segunda-feira, 10 de março de 2025

José Feldman (A Pimenta da discórdia)

Era uma tarde chuvosa na pequena casa de Dona Elza. Ela estava na cozinha, concentrada em preparar seu famoso ensopado. Com um avental florido e uma colher de pau na mão, ela mexia os ingredientes quando seu marido, Seu Manoel, entrou com um olhar curioso.
 
— O que você está fazendo, minha querida? — perguntou Manoel, coçando a cabeça.
 
— Estou fazendo ensopado, Mané. Você sabe, o seu favorito! — respondeu Elza, sorrindo.
 
— Ah, sim! E eu posso ajudar? — ele disse, já se aproximando da mesa de temperos.
 
— Claro, amor! Só não mexa nos potes, por favor — advertiu ela, lembrando-se de algumas tentativas anteriores.
 
Manoel começou a olhar e mexer nos potes, mas logo se deparou com um dilema.
 
— E a pimenta? Onde está? Você já colocou?
 
— Coloquei sim! — disse Elza, sem muita certeza.
 
— Tem certeza? O que você acha que é essa cor aqui? — apontou ele para o ensopado.
 
— Mané, isso é o colorau! — ela riu, balançando a cabeça. — Você ainda lembra o que é pimenta?
 
— Ah, estou certo de que não colocou... — ele murmurou.
 
— Então, vamos colocar mais um pouco, só para garantir! — decidiu Elza, pegando o frasco de pimenta.
 
— Espera! — Manoel gritou. — E se já tiver? E se ficarmos com a boca em chamas?
 
— Mané, você está exagerando! A comida não vai explodir! — ela riu, já despejando uma boa quantidade.
 
— Ok, ok! Mas se eu não conseguir sentir o gosto depois, a culpa é sua! — ele retrucou, cruzando os braços.
 
Após o tempero, Dona Elza serviu o ensopado fumegante em dois pratos. Ambos se sentaram à mesa, ansiosos para experimentar a refeição.
 
— Vamos lá! — disse ela, pegando a colher. — Um brinde ao nosso jantar!
 
— Ao nosso jantar! — replicou Manoel, levantando o garfo.
 
Os dois deram a primeira colherada ao mesmo tempo. O silêncio pairou por um momento, até que Manoel começou a chorar.
 
— O que foi, Mané? Está tudo bem? — perguntou, preocupada.
 
— Eu... estou... — ele tentou falar, mas as lágrimas escorriam. — Está muito forte! Parece que coloquei fogo na boca!
 
— O que você esperava? — disse ela, tentando conter o riso. — Você mesmo insistiu que não sabia se a pimenta já estava lá!
 
— Agora eu sei! — ele respondeu, fazendo caretas. — Eu não vou conseguir comer isso!
 
— Que bom que você decidiu ajudar! — Elza brincou, servindo-se de um copo de água. — Deixa que eu cuido do jantar da próxima vez.
 
Manoel, ainda ofegante, sorriu e levantou o copo.
 
— Então, um brinde à pimenta esquecida e ao nosso amor!
 
— E que nunca mais esqueçamos onde a pimenta está! — Elza completou, rindo.

 
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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