sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Ana Rita Martins (Para ler poesia)

Atividades de oralidade com poemas auxiliam turmas de 4º e 5º anos a descobrir a beleza da linguagem e a recitar com fluência e entonação

"A poesia tende a chamar a atenção da criança para as surpresas escondidas na língua." A frase, do poeta José Paulo Paes (1926-1998), ilustra o potencial do gênero para despertar o gosto pelo uso da linguagem com fins estéticos. Por isso, nada mais natural do que explorar as brincadeiras sonoras desse tipo de texto, certo? Pode ser natural, mas não é usual. "Na maioria das vezes, as escolas lêem poemas apenas para buscar informações", afirma Cláudio Bazzoni, selecionador do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. Muitas esquecem que incentivar a turma a ler poemas em voz alta é uma ótima estratégia para trabalhar conteúdos da oralidade, como sonoridade, rimas e ritmo (leia mais no quadro ao lado).

Por onde começar? Do 1º ao 3º ano, a sugestão é apresentar poemas divertidos que explorem o som das palavras, com onomatopéias (vocábulos que imitam barulhos) ou trava-línguas (versos difíceis de pronunciar). A partir do 4º ano, é possível usar textos mais complexos, aprofundando a relação entre o escrito e o falado e entre a forma e o conteúdo.

O que ensinar

Rondó dos Cavalinhos
Manuel Bandeira

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo
Tua beleza, Esmeralda
Acabou me enlouquecendo

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O sol tão claro lá fora
E em minhalma — anoitecendo!

Os cavalinhos correndo
E nós, cavalões comendo...
Alfonso Reys partindo
E tanta gente ficando...

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
A Itália falando grosso,
A Europa se avacalhando...

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O Brasil politicando,
Nossa! A poesia morrendo...
O sol tão claro lá fora,
O sol tão claro, Esmeralda,
E em minhalma— anoitecendo!

- PONTUAÇÃO Cada sinal indica um tipo de pausa na leitura e uma intenção de quem escreveu
- RIMA Quando a repetição é terminal, a leitura precisa enfatizar as rimas para que elas apareçam.
- RITMO Marcar a leitura com palmas ajuda o aluno a manter a velocidade
- VOCABULÁRIO Entender o que se lê é essencial para encontrar o tom. Tire dúvidas antes de ler em voz alta (ex: avacalhando)
- LICENÇA POÉTICA Recursos como a contração conferem musicalidade aos versos, elemento típico da poesia (ex: minhalma)

A fala exprime sentimentos

A intervenção do professor deve ressaltar que a interpretação oral é essencial para transmitir o sentido adequado do poema. "Para que a leitura seja objeto de reflexão, o aluno precisa saber o porquê de estar lendo de determinada forma", diz Ana Flávia Alonço Castanho, também selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10. A entonação, a pontuação e o ritmo podem indicar tristeza, alegria, questionamento ou indignação. Para que a garotada perceba essas escolhas, duas ações são importantes. A primeira, prévia à leitura em voz alta, é explorar o sentido do poema: o entendimento do texto é essencial para a interpretação oral. A segunda é ressaltar as especificidades da poesia, como as licenças poéticas e as falsas terminações (versos que encerram a idéia no verso seguinte e não devem ser lidos com pausa no final).

Outra recomendação é relacionar a compreensão do texto pelos alunos com a possível intenção do autor. Embora não seja uma questão de certo ou errado - a interpretação de um poema é, em grande medida, subjetiva -, é interessante comparar a leitura da turma com a do próprio poeta (leia à direita uma seqüência didática que utiliza essa estratégia). Além disso, levar os alunos a confrontar as próprias estratégias de leitura (pedindo para lerem mais de uma vez) e as dos colegas ilumina semelhanças e diferenças sobre qual tipo de sentimento cada um quis transmitir com seu tom de voz, por exemplo.

Ler e entender: forte ligação

O professor também pode alterar elementos na leitura. Experimente ler para a classe sem enfatizar as rimas - isso fará as repetições "sumirem", deixando claro que o jeito como se fala é essencial na poesia. De resto, é permitir que as crianças apreciem a beleza do gênero, atendendo ao apelo de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): "O que eu pediria à escola era considerar a poesia primeiro como visão direta das coisas e depois como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo que se identifica basicamente com a sensibilidade poética".

Seqüência Didática
Do poeta ao aluno

-
Objetivos

Perceber as especificidades da linguagem poética.
Ler poemas ajustando a leitura ao texto escrito.

Conteúdos

Leitura.
Elementos da oralização das poesias: ritmo, rimas, entonação, falsas terminações etc.

Anos

4º e 5º.

Tempo estimado

Seis aulas.

Material necessário

Livro Manuel Bandeira - 50 Poemas Escolhidos pelo Autor e cópias xerocadas dos poemas que você escolher. Sugestões: Berimbau, Irene no Céu, Rondó dos Cavalinhos, Boca de Forno e Vou-me Embora pra Pasárgada.

Desenvolvimento

1ª ETAPA

Pergunte aos alunos se eles já viram alguém recitando poesias. O que uma pessoa precisa fazer para tornar esse texto bonito de ouvir? Estimule-os a refletir sobre essa questão distribuindo cópias das poesias de Manuel Bandeira e tocando o CD que vem com o livro. Deixe a turma ouvir algumas vezes, levantando idéias sobre os recursos da leitura. Registre as mais pertinentes em um cartaz, que servirá como material de consulta para o restante do trabalho.

2ª ETAPA

Explique aos alunos que agora você fará a leitura dos poemas. Peça que eles observem sua forma de interpretar. Chame a atenção para a cadência pedindo que a classe acompanhe o poema com palmas em diversos ritmos. Em qual velocidade a leitura ficou melhor? Por quê? Em seguida, varie a entonação e pergunte: que tipo de voz transmite melhor as emoções presentes no texto? Discuta as sensações que cada interpretação despertou, enfatizando que o poema é um dos gêneros literários que melhor exprimem sentimentos - e que a leitura pode reforçar ou diminuir o efeito pretendido.

3ª ETAPA

Organize as crianças em grupos de quatro alunos e entregue cópias de uma das poesias escolhidas. Explique que, enquanto um aluno lê a poesia para o seu grupo, os outros observam se a leitura segue as observações registradas no cartaz. Ao fim, o grupo deve discutir o que cada um deve melhorar para tornar a leitura mais envolvente.

Avaliação

Observe o desempenho da turma em relação a algumas questões. O aluno lê com fluência? Lê alto? Lê com entonação? Posiciona o texto adequadamente (sem cobrir o rosto) ao ler? Controla o ritmo da fala (nem muito rápido nem muito devagar)? Com base nos problemas encontrados, auxilie cada um nos aspectos que devem ser melhorados com a análise de boas referências (colegas ou CDs de poesias recitadas).

Fonte:
Revista Nova Escola. ano XXIII. n. 217. novembro de 2008. p.64-65.

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