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quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Conto do Afeganistão (A Última Vontade do Rei Hibbam)

Naquele tempo, em Mokala, reinava o poderoso Hibban, um dos mais vaidosos monarcas que têm vivido em todos os tempos. Sua preocupação única era imitar os imperadores célebres e os vultos notáveis da História.

Ouvira ele contar que os soberanos mais famosos do mundo pronunciaram sempre, antes de morrer, palavras que se tornaram célebres. E não poderia ele, também glorificar a sua morte pronunciando uma frase notável, digna de figurar nos anais da História, uma frase fulgurante que ficasse perpetuada, através dos séculos, pela Fama e pela Glória? Mas qual seria? Que deveria ele dizer aos súditos mokalenses no derradeiro momento de sua vida? Um conselho? Uma imprecação? Um pensamento famoso?

Na dúvida - e como não lhe ocorresse uma ideia aproveitável - mandou o rei Hibban chamar o seu talentoso secretário Salin Sady, homem de sua inteira confiança, e contou-lhe, pedindo-lhe absoluto segredo, o grande desejo de sua vaidade doentia. Depois de meditar algum tempo, o digno secretário respondeu:

- Conheço um verso de Masuk, o célebre poeta kurdo, que é magistral! Se pronunciar esse verso em dialeto kurdo, fará uma coisa original, nunca vista. Ademais, o verso a que me refiro, exprime um desejo nobre, um pensamento genial, digno de um verdadeiro rei.

- É exatamente um verso emocionante que mais me agrada e que melhor poderá servir ao rei de Mokalla. Mas qual é, afinal, o verso do grande Mazuk? Quero decora-lo.

E o inteligente Salin Sady ensinou ao bom monarca o verso magistral de Mazuk, o maior dos poetas do Afeganistão:
'Naib aq vast y harde nosteby katib.'

Cuja tradução (declarou Sady) seria: 'Esquecei meus erros, pois só errei com a intenção de acertar'.

Guardou o rei Hibban de memória o verso. Um dia sentindo-se muito doente, mandou chamar seus conselheiros, vizires, cadis e todos os grandes dignitários do reino e pronunciou sua última vontade, bem alto, devagar e solene para que todos ouvissem. E tão violenta comoção daquele momento, que o vaidoso rei morreu.

A cena impressionou profundamente a todos os presentes.

- Mas o que tinha dito o Rei Hibban? - perguntavam uns aos outros, pois ninguém conhecia o complicado dialeto kurdo.

Dez escribas registraram palavra por palavra, traduzida depois pelos doutores mais ilustres de Mokala. A tradução caiu como uma bomba no meio da nobreza. Puderam todos verificar, com assombro, que o poderoso rei, senhor de Mokala, havia dito, apenas o seguinte:
'Deixo tudo o que tenho para o meu bom secretário!

Fonte:

quarta-feira, 6 de março de 2013

Mevlana Jalaluddin Rumi (Poesias da Pérsia Antiga)

O CORAÇÃO e A ALMA
A brisa da manhã trouxe-nos uma mensagem:
Viste tu no caminho um coração pleno de fogo,
Viste tu este coração abraçado e cheio de paixão
Que incendeia cem rochedos de sua chama?

A VISÃO

Quem terá visto algo que em realidade existe, mas não se manifesta?
Quem terá visto o que se manifesta no coração, mas não repousa nos lábios?
Quem terá visto aquele que é a realidade do mundo, mas não se encontra no mundo?
Quem terá visto na existência e na não-existência uma tal não-existência?

A CASA DE HÓSPEDES

O ser humano é uma casa de hóspedes.
Toda manhã uma nova chegada.

A alegria, a depressão, a falta de sentido, como visitantes inesperados.

Receba e entretenha a todos
Mesmo que seja uma multidão de dores
Que violentamente varrem sua casa e tira seus móveis.
Ainda assim trate seus hóspedes honradamente.
Eles podem estar te limpando
para um novo prazer.

O pensamento escuro, a vergonha, a malícia,
encontre-os à porta rindo.

Agradeça a quem vem,
porque cada um foi enviado
como um guardião do além.

NO AMOR…
"Sai do círculo do tempo
e entra no círculo do amor.
Desce à rua das tavernas
e senta entre os beberrões.

