Trrriiiiimmm.
Turíbio esfrega os olhos, olha o relógio sobre a cômoda: 9 horas. Não pode ser o despertador. Trabalha à noite, só vai para a cama por volta das 3 horas. Assim, teoricamente, alguém está lhe telefonando às 6 horas da madrugada.
Trrriiiimmm.
Vira-se, cobre a cabeça com o travesseiro. “Ninguém me deixa dormir”, pensa. Quando não é o cachorro da vizinha do 803 é o telefone.
Triiiiiimmm.
Não deve ser alguém da família. Todos os parentes sabem que ele dorme até mais tarde, que é diferente da maioria dos mortais.
Trrriiiiimmm.
Arrepende-se por não ter desligado o aparelho da tomada. Depois começa a imaginar que aconteceu alguma desgraça. Tio Luís não anda bem de saúde. O irmão que se casou com uma nissei e está morando no Japão. Lá tem muito terremoto. Movimenta a mão na direção do telefone com a agilidade de um astronauta em solo lunar.
Trrim...
Desligaram. Antes que pudesse dizer alô.
Resmunga um palavrão, ofende o coitado do Graham Bell e decide retomar o sono. Lembra-se que estava sonhando com a Sandrinha. E era bom. Tenta recuperar o roteiro do sonho. O maldito cachorro do 803 começa a latir.
Ah, a Sandrinha...
Trrriiiiimmmm.
Ah, não...
Trrriiiimmm.
Atende.
- Hum?
- Bom dia. É da residência do senhor Turíbio? (Voz feminina. Alguma secretária – logo deduz).
- É.
- O senhor Turíbio está?
- Ele.
- Aqui é da Associação dos Pecuaristas Anônimos e o senhor participou do nosso concurso beneficente, não foi?
- E eu por acaso sou boi para participar do concurso de vocês?
- Muito boa, essa. O senhor comprou uma de nossas rifas, certo?
- Sei lá, compro tanta porcaria...
- O senhor ganhou o primeiro prêmio, seu Turíbio!
- Ganhei alguma coisa? Não é possível, minha filha. Ultimamente ando perdendo até no jogo da velha para o meu sobrinho de quatro anos.
- Pois a sua sorte mudou. O senhor ganhou a novilha.
- Como é que é?
- A vaca. O primeiro prêmio!
Agradece à moça, senta-se na cama e sorri. Enfim, uma boa notícia. Mas logo começa a se preocupar. Mora em um edifício, oitavo andar. O que vai fazer com uma vaca? Precisa ir buscar o prêmio na manhã seguinte. Telefona para alguns conhecidos: ninguém quer comprar uma novilha. Quem sabe os açougues? Não, não teria coragem.
Vai à Associação dos Pecuaristas disposto a contar o seu drama, entregar o animal ao primeiro que se interessar. De graça. Mas quando vê a vaquinha, aquele olhar carente, Turíbio muda de idéia:
- Tudo bem. Vou levar. Agora a vizinha do 803 vai ver o que é bom para tosse!
Fonte:
CAPUCHO, Nelson. O Jardineiro de Flores Estranhas. Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. (Série Crônicas de Londrina).
Turíbio esfrega os olhos, olha o relógio sobre a cômoda: 9 horas. Não pode ser o despertador. Trabalha à noite, só vai para a cama por volta das 3 horas. Assim, teoricamente, alguém está lhe telefonando às 6 horas da madrugada.
Trrriiiimmm.
Vira-se, cobre a cabeça com o travesseiro. “Ninguém me deixa dormir”, pensa. Quando não é o cachorro da vizinha do 803 é o telefone.
Triiiiiimmm.
Não deve ser alguém da família. Todos os parentes sabem que ele dorme até mais tarde, que é diferente da maioria dos mortais.
Trrriiiiimmm.
Arrepende-se por não ter desligado o aparelho da tomada. Depois começa a imaginar que aconteceu alguma desgraça. Tio Luís não anda bem de saúde. O irmão que se casou com uma nissei e está morando no Japão. Lá tem muito terremoto. Movimenta a mão na direção do telefone com a agilidade de um astronauta em solo lunar.
Trrim...
Desligaram. Antes que pudesse dizer alô.
Resmunga um palavrão, ofende o coitado do Graham Bell e decide retomar o sono. Lembra-se que estava sonhando com a Sandrinha. E era bom. Tenta recuperar o roteiro do sonho. O maldito cachorro do 803 começa a latir.
Ah, a Sandrinha...
Trrriiiiimmmm.
Ah, não...
Trrriiiimmm.
Atende.
- Hum?
- Bom dia. É da residência do senhor Turíbio? (Voz feminina. Alguma secretária – logo deduz).
- É.
- O senhor Turíbio está?
- Ele.
- Aqui é da Associação dos Pecuaristas Anônimos e o senhor participou do nosso concurso beneficente, não foi?
- E eu por acaso sou boi para participar do concurso de vocês?
- Muito boa, essa. O senhor comprou uma de nossas rifas, certo?
- Sei lá, compro tanta porcaria...
- O senhor ganhou o primeiro prêmio, seu Turíbio!
- Ganhei alguma coisa? Não é possível, minha filha. Ultimamente ando perdendo até no jogo da velha para o meu sobrinho de quatro anos.
- Pois a sua sorte mudou. O senhor ganhou a novilha.
- Como é que é?
- A vaca. O primeiro prêmio!
Agradece à moça, senta-se na cama e sorri. Enfim, uma boa notícia. Mas logo começa a se preocupar. Mora em um edifício, oitavo andar. O que vai fazer com uma vaca? Precisa ir buscar o prêmio na manhã seguinte. Telefona para alguns conhecidos: ninguém quer comprar uma novilha. Quem sabe os açougues? Não, não teria coragem.
Vai à Associação dos Pecuaristas disposto a contar o seu drama, entregar o animal ao primeiro que se interessar. De graça. Mas quando vê a vaquinha, aquele olhar carente, Turíbio muda de idéia:
- Tudo bem. Vou levar. Agora a vizinha do 803 vai ver o que é bom para tosse!
Fonte:
CAPUCHO, Nelson. O Jardineiro de Flores Estranhas. Curitiba: Imprensa Oficial, 2002. (Série Crônicas de Londrina).
Quadro = http://zeliartes.blogspot.com
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