terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Caldeirão Literário do Alagoas (Arriete Vilela - Guimaraens Passos - Rosiane Rodrigues)


Arriete Vilela (1949)

POEMA N. 4
Preciso sempre
ir dentro de mim:

confiro-me.

E quando emerjo,
sou rochedo descobrindo-se
com a baixa da maré.

POEMA N. 11

Não quero mais
que o mergulho no mar,
a cara virada para o sol,
o esquecimento:

alma boiando à deriva,
como se fora tábua
despregada do casco
de algum velho barco.

POEMA N. 21

Hoje farejas indícios
de novas trilhas,
velas o teu coração tornado
ríspido, brumoso,
e vais às praças públicas colher
um súbito rosto.

Hoje tenho nos olhos
somente a dança das
estrelas cadentes
fazendo-se mar e poesia:
a minha melhor
porção diária de vida.

POEMA N. 26

Da janela sobre o mar,
sem saudades eu dou adeus
a mim mesma;

faço-me outra,
e nova.

Quero trazer-me alegre
à luz do dia ou da noite,
sossegar-me nas trovoadas,
evitar as esporas do vento
nos meus cabelos.

Inútil esforço,
Sei. Aos meus olhos
cola-se, diariamente,
uma alma de estopa áspera,
embora rara.

POEMA N. 28

Os meninos de rua
Parecem pardais urbanos:

em ligeiros vôos
acham-se em toda parte,
aproveitam restos de toda sorte.

Tropical
é algazarra de suas vozes,
quando se ajuntam;

seus gestos e jeitos,
de uma graça desavisada,
assustam e comovem.

Atentíssimo dever ser
o anjo da guarda dos meninos de rua,
esses tantos pardais urbanos.

POEMA N. 29

Vou me sabendo sem remansos.
Por vezes o mar estronda
dentro de mim
e tempestades medonhas me obrigam
a descer aos porões, a reconhecer-me
nas escotilhas fechadas da minha
incômoda solidão.

Difícil reconhecimento, porém.
Eu já sou muitas.
Meus olhos, é verdade,
ainda se mantêm amorosamente
indiscretos, e minha alma busca
da palavra as seduções segredosas
que me ardem no peito.

Mas já não me deixo
Possuir.
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Biografia da Autora

Arriete Vilela, Poeta e contista, nasceu em Marechal Deodoro, Alagoas, em 1949, é professora de Literatura da Universidade Federal de Alagoas. Já recebeu numerosos prêmios, tendo sido distinguida como mérito cultural da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro com a obra Lãs ao vento.

“Dona de uma obra que tematiza a Palavra e, em conseqüência, a escritura (suas possibilidades, conseqüências e responsabilidades), Arriete Vilela abre seu novo livro com João Cabral de Melo Neto: “Escrever é estar no extremo de si mesmo”, anunciando o que se vai experimentar até alcançar o ponto final indicado na epígrafe: a luta com, na e pela Palavra, para dar corpo a realidades, que, em última instância, são mesmo lãs ao vento: “Palavra: um modo metonímico de me fazer legar uma escritura de esfacelamentos, de recortes da realidade, de bordejos e de desesperanças.”, diz o texto, e dispensa explicações sobre esse “metonímico” que não pôde ser evitado.” Sônia van Dijck

Bibliografia: Eu, em versos e prosa (1970), 15 poemas de Arriete (1974), Recados (1978), Para além do avesso da corda (1980), Remate (1983), Farpa (1988), A rede do anjo (1992), Dos destroços, o resgate (1994), O ócio dos anjos ignorados (1995), Tardios afetos (1994), Vadios afetos (1999), Frêmito (2003), Lãs ao vento (2005).
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Guimaraens Passos (1867-1909)

XXXIV
Na terra estava quando te queria
De todas as mulheres diferente,
E olhando a altura com o fervor dum crente
Em nuvem de ouro a tua imagem via.

Na asa encantada que a paixão me abria
Subi, para buscar-te unicamente,
E em cima estando vi-te, de repente,
Na terra, no lugar donde eu saía.

Olhos de amante, que de tal maneira
Andam cheios de lúcida loucura,
Que assim se perdem na maior cegueira.

E vendo aquilo que não há, decerto,
Sonham longe a ilusão de uma ventura
E não vêem a ventura que têm perto.

Versos de um simples (1891)
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PUBESCÊNCIA
A Emílio de Menezes

Ei-la! Chega ao jardim, que estava triste,
Porque a sua alegria ausente estava,
E ela, que em vê-lo dantes se alegrava,
Agora a toda a tentação resiste:

Seria outra alma, pensa, que a animava?
Por que um desejo que a persegue insiste?
Qualquer cousa que ignora, mas que existe,
Pulsa-lhe ao coração que não pulsava.

Triste cismando segue, e em frente à fonte:
— Um sátira, de cuja boca escorre
Um fino fio d'água transparente —

Ri-se, dos cornos que lhe vê na fronte,
Os lábios cola aos dele, e porque morre
De sede, bebe alucinadamente.

Versos de um simples (1891)

GUARDA E PASSA

... Non me destar, deh! parla basso
Michelangelo

Figuremos: tu vais (é curta a viagem),
Tu vais e, de repente, na tortuosa
Estrada vês, sob árvore frondosa,
Alguém dormindo à beira da passagem.

Alguém, cuja fadiga angustiosa
Cedeu ao sono, em meio da romagem,
E exausto dorme ... Tinhas tu coragem
De acordá-lo? responde-me, formosa.

