sexta-feira, 10 de maio de 2013

Raimundo de Araujo Chagas (Folhas Poéticas)

Espaço Das (facebook)
JUDAS
 
Antes de vir o Sol, a vila já alarmada,
mostra em cada garoto um grande espadachim,
que anda de rua em rua, em louca disparada,
atrás de um Judas vil, de crânio de capim;

De um Judas moleirão de cara amarrotada,
de pança desconforme e cheia de estopim,
que liga um buscapé a uma bomba encerada,
pronta para estrugir, em honra do festim.

Num bulício infernal, a garotada infrene,
espera com prazer, do sino a voz solene
para então reduzir em cinzas o espantalho!...

E os vampiros reais, os judas elegantes,
vivem sempre a cantar, como viviam dantes,
desdenhando do Bem, da Vida e do Trabalho.

O CANÁRIO DE BERTHA
 

Júlia tinha um canário, tu bem viste,
mas Bertha tinha um outro extraordinário
que muitas vezes o seu canto ouviste
como se fosse um sonho imaginário.

Júlia tratava os dois de modo vário!
Tanto assim que o de Bertha fez-se triste
porque ela dava alpiste ao seu canário
dando arroz ao de Bertha em vez de alpiste.

Como o canário original de Bertha,
estristeci, vendo na vida incerta
esse grupo de cínicos que existe,

que estende a mão de amigo sendo algoz,
vão criando canários com arroz
e alimentando amigos com alpiste...

FASES DO ANO

Janeiro! Eleva-se o rio.
Fevereiro — alaga os campos.
Março e Abril! Noites de frio,
bordadas de pirilampos.

Maio! Festa... sacramentos.
Junho — geme o órgão dos ventos,
buscando o luar de agosto.

Setembro e Outubro. É o verão.
Novembro, espalha alegrias
nas praias de Amarração.

Natal! Dezembro. O ano expira.
Trezentos e muitos dias
só de ilusões ... de mentira!

SAUDADE

Eu vivo como o mar, bebendo os rios,
rios da Dor que crescem, com certeza,
em meu ser, quando o inverno da Tristeza
chega e vence ao cair dos tempos frios.

Eu vivo como os pássaros sombrios,
dos quais a tempestade em luta acesa
roubou dos ninhos frágeis e macios,
isolando-os da própria natureza.

Eu vivo como as águas das cascatas
que a força eterna de um tremendo fado
desfia em prantos no painel das matas.

Eu vivo sem viver, esta é a verdade,
pois não pode viver um torturado
que se alimenta apenas da saudade!...

O HOMEM
 

Garboso rei supremo das quimeras,
que vieste, por momentos, como eu vim,
a este orbe, onde por grande que pareças,
um dia hás de ter sempre o mesmo fim

que têm as borboletas, os vampiros,
as lesmas, as serpentes e os abutres.
No entanto,à luz de exemplos tão frisantes,
somente de vaidades, enfim, te nutres.

Se comercias, ninguém mais honesto
no serviço do peso ou da medida.
Tens filho? — Hás de supor que os teus parecem
as almas mais perfeitas desta vida.

Contudo és grande: regulaste o tempo,
mediste a terra, devastaste o espaço.
Tudo tens feito aos rasgos do teu gênio
seguido pela força do teu braço.

E assim te elevas, orgulhosamente.
Do mundo gozas todos os conceitos.
Tudo sabes fazer, mas, por desgraça,
não sabes conhecer os teus defeitos!

Baixa, pois, desce até chegar aos vermes.
Busca o teu nível, sofre e te consola.
Não julgues nunca que és alguma cousa
diante do pobre que te pede esmola.

Humilha-te, portanto, ante os humildes.
Sonda tua alma, purga os teus pecados.
“Os que se humilham neste mundo, no outro
serão pelos feitos exaltados”.

Fonte:
O BEMBÉM, Ano 1,  N. 8, N. 8, Parnaíba, Piauí, 21 de agosto de 2008. Disponivel em http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/piaui/r_petit.html

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