Se queres a visão secreta,
fecha teus olhos.
Se desejas um abraço,
abre teu peito.

Se anseias por uma face com vida,
rompe este rosto de pedra.
Por que hás de pagar o dote da vida
a essa velha bruxa, a terra?

Mil gerações já gozaram
do que agora tens.
Prova a doçura em tua boca
que antes foi flor, abelha e mel.

Vamos, aceita esta pechincha:
dá uma única vida
e leva uma centena."
––––––––––––––-

"Existe melhor solução que a loucura?
Cem âncoras despedaçadas por causa da loucura.

Quantos pela razão se tornaram infiéis?
Alguém jamais viste infiel por loucura?

A tristeza engordou, então vai, torna-te louco,
A tristeza definha por causa da loucura.

À taverna aonde vão os loucos de amor,
Vá logo, e toma da taça oferecida pela loucura.

Infelizes, foram eles, e sem nenhum proveito,
Os sultões turcos, privados da loucura.

Felizes e vitoriosos, amados da fortuna,
os ginetes guerreiros, por causa da loucura.

Tu sobes aos céus, semelhante à Jesus,
Se tens por auxílio a pluma da loucura.

Ó tu, Chams de Tabriz, impelido por teu amor,
Cem portas se me abriram pela loucura”

TREZE POEMAS

I
As palavras, mesmo que venham da alma,
ocultam a alma, como a névoa pairando sobre o oceano
cobre a costa, os peixes, as pérolas.
É um trabalho nobre construir discursos filosóficos coerentes,
mas eles bloqueiam o sol da verdade.
Veja as qualidades de Deus como um oceano
e este mundo como a espuma sobre a pureza delas.
Limpe a superfície e veja além do alfabeto direto para a essência,
assim como você faz com os cabelos
que cobrem os olhos de sua amada. 

Eis o mistério: esse mundo complexo e surpreendente
é a prova da presença de Deus
mesmo estando cobrindo a beleza.
Um floco da parede de uma mina de ouro
não dá muito a ideia de como é quando
o sol brilha lá dentro e torna o ar e os trabalhadores dourados.

II

Você é o amanhecer que chega no meio da noite,
fios de cabelo de música preenchendo a flauta,
a compreensão entrando através do ouvido e do olho,
o perfumado vapor do sabonete.
Sinais e instruções específicas articulam-se de você,
ensinando-nos novas maneiras de peregrinar.
Perguntar por que e como já não é mais correto.
Digamos que a alma é como os pés de uma formiga,
ou a água do mar, amarga e salgada,
ou uma cobra que tem também o antídoto
para o seu veneno em seu crânio:
nós rompemos através destas formas enigmáticas
para nos sentar em sua sombra da manhã.

III

Este momento maravilhoso, o gosto do nada,
na companhia dos pobres e dos vazios.
Sente-se com Bistami, não com algum adivinho.
Existem mais do que dois feriados no ano!
Nós celebramos um nascimento e um solstício a cada segundo.
Recém-nascidos, precisamos de pão fresco!
A vida cresce dos mortos,
da mesma forma que os vivos são levados para a morte.
Ramos secos para o fogo:
galhos verdes curvam-se no chão com os frutos;
o prazer preenche o seio de uma mãe:
coloque sua boca ali e mame. Você deve.
Fiz muitos discursos elegantes para a assembleia.
Agora é hora de andar lá fora e ficar em silêncio.
Shams me atrai para as palavras, depois dois dias de silêncio.

IV

O cantor canta sobre o amor,
até que o Amigo aparece na soleira da porta.
A fumaça da cozinha flutua para as nuvens
e se torna um vinho de mil anos.
Estou aqui,
não calculando o crédito acumulado ou com especulações futuras.
Sou a vinha e o barril onde as uvas são esmagadas,
toda a operação cuja transação despeja esta taça de vinho,
este momento, este poema.
Um homem se depara com a bagagem,
papeis da casa, arrependimento e desejo,
não sabendo para qual tender.
Nenhum deles.
Depois que você tiver visto a face, as preocupações mudarão,
assim como a água do lago torna-se bruma.

