar o poético a partir de textos extremamente objetivos. Dona Candinha, abandonada pela filha, encontra consolo em uma última companheira: a mosca. É importante perceber que a atmosfera construída pelo autor resgata o lirismo a partir de um final absolutamente insólito.
Os Músculos.
Ignácio de Loyola Brandão
(...) os fatos
Em uma manhã de domingo, ao passar o rastelo pelo terreno reduzido de sua horta de 4 metros quadrados, Danilo depara com um arame de fio de aço inoxidável entranhado na terra. Surpreso, escava e não encontra a origem da estranha “planta”. Aos poucos o arame cresce e toma conta de toda a horta, e a plantação de arame produz o suficiente para cercar casas, cidades e o país.
Acossado por acusações de vizinhos, perseguido por processos movidos por grandes casas do ramo, que o acusam de não recolher impostos pela produção de arame, que continua a crescer em seu quintal, o homem abre uma brecha por entre a floresta de arame buscando refúgio. Ninguém teria coragem de penetrar ali para buscá-lo, e ele se dá conta que os reflexos do sol reluzindo sobre os fios de arame formam desenhos inusitados; o vento soprando, produz sons agradáveis, agradáveis o suficiente para embalá-lo.
Sob o jugo da vida na cidade, os personagens das obras de Inácio de Loyola Brandão sujeitam-se ao isolamento que esta vida lhes impõem. Entretanto, no auge do desespero, surge uma saída: adentrar à “floresta de arame”, e tentar discernir o belo mesmo naquelas condições. Apercebendo-se dos desenhos e da música que o sol e o vento produzem, o personagem também encontra um refúgio para a vida opressiva que lhe é imposta.
Guardador
João Antônio
Jacarandá tenta ganhar a vida como guardador de carros. Mora (ou se esconde) no oco do tronco de uma árvore. Às vezes, bebendo, começa a pensar sobre os tipos de pessoas que dão esmola. São três: o primeiro - uns poucos - dá por entender o “misere”; o segundo, para ver-se livre do pedinte; o terceiro tipo, “otários de classe média”, dá esmola para não parecer “duro” - “Para eles, não ter cai mal”.
Domingo, saída de missa , ele pensa nos dois tipos de piedade: o de dentro e o de fora da igreja; “por quê resistem ao pagamento da gorjeta?”.
Volta e meia Jacarandá é preso. Umas duas semanas de cadeia, desintoxicado, volta ao trabalho. Agora é outro. Movimentos rápidos, o corpo magro, lembra o corpo do jovem passista que ele foi.. Mas não passa-se uma semana e ele volta à cachaça.
Certa noite, “um bacana enternado, banhado de novo” lhe estende uma moeda. Altaneiro no seu porre, Jacarandá recusa: “trabalho com dinheiro; com esse produto não, doutor.” O carro sai cantando pneus, “Xará, eu ganho mais que ele. É que não saio do botequim”.
Dedicando-se ao submundo daqueles que não têm nenhuma perspectiva, João Antônio desvenda a personalidade de uma figura deste ambiente. Jacarandá, o bêbado guardador de carros, consegue perceber as razões pelas quais os que lhe dão gorjetas o fazem. Não há espaço para ilusões neste mundo, mas o personagem principal encontra uma maneira de rebelar-se: o tratamento que dirige ao motorista nos sugere um homem que, mesmo em situação crítica, procura manter a dignidade.
Há que se perceber também o trabalho de linguagem. A gíria do guardador é utilizada ao longo do texto, em expressões como “uca, pé-de-cana, muquiras, chué”, que sugerem uma distância intransponível entre o guardador e aqueles a quem cobra seus serviços.
A Máquina Extraviada
José J. Veiga
Mandando notícias do sertão para seu compadre, o narrador fala do último grande acontecimento: a chegada de uma máquina descarregada defronte à Prefeitura.
Depois de montada, “a máquina ficou ao relento, sem que ninguém soubesse quem a encomendara nem para que servia”. As crianças, aos poucos, começam a brincar na máquina, tiram o encerado que a cobre, e pulam entre suas engrenagens.
Apesar de estar na cidade há tempos, a máquina continua causando sensação. Não há quem passe sem olhá-la; até mesmo as velhinhas que saem da igreja, ao passar pela máquina, fazem uma curvatura reverente.
Ninguém sabe quem a comprou, mas o prefeito designou um funcionário da prefeitura para zelar pela máquina. Ela tornou-se o orgulho da cidade. O antigo coreto, no qual realizavam-se as festividades foi abandonado. As festas são realizadas defronte à máquina, que ocupa cada vez um espaço maior na vida da cidade.
