quinta-feira, 27 de março de 2025

Vereda da Poesia = 234 =

 

Soneto de 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

SECA...

O sol delira! Abrasa! A terra exangue
abre os lábios sedentos! Sem valia,
os rios secam, veios nus, sem sangue,
sugados pelo solo em agonia!

Pele crestada, passo frouxo e langue,
o retirante segue... tem por guia
uma esperança de que o céu se zangue,
lançando sobre a terra a chuva fria!

Chovesse... e voltaria ao mesmo beco...
que enfrentar a caatinga é seu destino!
Mas a chuva não vem... O pranto é seco!

Reza!... O sol, em delírio, mais abrasa!
O céu rubro gargalha! E o nordestino
parte... deixando a própria alma em casa!
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Poema de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

QUANDO

Quando o fogo destes versos consumir
teus segredos, virtudes e pecados,
eu estarei à margem do caminho
qual Prometeu furtivo te espreitando
para roubar a chama imorredoura
que arde na redoma indestrutível
do teu peito risonho de criança.

 Quando a fome do amor comer meus olhos
impedindo-me de ver as mariposas
que copulam sobre as pétalas noturnas
de um rubro girassol filosofal,
tu estarás oculta entre as miragens
de um sonho metafísico gravado
numa canção latino-americana.

Então, quando isso tudo acontecer,
não seremos , simplesmente, macho e fêmea:
seremos sementes de vida e esperança
a germinar nos campos da existência,
a florescer no amor e dar ao mundo
os cobiçados pomos da poesia.
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Soneto de
PAULO R. O. CARUSO
Niterói/RJ

ÀS TUAS JABUTICABAS

O teu olhar de marabá me apresentou
um mundo novo de alegrias e de amor
que até então eu jamais vira com candor
tão denso assim, porquanto Deus me abençoou!

As frutas nobres com que o Pai te galhardeou 
na porcelana dos teus pratos com alvor
eu beijo sempre acalentado usando o ardor
que o bom frecheiro há muitos anos me entregou.

Jabuticabas mui maduras mergulhadas
em meio ao leite nos teus pratos tão morninho
são-me um colírio duplicado com carinho!

Jabuticabas - ó Jesus! - abençoadas
que eu amo tanto, como pérolas douradas
de ostras de atol de um céu azul: do amor um ninho!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Quando eu era galo novo
comia milho na mão.
Hoje eu sou galo velho
cato com o bico no chão.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

ONDE ESTÁS

É meia-noite. . . e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Por meus cabelos fugaz:
"Vento frio do deserto,
Onde ela está? Longe ou perto?
" Mas, como um hálito incerto,
Responde-me o eco ao longe:
"Oh! minh'amante, onde estás?...

Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
Vem reclinar-te em meu peito
Com teu lânguido abandono!...
'Stá vazio nosso leito...
'Stá vazio o mundo inteiro;
E tu não queres qu'eu fique
Solitário nesta vida...
Mas por que tardas, querida?...
Já tenho esperado assaz...
Vem depressa, que eu deliro
Oh! minh'amante, onde estás?..

Estrela—na tempestade,
Rosa—nos ermos da vida,
Iris—do náufrago errante,
Ilusão—d'alma descrida!
Tu foste, mulher formosa!
Tu foste, ó filha do céu!...
. . . E hoje que o meu passado
Para sempre morto jaz...
Vendo finda a minha sorte,
Pergunto aos ventos do Norte...
"Oh! minh'amante, onde estás?..."
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

Porque dizes não quando pensas sim?
É timidez, medo do que eu possa dizer?
Sabes que os teus olhos se focam em mim
Lês tudo o que eu não consigo escrever

Nas entrelinhas dos meus versos
Existe um segredo que se esvai no nevoeiro
Todas as palavras inversas se cruzam
Todos os medos ficam pendurados no bengaleiro

Estou protegida quando chove
Quando ninguém me vê no nevoeiro
Não sou D. Sebastião
Sou mais guerreira!
Não desaparecia do nada para a vida inteira!

Quero ser tudo o que sonho
Sim! O impossível vive em mim!
Perco-me no horizonte e amo o infinito
Sei que o amor é e será assim…
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Cai a tarde mansa.
No por do Sol, no poente,
sombras de esperança!
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

O QUE SOMENTE UM LOUCO HÁ-DE SONHAR
(Verso de Fernando Valente Sobrinho)

O que somente um louco há-de sonhar
Uma criança alegre há-de sorrir
Um pobre velho e triste há-de pedir
E um gênio criativo há-de inventar.

Só o que um braço forte há-de alcançar
Uma vontade férrea há-de exigir
Um coração fraterno há-de servir
E a Virgem milagrosa há-de escutar.

Só irei confiar ao meu poema
O brilho puro que há num diadema
E o bem maior que houver dentro do peito.

Mas como é grande a minha pequenez
E de engenho é maior inda a escassez
O poema nunca há-de ser perfeito.
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Soneto de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

MUNDO INTERIOR

Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.
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Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Talvez a velha saudade
seja apenas um embalo
do vento olhando a lua.
O rascunhar de um poema
nas estrelas, o sorriso
desenhado, o pranto solto,
quem sabe o doce bailar
das águas idolatrando
o amor, cálido, sereno,
na sua poesia nua.
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

VIVENDO A DOIS

Recordo, com saudade, a caminhada
que fizemos ao longo desta vida.
Curtimos nosso amor na madrugada,
sem medo de cansaço na subida.