V

O amor está vivo e alguém recebendo seu suporte
está mais vivo do que os leões rugindo
ou que os homens com uma coragem feroz.
Bandidos armam emboscadas uns para os outros na estrada.
Eles conseguem riqueza, mas permanecem em um só lugar.
Os amantes ficam se movendo,
nunca o mesmo, nem por um segundo!
O que faz os outros chorarem eles apreciam!
Quando eles parecem bravos eles não acreditam em suas faces.
É um raio da primavera, uma piada diante da chuva.
Eles mastigam espinhos até o fim juntamente com a grama do pasto.
Gazelas e leões jantando.
O amor é invisível exceto aqui em nós.
Às vezes louvo o amor, às vezes o amor louva a mim.
O amor, uma pequena concha
em algum lugar do fundo do oceano,
abre sua boca. Você e eu e nós, esses seres imaginários,
entram na concha como um único gole de água do mar.

VI

 Você veste uma lã grosseira, mas você é um rei,
assim com a energia da alma se esconde,
 como o amor se lembra.
Você entra nesta sala numa forma humana
e como a atmosfera que respiramos.
Você é o polo central através dos nove níveis
conectando nós e eles a absoluta ausência.
Para que possamos obter o que queremos
você dá falha e frustração.
Você quer apenas a companhia do leão e seu filhote,
não de pernas vacilantes.
Aquele homem ali que você sugere
deve remover sua cabeça antes de entrar no templo.
Então ele poderá ouvir sem ouvidos a voz que diz:
Minha criatura.
A estrada que leva um mês para ser percorrida
você cobre essa distância em um dia.
Não ligue para pagamentos de ouro e prata.
Quando sentir-se generoso, dê a sua cabeça.
Minha beleza, você não precisa de um guia.
Aquele que segue e aquele que lidera são inseparáveis,
assim como a lua e o círculo ao seu redor.
Um árabe arrasta seu camelo de cidade em cidade.
Você segue através de seus problemas e mudanças de crença,
ambos não são diferentes da lua movendo-se
ou do manjericão crescendo e sendo cortado para um buque.
Não importa que você tem estado perdido.
A poupa ainda está lhe procurando.
É um novo começo, meu amigo,
esse acordar numa manhã sem neblina
e a ajuda chegar sem você pedir!
Uma taça submersa está girando dentro do vinho.
Com o pesar mandado para longe chega uma doce gratidão.

VII

Para a ausência o incenso queima perfumado.
O amor que sentimos é a fumaça disso.
 A existência é pintada pela não existência – sua fonte,
o fogo por trás da tela.
A fumaça nascida desse fogo esconde o fogo!
Passe através da fumaça.
A alma, um rio um movimento,
o corpo, o leito do rio.
A alma pode quebrar o círculo do destino e do hábito.
Segure as mãos da ausência
e deixe-a o levar através das Plêiades,
abandonando seco e molhado, quente e frio.
Você se tornará um confidente de Shams de Tabriz.
Você verá claramente a glória do nada
e inexplicavelmente permanecerá ali.

VIII

Veja como o desejo mudou em você,
O quão leve e sem cor ele está,
Com o mundo gerando novas maravilhas
Por causa de sua mudança.
Sua alma tornou-se uma abelha invisível.
Não vemo-na trabalhando, mas ali está uma colmeia inteira!
Seu corpo mede por volta de um metro e tanto,
mas sua alma eleva-se pelos nove níveis do céu.
Um barril arrolhado com terra e uma estaca de madeira bruta
Mantém em seu interior o mais velho vinho da vinha.
Quando lhe vejo, não é tanto a forma física,
mas a companhia de dois cavaleiros,
sua devoção de puro fogo e seu amor por aquele que lhe ensina;
em seguida o sol e a lua um passo atrás.

IX

Para um dervixe todos os dias são como sexta-feira,
como o início de um feriado,
Um começo de uma viagem que não terá fim.
Vestido na beleza da alma, você é um mês todo de sextas-feiras,
Doce lá fora, doce aqui dentro.
Sua mente e seu ser profundo caminham juntos
como dois amigos caminham para dentro de sua amizade.
As ruínas não permanecem no lugar num riacho que corre rápido.
Deixe os ressentimentos serem lavados no oceano.
O olho de sua alma assiste um ramo verde da primavera mover-se,
enquanto que esses outros olhos amam velhas histórias.