O único acidente ocorreu com um jovem bêbado, que, ao sair de uma serenata, decidiu dormir no alto da máquina. Rolou lá de cima, e com a queda, acionou algumas engrenagens que “comeram” sua perna. Hoje ele ajuda a zelar pelas partes baixas da máquina.
“Minha maior preocupação é alguém chegar aqui e dizer para que serve a máquina. Ao fazê-la funcionar, quebrar-se-á o encanto, e não existirá mais máquina”.
Traço importante deste conto é a ambientação em um contexto rural, no qual a máquina surge como elemento estranho aos poucos absorvido. José J. Veiga utiliza o episódio de forma a ilustrar a capacidade de o homem aceitar o estranho e respeitá-lo, enquanto estranho. Por isso, a explicação da serventia da máquina faria com que esta perdesse a magia capaz de suscitar o respeito.
A Caçada
Lygia Fagundes Telles
Em uma loja de antiguidades, um homem encontra uma grande tapeçaria, suspensa sobre a parede. Admirado, tenta lembrar-se de onde, ou em que tempo, já havia assistido àquela cena: um caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa; outro caçador, este uma figura mais apagada, também espreitava a caça. “Teria sido uma personagem da tapeçaria? Mas qual? O caçador em primeiro plano? O outro?”
Tão viva é a gravura, que ele pressente o arquejar da caça escondida. Talvez tivesse sido o pintor da tapeçaria, “mas se detesto caçadas! Por quê tenho de estar aí dentro?”
Saindo da loja, a imagem não desaparece. Ao dormir, sonha com a tapeçaria, ele entrelaçado à paisagem. Apalpa o rosto, procurando a barba do primeiro caçador, mas ao invés disso, sente a viscosidade do sangue, e acorda com um grito.
Na manhã seguinte, volta à loja. Ao defrontar-se com a tapeçaria, vê a loja sumindo e a tapeçaria se alastrando pelo chão, até tomá-lo por inteiro. Agora estava dentro da tapeçaria. Era importante correr. Era a caça? O caçador? “Gritou e mergulhou em uma touceira. Ouviu o assovio da seta varando a folhagem, a dor! “Não ... - gemeu de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração”.
Lygia Fagundes Teles é uma contista que prima por trabalhar o aspecto psicológico em suas obras. A angústia do personagem criado pela autora pode ser interpretada como a angústia despertada pela busca de si mesmo, processo que pode fazer com que o homem passe da situação de caça à de caçador em um instante.
Luz sob a porta
Luiz Vilela
Nélson está com alguns amigos bebendo chopp em uma festa. Preocupado com as horas, decide ir-se. É o aniversário de sua mãe e já são onze e vinte.
É com muita dificuldade que à consegue desvencilhar-se dos amigos, e ao chegar a casa de sua mãe já são cinco para a meia-noite. “Havia luz sob a porta, ela estava esperando-o”.
A recepção é triste. A mãe reclama da idade e do esquecimento a que foi relegada. Fala-lhe do medo que tinha que ele não viesse.
Desculpando-se por não haver trazido um presente, Nélson consola a mãe que chora.
Todo o conto é desenvolvido através de diálogos. A economia do autor é expressa de forma a criar situações nas quais o diálogo seja suficiente para evocar o almejado. Assim, à futilidade dos diálogos entre os amigos do bar ( “Imaginem só: me deu a maior cantada!” - Kafka? Estou lendo. O processo.”) sobrepõe-se a densidade do diálogo entre mãe e filho ( “Quer dizer que a senhora passou o dia sozinha?” - “Passei, mas não teve importância; arrumei uma costurinha pra fazer.”).
Ao mesmo tempo que explicita a dramaticidade do relato, esta estratégia também coloca o trabalho com a linguagem em um plano privilegiado.
A Moça Tecelã
Marina Colasanti
A cada amanhecer, a moça, com seu tear, passava os dias tecendo. “Linha clara para começar o dia.(...) Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava”.
Com o passar do tempo, sentindo-se sozinha, pensa que seria bom ter um marido a seu lado. “Com capricho de quem tenta uma coisa desconhecida” ela vai tecendo sua companhia. Ao fim do trabalho, batem a sua porta: “Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida”.
Aos poucos, a moça vai tecendo a casa, que não basta ao marido. Ele agora quer um palácio, que toma meses de trabalho da tecelã. Na torre mais alta deste palácio fica a moça trabalhando, e com o passar do tempo, sente-se sozinha, tecendo as riquezas que o marido exige.
Uma noite, enquanto o marido dorme, ela levanta-se e desmancha todo o tapete, tornando a sua solidão.
