sexta-feira, 7 de março de 2025

Monsenhor Orivaldo Robles (O desperdício)

Faz anos, era véspera do aniversário de meu afilhado, criança dos seus quatro ou cinco anos. A comadre surpreende-o atirando ao lixo um monte de brinquedos. “Que é isso, filho?”. A resposta desconcerta-a: “Ah, mãe, amanhã é meu aniversário. Vai vir tudo novo”. A comadre não alisa. Faz desabar sobre o pequeno um sermão a respeito de crianças pobres, que se sentiriam felizes com um só daqueles brinquedos que ele estava jogando fora. O compadre reforça a bronca. Conta de sua infância na zona rural. Com os irmãos fabricava os próprios brinquedos utilizando carretéis de linha usados, sarrafos de madeira, vidros de remédio vazios e outras peças. “O pai e os tios, meu filho, nem sonhavam com um brinquedo desses que enchem o seu quarto. Um só já nos tornaria felizes. Mas a gente não tinha dinheiro”. Confrange-se o coraçãozinho do garoto. Ele cai num pranto sentido, que pai e mãe precisam consolar.

Dias depois, na pia da cozinha aparece aberto um potinho de iogurte quase cheio. A repreensão vem na hora: “Filho, se você não aguentava tomar um inteiro, por que abriu? Quantos pobrezinhos desejam um iogurte...” Rápido, ele corta o discurso: “Ih, pai, não vem de novo com esse papo dos pobres, que outro dia eu fui obrigado a chorar por causa deles”.

A cena acontece todos os dias numa infinidade de lares brasileiros. Infelizmente, nem todos os pais são educadores como o compadre e a comadre. Boa parte se preocupa com cortinas, camas, sofás e roupas. Cuidam que restos de comida ou bebida não os emporcalhem. Cuidado cosmético, beleza externa para os outros verem, só isso.

O desperdício é hábito generalizado, que importa combater desde cedo. A criança não tem ideia do uso correto das coisas. Não sabe se está gastando muito ou pouco. Precisa de orientação sobre o sentido exato de quantidades e valores. Senão, vai se acostumar com o esbanjamento. Se os pais não transmitem, também no consumo, noções de disciplina – pior, se eles mesmos dão exemplo de gastança irresponsável –, será difícil corrigir vícios arraigados no povo.

O opúsculo “Exigências evangélicas e éticas de superação da miséria e da fome”, publicado em abril de 2002 (Documentos da CNBB – 69), ensina, já no subtítulo: “Alimento, dom de Deus, direito de todos”. O acesso à comida de qualidade e em quantidade suficiente é direito de toda pessoa, de qualquer condição, em qualquer lugar do planeta. Como se tornar gente, na plenitude do termo, sem poder se alimentar?

A este absurdo chegamos: países cheios de pessoas doentes por comerem em excesso, enquanto em outros a população vem sendo exterminada pela fome. Dentro do Brasil convivemos com ambas as situações. Temos gente desperdiçando, ao lado de quem não possui o necessário para comer.

O problema vem de longe. Não será resolvido da noite para o dia. Mas é preciso que todos se sintam comprometidos. Não adianta ficar lançando a culpa nas costas dos outros. Para o faminto pouco importa quem provocou a fome. O que ele quer é comida.

Nas propostas concretas, sugerem-se medidas possíveis, algumas bem simples, como “educar para o melhor aproveitamento do alimento produzido, evitando todo o desperdício”.

É urgente começar dentro de casa, educando as novas gerações. Como, desde muito, fazem os compadres.
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MONSENHOR ORIVALDO ROBLES nasceu em Polôni (SP) em 1941. Estudou em Jales e Poloni e ingressou no Seminário Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto, em 1953. Cursou Filosofia em Curitiba (PR), graduando-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Mogi das Cruzes SP, com diploma reconhecido pela USP, São Paulo. Graduou-se em Teologia no Studium Theologicum de Curitiba, afiliado à Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma. Lecionou no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, e no Instituto de Educação, em Maringá (PR) (1967-1969). No Colégio Estadual e na Escola Normal de Paranacity (PR) (1970-1972). Por quase onze anos trabalhou como pároco de Marialva, de onde saiu no início de 1983 para assumir, por seis anos, o cargo de reitor do Seminário Arquidiocesano Nossa Senhora da Glória - Instituto de Filosofia de Maringá. Em 1989 assumiu a Paróquia Santa Maria Goretti, em Maringá, onde trabalhou por mais de 20 anos. Desde 2009, trabalhou na Catedral Metropolitana de Maringá, exercendo a função de vigário paroquial. Foi palestrante convidado a discorrer, em colégios ou outros núcleos humanos, sobre temas ligados à cidadania, formação pessoal e sobre ética pessoal ou pública. Em 2012 teve publicado o livro "Celeiro Desprovido", com 270 páginas, contendo 118 crônicas e artigos escritos desde 1995. Em 2017, foi publicado o livro dos 60 anos da Diocese de Maringá. Foi articulista mensal ou semanal, por mais de quinze anos, de jornais editados em Maringá, além de ter matérias reproduzidas em revistas ou blogs da região.Faleceu de enfisema pulmonar, em 2019, em Maringá/PR.

Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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