X

Siga o conselho de janeiro. Empilhe a lenha.
O tempo ficará frio inevitavelmente
e você fará fogo para permanecer saudável.
Estude a grande metáfora desse trabalho anual.
A lenha é um símbolo para a ausência.
O fogo, para o seu amor por Deus.
Nós queimamos a forma para aquecer a alma.
A alma ama o inverno, por isso ela aceita relutantemente
o conforto da primavera com suas dádivas elegantes e proliferastes.
Tudo é parte do plano: o fogo virando cinzas,
virando o solo do jardim, virando hortelã, salgueiro e tulipa.
O amor se parece com o fogo. Alimente-se nele.
Seja a lareira e a lenha.
Parabéns por essa metalurgia que faz uma agulha de uma barra de metal fundido.
Acalme o fogo agora: para a mariposa uma janela,
para você uma armadura de rosas!
O faraó dissolve como iogurte na água.
Moisés vem para o topo como óleo.
Árabes finos carregam a realeza.
Cavalos, os sacos de esterco seco.
A linguagem é um barulho irritante no moinho do significado.
Um rio silencioso gira a pedra de moer.
As palavras-grão são ruidosamente despejadas na esteira,
pulverizadas sob a pedra como fofoca.
Deixe este poema ser assim moído.
Deixe-me retornar para o fogo do amor
que refina o puro ouro de meu amigo, Shamsuddin.

XI

Vejo minha beleza em você. Torno-me um espelho
que não pode fechar os olhos para o seu anseio.
Meus olhos molhados com os seus na luz do alvorecer.
A cada momento minha mente dá a luz, sempre concebendo,
sempre no nono mês, sempre no ponto. Como aguento isso?
Tornamo-nos estas palavras que dizemos,
o som de um pranto movendo-se no ar.
Estes milhares mundos que surgem de lugar nenhum,
como pode sua face contê-los?
Sou uma mosca no seu mel, então mais perto,
uma mariposa pega na fascinação da chama,
depois um céu vazio estendido em homenagem.

XII

A lua vem visitar como um convidado da noite.
A rosa senta-se ao lado do espinho.
Alguém lavando roupas pede pela misericórdia do sol!
O compasso da perna circula o ponto.
Maomé chega aqui, um estranho,
uma nascente para esta árvore seca.
Hallaj sorri em sua cruz.
A romãzeira floresce. Todos falam sobre as folhagens,
não com palavras mas quietamente
de mesma forma que o próprio verde fala de dentro,
conforme começamos a viver nosso amor.

XIII

Estou aqui, neste momento, dentro da beleza,
o presente que Deus deu, nosso amor:
este sinal circular e dourado
significa que estamos livres de qualquer dever:
da eternidade volto minha face para você
e para dentro da eternidade:
temos estado apaixonados todos esse tempo.

Fontes:
http://poesiaexpressaodaalma.blogspot.com/search/label/Jalal-ud-Din%20Rumi
http://ricardo-yoga.blogspot.com/2012/05/jalaluddin-rumi-treze-poemas.html

Mevlana Jalaluddin Rumi (1207 – 1273)

Mevlana Jalaluddim Rumi nasceu em Balk, antiga Pérsia e atual Afeganistão, em setembro de 1207. Seu pai, Bahauddin Walad, foi um dos maiores eruditos de seu tempo, conhecido como Sultan Ulema, o Sultão dos Sábios e teve influência decisiva na formação de Rumi.

Na iminência da invasão mongol, Bahauddim migrou ao longo de alguns anos com sua família. Durante essa peregrinação, Rumi - em sua infância e adolescência - presenciou o encontro de seu pai com grandes mestres do Sufismo, como Faraddudim Attar.

Havia uma disputa entre os sultões e califas pela presença de seu Pai. Todos queriam construir Madrassas (escolas) para acomodar Bahauddin e sua família, e manter em suas cidades esta grande eminência. Mas foi em Konia, na antiga Anatólia e atual Turquia, que Bahauddim e sua família se estabeleceram.

Rumi passou por uma formação clássica que abrangia todas as áreas de conhecimento Islâmico. Ele estudou Gramática, Jurisprudência, Comentário Corânico, as tradições do Profeta, Teologia, Filosofia, Matemática, Astronomia, e foi introduzido ao conhecimento e prática do caminho Sufi. Foi enviado por seu pai às melhores escolas e logo, passou a ser reconhecido pela profundidade e brilhantismo de sua compreensão.