Note-se que a autora coloca nas mãos da moça tecelã o poder de começar e romper a relação. É ela que “tece” o marido e engendra o meio familiar. Mas também é ela que “tece a própria solidão”. Tendo o universo feminino como fonte, Marina Colasanti desvela a alma da mulher que prefere, a uma relação que a subjuga, a antiga solidão.
No retiro da Figueira
Moacyr Scliar
Angustiada com a violência da cidade, uma família recebe pelo correio o prospecto de um condomínio fechado chamado Retiro da Figueira, “um dos últimos lugares onde você pode ouvir um bem-te-vi cantar”.
Holofotes, cerca eletrificada, vigilantes, sistema de alarmes, tudo remetia à idéia de segurança absoluta. A família mudou-se, e uma das primeiras exigências do chefe dos vigilantes foi uma lista de parentes e amigos dos moradores, “questão de segurança, para qualquer emergência”.
Uma segunda-feira, soa a sirene de emergência, e todos reúnem-se no salão de festas, onde são informados que a fuga de alguns presidiários impossibilitará a saída dos moradores do condomínio; “questão de segurança” informa-lhes o chefe dos vigilantes.
Quatro dias depois, o condomínio cercado, desce um jatinho no aeroporto do condomínio e uma mala cheia de dinheiro é entregue ao chefe de segurança, que decola com o dinheiro, acompanhado de sua equipe. “Nunca mais vimos o chefe e seus homens, mas estou certo que estão gozando o dinheiro pago por nosso resgate”.
O isolamento a que se sujeita o homem que se cerca é tratado ironicamente pelo autor gaúcho. As cercas que tornam o espaço seguro, também distanciam o homem, e o absurdo da situação torna ainda mais cômico um final inesperado: aqueles responsáveis pela segurança tornam-se os algozes dos que preferiram o ambiente cercado.
Botão-de Rosa
Murilo Rubião
Numa segunda-feira de março, todas as mulheres da cidade amanhecem grávidas, e o músico Botão-de-Rosa é acusado. Ouve a chegada da multidão: “vinham pegá-lo”. Ao sair à janela para deixar clara sua intenção de entregar-se é apedrejado.
Escoltado, segue até a prisão onde José Inácio é designado seu defensor. Todo o processo, repleto de falhas é analisado, e a resignação do acusado, negando-se a declarar sua inocência, colocam o advogado em uma situação delicada.
À acusação de sevícia, soma-se a de tráfico de entorpecentes, e Botão-de-Rosa continua impassível, enquanto José Inácio, pressionado pelo povo da cidade, tem uma atuação medíocre na defesa, o que colabora para a sentença de morte do acusado.
A produção de Murilo Rubião caracteriza-se pela exploração de um recurso desenvolvido por diversos autores latino-americanos: o Realismo-Mágico. Botão-de-Rosa abre mão da oportunidade de defender-se por saber-se condenado de antemão. Sua situação marginal (músico em uma cidade pequena) é que sofre a condenação.
A atitude adotada pelo advogado José Inácio cristaliza esta situação. Sua atuação é medíocre por que entre indispor-se com as autoridades comprometendo seu futuro e permitir a condenação do músico, escolhe a segunda alternativa.
Noivado
Osman Lins
Giselda e Mendonça conversam sobre as perspectivas deste último, que está prestes a aposentar-se de seu trabalho na repartição pública. Namorados há vinte e oito anos, Giselda já habituou-se a manter nas malas seu enxoval, enquanto recebe periodicamente a visita dos antigos “Mendonça”. Seu preferido é o Mendonça sensível, aos dezessete anos, muito diferente daquele aos trinta e nove anos que abriu mão dos sonhos para mergulhar em uma vida medíocre de funcionário público.
Conversando com o noivo sob o olhar silencioso dos dois outros “Mendonça”, a noiva comenta, em tom de despedida: “um homem, para ser saqueado, precisa abrir as portas”, referindo-se à entrega do amante à vida de burocrata.
“Passa por mim, com seu barulho de correntes arrastadas, de arame farpado rasgando couro de bois.”
Noivado é trabalhado de forma que possamos perceber as três perspectivas: a do noivo, da noiva, e dos momentos a dois. Esta diversidade de focos narrativos faz com que saibamos o que se passa com cada um dos interlocutores, e é uma maneira que nos coloca imersos no relato, como parte atuante.
Giselda sabe que o afastamento entre ela e o noivo ocorreu há muito tempo atrás, e todo o questionamento a que se propõe Mendonça é incapaz de resgatar o homem que já existiu onde hoje há um funcionário público.