Quem dorme esquece ... pode ser medonho
O pesadelo que entre o horror nos fecha;
Mas sofre menos o que sofre em sonho.

Oh! tu, que turvas o palor da neve,
Tu, que as estrelas escureces, deixa
Meu coração dormir... Pisa de leve.

Horas mortas (1901)
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VILANCETE

Saudades mal compensadas,
Por que motivo as tomei?
Como agora as deixarei?

Voltas

Hoje por coisas passadas,
E só por vosso respeito,
Varado vejo meu peito,
­Senhora, por Sete Espadas,
Saudades mal compensadas
Destes-me rindo, e não sei
Por que motivo as tomei ...

Busquei-vos por brincadeira,
Aceitastes-me por brinco;
Quis-vos depois com afinco,
Não me quis vossa cegueira.
Vejo-me desta maneira ...
Penas que eu próprio busquei,
Como agora as deixarei?

Horas mortas (1901)
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... DEPOIS

Para mim, pouco importa a recompensa
Dos meus carinhos, quando te procuro;
Dirão que tens um coração tão duro,
Que pedra alguma há que em rijeza o vença.

Dirão que a calculada indiferença
Com que tu me recebes, é seguro
Condão que tens, de todo o meu futuro
Trocar, sorrindo, em desventura imensa.

Dirão... Que importa a mim/ Dá-me o teu leito,
Dá-me o teu corpo, fecha-me nos braços,
Une os lábios aos meus, o peito ao peito,

Que eu nem saiba qual seja de nós dois...
Mentem teus beijos/ mentem teus abraços?
Será tudo mentira... mas depois.

Horas mortas (1901)
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NIHIL

Sem aos outros mentir, vivi meus dias
desditosos por dias bons tomando,
das pessoas alegres me afastando
e rindo às outras mais do que eu sombrias.

Enganava-me assim, não me enganando;
fiz dos passados males alegrias
do meu presente e das melancolias
sempre gozos futuros fui tirando.

Sem ser amado, fui feliz amante;
imaginei-me bom, culpado sendo;
e se chorava, ria ao mesmo instante.

E tanto tempo fui assim vivendo,
de enganar-me tornei-me tão constante,
que hoje nem creio no que estou dizendo.
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XLI

Crianças fomos, como tal, tu, louca
de amores foste e eu, louco, te imitava,
então pelos teus olhos eu me olhava
e tu falavas pela minha boca.

E para nós tão cheia se mostrava
a vida que, por certo, havia de oca
ser para os outros; pena que foi, pouca
fosse para quem rindo a desfrutava.

Os anos foram breves como dias;
os dias como as horas foram breves;
esqueçamos passadas fantasias,

que, se eu fui louco, e se tu foste louca,
já por meus olhos hoje vejo e deves
ver que hoje falas pela tua boca.
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Sobre o Autor
Sebastião Cícero dos Guimarães Passos nasceu em Maceió, Alagoas, no dia 22 de março de 1867, e faleceu em Paris, no dia 9 de setembro de 1909. Trans­ferindo-se para o Rio de Janeiro com menos de vinte anos de idade, ali fez parte da famosa roda boêmia de Olavo Bilac. Exerceu o jornalismo, escrevendo versos, contos e crônicas em diversos periódicos, às vezes com pseudônimo. Foi nomeado arquivista da Secretaria da Mordomia da Casa Imperial, cargo que perderia com a proclamação da República. Foi exilado ao tempo de Floriano Peixoto.

Obra poética: Versos de um simples (1891), Horas mortas (1901) e os versos humorísticos de Pimentões (1897), em parceria com Bilac, com quem assinou também um compêndio de metrificação. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. FONTE: Parnasianismo/ seleção e prefácio de Sânzio de Azevedo. São Paulo: Global, 2006. 153 p. (Col. Roteiro da Poesia brasileira)
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Rosiane Rodrigues (1948)

ESCULTURA

anjo bate asas
horizonte deserto
beijo de chuva
de suave gesto

arco-íris e flechas
contra o tempo
esculpindo amor
a favor do vento

DESEJO

longe,
o coração
pranteia

perto,
acelera
e baqueia

fonte
do desejo
permeia
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QUIMERA

aquela imagem
ainda cintila
como miragem

a voz caliente
na mente destila
enfraquecida

o sonho se inflama
e a realidade
apaga a chama
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TEMPESTADE

nuvem passageira
doce manjar dos céus
altaneira

estrelas ladrilham
passos solitários
trilham

cálida noite
tragar de chuva
açoite
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Sobre a Autora

Rosiane Rodrigues Cavalcanti é natural de Piranhas, Alagoas, nascida em 14 de junho de 1948. Médica psiquiatra e professora universitária, fez cursos d pós-graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Fundação São Camilo de São Paulo.

Poeta e compositora, é membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, Grupo Literário Alagoano, Associação Alagoana de Imprensa, Confederação Internacional de Autores e Compositores, Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais e Sócia Honorária Ada Academia Maceiosense de Letras.

Obras publicadas: O inocente (1967), Alma e Poesia (1977), Uma vida simplesmente (1983), Pêndulo da vida (1985), Chispada (1986), Bico de luz (1990), Piranhas, retrato de uma cidade (1999), Pequeno Dicionário de uma Psiquiatra (2001) e A tentação do anjo (2001).
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Fontes:
Texto e retratos = http://www.antoniomiranda.com.br/
Retrato Guimaraens Passos = http://www.biblio.com.br/

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