Com a morte de seu pai, Rumi assumiu a sua madrassa aos 24 anos. Ele era reverenciado por todos seus discípulos, e a população em Konia o chamava de Mevlana (nosso mestre).

Para compreender melhor a influência de Bahauddim sobre Rumi, segue abaixo um trecho de seu livro, o Maarif:

Se Deus diz ‘Nós’, significando EU SOU, então qualquer pronome que eu utilize se torna supérfluo. As designações caem como pétalas. A sabedoria vem e eu sinto tamanho deleite a me transbordar, que temo perder meus sentidos frente a isto. Eu digo a mim mesmo: amante, amado e os outros caminhos do amor não são uma única coisa?

Da mesma forma com os atributos Divinos e os seres humanos, existe a unidade no Amor. No coração não existe espaço para diferenciação, somente unidade e o Amado. Eu desistiria de livros e posses, das minhas virtudes e reputação, tudo por um único momento dentro desta presença.

Após a morte de Bahauddim, seu antigo discípulo Burhaneddin, veio a Konia para completar o treinamento de Rumi. E durante muitos anos, mesmo mantendo a madrassa e seu papel na comunidade, Rumi devotou-se a Burhaneddin e já demonstrava o desenvolvimento do elemento que iria tornar-se central em sua vida, a compreensão do papel do Mestre, Amigo e companheiro de Jornada como reflexo da Perfeição e do Amor Divino.

Após a morte de Burhaneddin, sentindo-se maduro, Mevlana assume integralmente seu papel na madrassa como Mestre, e sua fama e renome espalham-se para além das fronteiras de Konia.

E então surge Shamsuddim Tabriz, o homem que iria transformar Mevalana Jalaluddin Rumi no mestre que renovou o caminho místico e influenciou outros professores e escolas além das fronteiras do Sufismo ou do Islã. Shams continua sendo uma figura enigmática, a quem muitos atribuem diversas origens e lendas. Alguns o associam à tradição Ismaelita e sua forte influência Persa, outros aos Malamati, grupo Sufi que foi chamado de Povo da Culpa por seu comportamento pouco.

Mas isto é apenas conjectura, pois naquela época, o Sufismo ainda apresentava muita vivacidade e liberdade e ainda não havia sido formatado em escolas, ordens ou linhagens, fenômeno que demorou um século para acontecer. Os mestres e dervixes peregrinavam pelas cidades mesclando conhecimentos e interagindo de forma mais livre. As Madrassas e outras instalações serviam-lhes de acomodação, mesmo se fossem dirigidas por outros mestres. Por causa dessa mescla tornou-se possível o resgate das tradições antigas e o florescimento de um conhecimento novo.

Na época de Rumi o caminho Sufi era dividido basicamente em duas linhas. A primeira, chamada de caminho dos sóbrios, com origem nos primeiros Sufis de Bagdá, que prezava o caminho do conhecimento e auto-controle e tentava manter-se em bons termos com a ortodoxia. Este caminho está geralmente associado ao nome do grande mestre Junayd, e tem em figuras como Al Gazalli um exemplo posterior.

O outro caminho, conhecido como caminho dos “Loucos de Deus”, ou bêbados, está associado aos grupos de Basra e ao nome de Bayazid Bistami, e tem em Al-Hallaj, que foi sentenciado à morte, um expoente posterior.

Rumi já havia percorrido o caminho dos sóbrios e vinha vivendo de acordo com seus preceitos. Porém, a partir de seu encontro com Shams, ele descobre a dimensão do Amor, um estado tão celebrado pelos “Loucos de Deus”.

Mas é importante ter em mente que Rumi e Shams não devem ser associados com um ou outro destes caminhos. Shams era um sufi solitário e selvagem, que desdenhava da incompleitude daqueles que se aprisionavam a qualquer dos dois caminhos. Um mestre, para ser digno desse título, deveria aniquilar-se na verdade e queimar suas concepções a respeito do caminho místico.

Shams, que em persa significa Sol, buscava um companheiro que compreendesse seu ardor, e se transformasse ele também, em fogo. E para que Rumi pudesse atingir sua plenitude, ele precisava queimar, tornar-se um sol. É o próprio quem Rumi diz: “Eu estava cru, e quando encontrei Shams fui cozido e me consumi”.

