segunda-feira, 24 de março de 2025

Eduardo Affonso (Conceição)

Tom Jobim era fã de Villa-Lobos, e um dia conseguiu ser apresentado ao seu ídolo.

— Villa, este é o Antônio Carlos Jobim, autor da música da peça “Orfeu da Conceição”.

— Ah, sim! – disse o maestro. E, querendo demonstrar que já tinha ouvido falar do moço, cantarolou “Conceição / eu me lembro / muito bem” — fazendo uma “pequena” confusão entre a obra de Tom e Vinícius e a canção de Dunga e Jair Amorim, imortalizada pelo Cauby Peixoto.

A gafe do maestro me faz pensar que não se fazem mais Conceições como antigamente.

Na lista dos cinquenta nomes femininos mais usados no Brasil, aparecem Agatha, Ayla, Gabrielly, Emily e Isabelly, mas não Conceição – que talvez não figure nem nos “Top Thousand”.

Nomes vêm e vão.

Conceição foi e não voltou.

Sumiu.

Ninguém sabe, ninguém viu.

Há muito uma Conceição não brinca de boneca, não usa o primeiro sutiã, não arruma o primeiro namorado.

Não parece mesmo adequado a uma menininha um nome tão aumentativo, tão encorpado.

Conceição é nome de mulher já adulta — “mulher feita”, como se dizia no tempo em que nasciam Conceições.

Porque Conceição (“aquela que concebe”) é nome de mãe.

É o nome da minha mãe.

Sempre me soou a nome de gente humilde, do tipo que batiza os filhos de acordo com o santo do dia (ela não nasceu no dia de Nossa Senhora da Conceição, mas foi nesse dia que deu à luz sua filha — o dia em que foi mais mãe).

O Orfeu negro de Tom e Vinícius poderia ter sido da Silva, dos Santos, mas foi “Orfeu da Conceição” o poeta cuja lira emudecia os pássaros e vivia no morro a sonhar com o amor eterno de Eurídice — coisa que o morro não tem.

Esse “da Conceição” o arrancava da mitologia grega e lhe punha os pés no chão, lhe conferia mais humanidade, o trazia para o Rio de Janeiro, e preparava as rimas que viriam das cordas do seu violão (numa manhã — tão bonita manhã – de Carnaval).

Talvez haja, no mais profundo Brasil – aquele onde ainda são geradas as marias das dores, do perpétuo socorro, da natividade, da agonia, da anunciação – uma ou outra pirralha adornada com esse nome.

Talvez não.

Conceição é um nome em extinção.
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EDUARDO AFFONSO, Arquiteto mineiro de Belo Horizonte, 1950. Colunista do jornal O Globo. Coordena a Oficina Literária Eduardo Affonso, voltada para cronistas. Participa do coletivo literário Flique Nenhum livro publicado.

Fontes:
Texto e imagem obtidos no blog de Eduardo Affonso. 30 janeiro 2025.
https://tianeysa.wordpress.com/2025/01/30/conceicao/

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