O tempo foi passando em disparada,
como a brisa que sopra na avenida,
e a ventura chegou tão encantada
que nos levou à Terra Prometida.

Andamos devagar pelos caminhos,
trocamos beijos como os passarinhos
e nos amamos com intensidade.

Mas, quando terminar esta jornada,
serás ainda a minha doce amada,
pois te amarei por toda a eternidade!
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Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Saudade?
Ela é assim
como se fosse
uma ex-felicidade. 
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Dobradinha Poética de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

LAR... DOCE LAR…

Volto à casa, que "era minha",
risco a calçada e, feliz,
vou pular amarelinha
mas, o pranto apaga o giz!
* * *

Hoje, saudosa, eu volto ao lar antigo
e escancarando a porta semiaberta,
procuro em vão... vasculho o doce abrigo...
Nem pai... nem mãe... a casa está deserta!

E volto ao lar, que dividi contigo...
- Vaivém dos filhos, pela porta aberta...
- Visita alegre de um ou de outro amigo...
E, hoje, é a saudade que o meu peito aperta.

Mas, por deixar pegadas nos caminhos,
não fiquei só!... Cercada de carinhos,
eu sou feliz!... Se volta o sonho louco

do teu amor, acalmo o coração
pois, ao sentir que chega a solidão,
no amor dos filhos eu te encontro um pouco.
= = = = = = = = =  

Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

VENERAÇÃO

Teus contornos gentis, das quimeras senhores
Embebedam de ardor o meu sôfrego peito
Deslumbrado, decanto o desenho perfeito
Donde vertem, querida, aprazíveis olores

Dominou-me a paixão... Ah, confesso que quero
Desse aroma provar saborosos açoites
Te entregar minhas mãos em miríficas noites
Tua pele sentir... O teu corpo venero!

Desde que tu deixaste essa marca escarlate
Impregnaste dulçor nos meus lábios felizes
Transformando em refém da loucura este vate

Com teu vívido olhar maravilhas me dizes
D'alegria fizeste o mais pleno resgate
Não sem causa do amor me deitaste raízes
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Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

DEPOIS DO VOO

Soletro-me.
Descubro-me cheia de hiatos e vocativos.
Já não sou o mesmo texto,
atravessaram-me  as  reticências
e a nudez de cada espaço, rege o compasso
das incertezas.
Descubro-me sobre barrancas ressequidas
e mergulho no rio que me atravessa.
Não satisfaço a minha secura,
minha  sede tem forma e nome.
Faço uma nova leitura, viagem que não cessa.
Nas entrelinhas o voo, o silêncio.
Meus sentimentos pedem renascimento,
mas  estou estagnada, sem coragem de me recriar.
Até  o verbo amar já não me é mais cortês.
Apenas me restaram  as  metáforas.
Depois do voo.
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

A MAGIA DA PRESENÇA

A nossa triste solidão mais egoísta
tira da lista os amigos mais fiéis...
É sempre assim que a gente perde o que conquista,
pois nossa lista passa a ter poucos viés.

São tão cruéis as solidões propositais,
matam a paz de quem escolhe o abandono
e ter um pouco só de amor nunca é demais, 
porque a dor é que nos faz perder o sono. 

Por mais que a voz chegue gritante ou digitada,
nunca diz nada, comparada à  companhia,
porque a magia da presença inusitada

é iluminada  pelas cores fraternais 
que são capazes de enfeitar de fantasia,
essa alegria que nos torna tão... iguais.
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Poema de 
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

A PRÁTICA DO BEM

Fazer o bem não implica
Ser de posses detentor,
O Divino Mestre explica
Que o maior bem é o amor!

Vamos repartir o pão
Nas pegadas de Jesus,
Passemos pra nosso irmão
Amor em troca de  Luz!

Pratica o bem sem a busca
De vantagens decorrentes,
Visto que a ganância ofusca
As ajudas aparentes!

Faz o bem sem manifesto,
Dá sem olhar para quem.
Cada qual recebe o gesto
Com o coração que tem!

Elimina a ostentação,
Vê quem tem necessidade;
Só teremos salvação
Praticando a caridade!
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

MEU CHÃO

Maravilhoso, o meu país inteiro:
o manto verdejante que o reveste,
o sul friento, as praias do sudeste;
Copacabana, o Rio de Janeiro...

Sou capixaba, filho de mineiro,
neto de avô que amava o chão do agreste,
amante da cultura do nordeste;
grato por ter nascido brasileiro!...

Mil vidas eu tivesse, com certeza,
eu pediria aos céus, a gentileza 
de conversar com Deus, o Pai gentil...

E, se possível, todas outras vidas,
ao seu humilde servo, concedidas,
de preferência, fossem no Brasil!
= = = = = = = = =  

Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

NOITE

Úmido gosto de terra,
cheiro de pedra lavada
— tempo inseguro do tempo! —
sombra do flanco da serra,
nua e fria, sem mais nada.

Brilho de areias pisadas,
sabor de folhas mordidas,
— lábio da voz sem ventura! —
suspiro das madrugadas
sem coisas acontecidas.

A noite abria a frescura
dos campos todos molhados,
— sozinha, com o seu perfume! —
preparando a flor mais pura
com ares de todos os lados.

Bem que a vida estava quieta.
Mas passava o pensamento...
— de onde vinha aquela música?
E era uma nuvem repleta,
entre as estrelas e o vento.
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