Mevlana, como no trecho do Maarif citado acima, abandonou os livros, o estudo, seus discípulos e reputação para mergulhar na presença de Shams. É nesta época que Rumi é introduzido aos Giros e às cerimônias de Zikr, e de sua madrassa começa a transbordar a música e poesia.

Mas da mesma forma com que surgiu, Shams some repentinamente, deixando Rumi ser consumido no fogo do Amor e da Saudade que ele o havia apresentado e que sua separação abrasava.

É de seu desespero que brotam suas poesias, que lamentam a saudade e a separação do Amigo que havia se tornado o espelho para sua alma, e em cujos olhos ele contemplava o Amor que buscava.

Shamsuddin está eternamente vivo em meu coração.
Shamsuddin é a generosidade de toda alma.
Shamsuddin é o brilho do dia,
Shamsuddin é céu que gira.
Eu não sou o único cantando, Shamsuddin, Shamsuddin!
Os rouxinóis cantam dos jardins,
E os falcões nas montanhas.
A beleza da noite estrelada é Shamsuddin.
O jardim do Paraíso é Shamsuddin.
O Amor, a compaixão e a gratidão são Shamsuddin.
Ó Deus, mostre-me aquele local interno,
Onde sentamos juntos
Com Shams entre nós e eu ao seu lado.
Ó Shams, você é a esperança de todo coração,
Aquele por quem todo amante espera.
Ó Shams, retorne!
Não deixe minha alma em ruínas!


Rumi enviou discípulos e o próprio filho em busca de Shams, apelando por sua volta. E quando seu filho retorna com Shams, novamente eles mergulham em seus mistérios, transformando um ao outro. Mestre e discípulo, amante, amado e amigo, todos os limites se consomem na plenitude da Presença divina.

O amigo é o espelho para Alma,
Não respire na face do Espelho, ó minha alma!
Pois o espelho da alma nada mais é que a face do Amigo.


A morte de Shams também está envolta em mistérios e alguns autores sugerem que ele tenha sido assassinato por discípulos invejosos. Depois da morte de Shams, Rumi mergulha na saudade novamente e se deixa consumir por inteiro. Mas desta vez emerge pleno na compreensão de que a separação é somente um véu, imposto pelo próprio ser humano que insiste em perpetuar sua cegueira e ignorância. Ele vê que a luz que contemplava em Shams era a Luz da Presença Divina em si, e também a Luz de sua própria Essência. Nesta transformação, Mevlana pode contemplar a própria realidade como expressão da unidade, que revela eternamente a beleza e perfeição divinas.

É deste processo que nasce toda sua arte. Nasce também o caminho que ele incita o ser humano a percorrer, composto da busca pela compreensão da potencialidade humana e das amarras que o aprisionam aos níveis mais baixos da expressão do seu eu. Esta é a parte crucial de seu legado, que muitas vezes é ignorado devido à apreciação meramente poética e superficial de seu ensinamento.

Ó tolo, que com centenas de consentimentos e com teus próprios pés
Ingressas em uma jornada em direção a um destino cruel!
E em teus caprichos buscas estes sonhos de riqueza, poder e domínio!
Fale de Ti mesmo agora!
Tu possuis uma essência humana ou a essência bestial de um asno?
Não vês claramente o mal dentro de ti,
Ou então, irias te odiar com toda tua alma!


Mas se Mevlana acusa com rigor e indignação, também instrui e orienta. Ele traz a recordação da real dimensão pessoal e também de sua total potencialidade. Ele agita as almas a romperem os grilhões que as aprisionam, abrasando os corações com a recordação do verdadeiro amado.

Ouve,
presta atenção novamente ó viajante!
Está tarde e o sol da vida está se pondo.
Enquanto você ainda tem forças
Bata suas asas vigorosamente.
Cuidado!
Não diga Amanhã!
Porque muitos amanhãs já se passaram.
Não deixe que os dias de semeadura passem todos.