Circuito Fechado
Ricardo Ramos
Circuito Fechado - 1 -
Trabalhando exclusivamente com substantivos (Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água.) Ricardo Ramos foca o despertar do homem no ambiente urbano completamente tomado pela rotina. Preso ao relógio, este homem não consegue romper o circuito, que fecha-se com a volta aos chinelos: (Chinelo. Coberta, cama travesseiro.)
Circuito Fechado - 2 -
Fechado em sua “memória intermediária” (“não a de muito longe, nem a de ontem”), o personagem sente o desbotar que ocorre com o passar dos anos refletido no retrato. Vem dessa memória intermediária a sensação de perda. “Os dias, não as noites, são o que mais ficou perdido”.)
Circuito Fechado - 3 -
Em um monólogo apressado, no qual inferimos respostas monossilábicas de diversos interlocutores, o autor expõe o isolamento ao qual o personagem vai se sujeitando, na medida que aumenta sua insensibilidade.
Tudo nos sugere uma distância intransponível, e os diálogos impessoais mantidos com secretárias e atendentes, repete-se com a esposa: “Vamos dormir? É, leia que é bom. Ainda agosto e esse calor. Me acorde cedo amanhã, viu?”.
Circuito Fechado - 4 -
Tematizando o sentimento de posse (“Ter, haver”) o autor demonstra como este sentimento de posse apropria-se do personagem, e como este, objeto dessa sensação, torna-se incapaz de fugir ao círculo vicioso. “Uma prisão que segura” e ao mesmo tempo evoca as diversas lembranças de infância, na qual não havia este tipo de preocupação.
Circuito Fechado - 5 -
Retornando à rotina evocada em Circuito Fechado - 1 - , o autor condensa o sentimento de impotência expresso nos outros episódios. Perceba-se o caráter pessimista desde o começo do texto, iniciado com uma negativa, “Não. Não foi o belo” .
Aos poucos, aprofundando-se em muitas outras negativas, o texto nos suscita a sensação da perda absoluta de concretude, de inversão total de valores, culminando com a constatação do erro de avaliação na inversão desses valores: “Não foi sempre, nem faltou, foi mais às vezes. Não foi o que, foi como e onde, e quando. Não, não foi.
Composição II
Sérgio Sant’Anna
Uma Sala.
Descrevendo a sala (paredes, mesa, sofá, gramofone e televisão, na qual a imagem de uma moça anunciando uma televisão idêntica repete-se infinitamente), um homem albino sentado na sala em posição de ioga segura uma guitarra elétrica, “apontada para o observador como se fosse uma metralhadora (...) mas da ponta da metralhadora - ou guitarra - saem balas de confeitaria e escorre, fracamente, um líquido amarelado”.
Duas mãos rompem o papel celofane que envolve toda a cena, retirando um disco e colocando-o em um toca-discos em uma outra sala, nova e bem organizada. “Desliga-se a televisão e apaga-se a luz”. E ouve-se a letra da canção: “Estou farto de tudo e vou tomar o ônibus vinte e sete e viajar para outra galáxia”.
Como uma cena, o universo do artista impassível é maculado pela mão que rompe o celofane para ouvir a música do disco. É importante perceber os dois ambientes (uma sala desarrumada coberta por papel celofane na qual o guitarrista medita e a outra, extremamente organizada na qual o disco será reproduzido),como que ilustrando dois ambientes diversos e incomunicáveis.
Nunca é Tarde, Sempre é Tarde
Sílvio Fiorani
Su acorda-se e maquia-se para o trabalho. Olha-se apressadamente no espelho, não se preocupando com beleza, “Beleza é pra fim de semana”. Ao colocar a mão na maçaneta, ouve o ruído da campainha de seu relógio Westclox, “e se deu conta de que sequer havia-se levantado. Tudo por fazer”. Repete os mesmos gestos mecanicamente, e a situação torna a acontecer: novo despertar com a campainha do relógio. Decide apelar para a mãe que, “envolta pelos vapores da cozinha”, promete à filha acordá-la.
Submetida à rotina que torna todos seus gestos automáticos, Su necessita de alguém que a desperte. É importante perceber que o auxílio de outra pessoa é necessário para “acordar” a personagem de um sonho que teima em acontecer e que a desgasta.
Fonte:
http://www.pvsinos.com.br/jornal/edicao99_1/ed99_1_contos_br_contemporaneos.htm
4 comentários:
Muito bom! Parabéns pelas análises!
muito obrigado a todos voces mi ajudaram muitoo na escola.Bela analise........
muitíssimo obrigada,o livro de contos brasileiros contemporâneos é tema de ufrn esse ano,a análise de você
s deve fazer bem aos vestibulandos,já que a gente muitas vezes não faz uma boa interpretação dos contos....Valeu mesmo!:)
adorei! os resumos estam perfeitos! parabéns!!!
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