Rumi penetra na taverna dos amantes compartilhando o vinho do amor divino, declarando as belezas e perfeição do Amado. Mas esta dimensão não deve ser associada com os êxtases que levam à perda de consciência, ou à dimensão dos “loucos de Deus”, que tanto atiçam as fantasias dos aspirantes nessa jornada. Na presença de Deus esta embriagues nada mais é que a sobriedade última da contemplação de Sua Face. Por isso, Rumi declara ser necessária maturidade para trilhar o caminho do Amor, assim como para aprender os segredos do Giro. Pois mesmo ele, só foi iniciado nestes mistérios após longos anos de treinamento e transformações.

Ó irmão,
Traga o puro vinho
Do amor e da liberdade.
Sirva o Vinho,
Pois a vida sem Amor
Não é nada a não ser morte lenta.
*
O chão e o teto dos Céus
Estão todos tingidos com vinho!
Mas quem jamais viu
Um único copo de vinho em nossas mãos?

Para se aproximar de seu ensinamento é necessário penetrar no real significado do caminho que ele apresenta. Mas, o real significado deve ser buscado muito além de uma apreciação superficial. Ibn Arabi, um Sufi reconhecido como um dos maiores místicos da História e cujo enteado e discípulo, Sadruddin Konevi, foi amigo de Rumi, diz: “O místico não pode indicar sua dimensão a outros homens; ele pode apenas indicá-la simbolicamente para aqueles que começaram a experimenta-la por si próprios”.

Esta trajetória não se limita a leituras e aquisição de conhecimento, seja intelectual ou poético. É necessário que haja uma transformação que nasce a partir do esforço em mudar a si mesmo e desenvolver as suas potencialidades latentes.

A morte de Mevlana aconteceu em 17 de Dezembro de 1273, e segundo as descrições “transportaram seu corpo através da cidade, o povo e os nobres descobriram a cabeça, mulheres, homens e crianças assistiram ao seu enterro. Estavam presentes membros e discípulos de comunidades e nações distintas - cristãos, judeus, turcos, árabes e gregos - cada qual com seu livro sagrado. Leitores do Corão liam belos versículos, os sacerdotes rezavam as preces da ressurreição com voz melodiosa, grupos de músicos recitavam e cantavam versos e canções compostos por Mevlana.”

Mas para Mevlana a morte é o dia do retorno ao Amado, e deveria ser celebrada como o casamento da alma com Ele. Em suas próprias palavras: “Prazerosos, alegres, ébrios, aplaudamos o encontro final com o Amado”.

Além do Mathnavi, sua maior obra, ele deixou poesias que foram copiladas posteriormente, sendo a mais famosa, o Divan. Rumi também escreveu o Fihi-ma-Fihi que é uma compilação de aulas e ensinamentos sobre diversos temas dirigidos diretamente a seus discípulos.

O impacto de sua obra exerceu transcendeu os limites do Sufismo e do Islão. A universalidade e humanismo de suas idéias e posturas foram responsáveis por reunir à sua volta discípulos de todas as religiões e tradições. Após sua morte, seu exemplo e conhecimentos foram perpetuados, influenciando não apenas todos os grandes místicos da história, mas artistas, filósofos e pensadores.

O que distingue sua poesia e idéias, bem como sua trajetória pessoal, é a forma apaixonada com que buscou, nas expressões da Beleza e do Amor, os elementos intrínsecos da relação do homem com o Criador e com a própria criação.

Rumi busca esta Beleza na música, no Giro dervixe, na poesia e em toda forma de arte, mas principalmente na própria vida.

Mevlana é o poeta do Amor, mas de uma forma de amor que não está baseado em fantasias e ilusões, mas na luta desesperada e apaixonada da alma em encontrar a Verdade. E nessa luta é possível atingir a compreensão de que tudo o que separa a alma de seu objetivo é a própria incapacidade do ser humano em atingir sua plenitude. Somente após remover os véus causados pela própria cegueira é que será possível penetrar nesta saudade e amor, que faz girar o universo, eternamente inebriado pela beleza e perfeição.

Sou a névoa da manhã e a brisa da tarde.
Sou o vento na copa das árvores e as ondas contra o penhasco.
Sou todas as ordens de seres, e galáxias girantes,
a inteligência imutável, o ímpeto e a deserção.
Sou o que é e o que não é.
Tu, que conheces Jalaludin.
Tu, o Um em tudo,
Diz quem sou.
Diz: eu sou
Tu.


Fonte:
http://www.imagomundi.com.br/espiritualidade/rumi_2.pdf