quarta-feira, 6 de março de 2013

Mevlana Jalaluddin Rumi (1207 – 1273)

Mevlana Jalaluddim Rumi nasceu em Balk, antiga Pérsia e atual Afeganistão, em setembro de 1207. Seu pai, Bahauddin Walad, foi um dos maiores eruditos de seu tempo, conhecido como Sultan Ulema, o Sultão dos Sábios e teve influência decisiva na formação de Rumi.

Na iminência da invasão mongol, Bahauddim migrou ao longo de alguns anos com sua família. Durante essa peregrinação, Rumi - em sua infância e adolescência - presenciou o encontro de seu pai com grandes mestres do Sufismo, como Faraddudim Attar.

Havia uma disputa entre os sultões e califas pela presença de seu Pai. Todos queriam construir Madrassas (escolas) para acomodar Bahauddin e sua família, e manter em suas cidades esta grande eminência. Mas foi em Konia, na antiga Anatólia e atual Turquia, que Bahauddim e sua família se estabeleceram.

Rumi passou por uma formação clássica que abrangia todas as áreas de conhecimento Islâmico. Ele estudou Gramática, Jurisprudência, Comentário Corânico, as tradições do Profeta, Teologia, Filosofia, Matemática, Astronomia, e foi introduzido ao conhecimento e prática do caminho Sufi. Foi enviado por seu pai às melhores escolas e logo, passou a ser reconhecido pela profundidade e brilhantismo de sua compreensão.

Com a morte de seu pai, Rumi assumiu a sua madrassa aos 24 anos. Ele era reverenciado por todos seus discípulos, e a população em Konia o chamava de Mevlana (nosso mestre).

Para compreender melhor a influência de Bahauddim sobre Rumi, segue abaixo um trecho de seu livro, o Maarif:

Se Deus diz ‘Nós’, significando EU SOU, então qualquer pronome que eu utilize se torna supérfluo. As designações caem como pétalas. A sabedoria vem e eu sinto tamanho deleite a me transbordar, que temo perder meus sentidos frente a isto. Eu digo a mim mesmo: amante, amado e os outros caminhos do amor não são uma única coisa?

Da mesma forma com os atributos Divinos e os seres humanos, existe a unidade no Amor. No coração não existe espaço para diferenciação, somente unidade e o Amado. Eu desistiria de livros e posses, das minhas virtudes e reputação, tudo por um único momento dentro desta presença.

Após a morte de Bahauddim, seu antigo discípulo Burhaneddin, veio a Konia para completar o treinamento de Rumi. E durante muitos anos, mesmo mantendo a madrassa e seu papel na comunidade, Rumi devotou-se a Burhaneddin e já demonstrava o desenvolvimento do elemento que iria tornar-se central em sua vida, a compreensão do papel do Mestre, Amigo e companheiro de Jornada como reflexo da Perfeição e do Amor Divino.

Após a morte de Burhaneddin, sentindo-se maduro, Mevlana assume integralmente seu papel na madrassa como Mestre, e sua fama e renome espalham-se para além das fronteiras de Konia.

E então surge Shamsuddim Tabriz, o homem que iria transformar Mevalana Jalaluddin Rumi no mestre que renovou o caminho místico e influenciou outros professores e escolas além das fronteiras do Sufismo ou do Islã. Shams continua sendo uma figura enigmática, a quem muitos atribuem diversas origens e lendas. Alguns o associam à tradição Ismaelita e sua forte influência Persa, outros aos Malamati, grupo Sufi que foi chamado de Povo da Culpa por seu comportamento pouco.

Mas isto é apenas conjectura, pois naquela época, o Sufismo ainda apresentava muita vivacidade e liberdade e ainda não havia sido formatado em escolas, ordens ou linhagens, fenômeno que demorou um século para acontecer. Os mestres e dervixes peregrinavam pelas cidades mesclando conhecimentos e interagindo de forma mais livre. As Madrassas e outras instalações serviam-lhes de acomodação, mesmo se fossem dirigidas por outros mestres. Por causa dessa mescla tornou-se possível o resgate das tradições antigas e o florescimento de um conhecimento novo.

Na época de Rumi o caminho Sufi era dividido basicamente em duas linhas. A primeira, chamada de caminho dos sóbrios, com origem nos primeiros Sufis de Bagdá, que prezava o caminho do conhecimento e auto-controle e tentava manter-se em bons termos com a ortodoxia. Este caminho está geralmente associado ao nome do grande mestre Junayd, e tem em figuras como Al Gazalli um exemplo posterior.

O outro caminho, conhecido como caminho dos “Loucos de Deus”, ou bêbados, está associado aos grupos de Basra e ao nome de Bayazid Bistami, e tem em Al-Hallaj, que foi sentenciado à morte, um expoente posterior.

Rumi já havia percorrido o caminho dos sóbrios e vinha vivendo de acordo com seus preceitos. Porém, a partir de seu encontro com Shams, ele descobre a dimensão do Amor, um estado tão celebrado pelos “Loucos de Deus”.

Mas é importante ter em mente que Rumi e Shams não devem ser associados com um ou outro destes caminhos. Shams era um sufi solitário e selvagem, que desdenhava da incompleitude daqueles que se aprisionavam a qualquer dos dois caminhos. Um mestre, para ser digno desse título, deveria aniquilar-se na verdade e queimar suas concepções a respeito do caminho místico.

Shams, que em persa significa Sol, buscava um companheiro que compreendesse seu ardor, e se transformasse ele também, em fogo. E para que Rumi pudesse atingir sua plenitude, ele precisava queimar, tornar-se um sol. É o próprio quem Rumi diz: “Eu estava cru, e quando encontrei Shams fui cozido e me consumi”.

Mevlana, como no trecho do Maarif citado acima, abandonou os livros, o estudo, seus discípulos e reputação para mergulhar na presença de Shams. É nesta época que Rumi é introduzido aos Giros e às cerimônias de Zikr, e de sua madrassa começa a transbordar a música e poesia.

Mas da mesma forma com que surgiu, Shams some repentinamente, deixando Rumi ser consumido no fogo do Amor e da Saudade que ele o havia apresentado e que sua separação abrasava.

É de seu desespero que brotam suas poesias, que lamentam a saudade e a separação do Amigo que havia se tornado o espelho para sua alma, e em cujos olhos ele contemplava o Amor que buscava.

Shamsuddin está eternamente vivo em meu coração.
Shamsuddin é a generosidade de toda alma.
Shamsuddin é o brilho do dia,
Shamsuddin é céu que gira.
Eu não sou o único cantando, Shamsuddin, Shamsuddin!
Os rouxinóis cantam dos jardins,
E os falcões nas montanhas.
A beleza da noite estrelada é Shamsuddin.
O jardim do Paraíso é Shamsuddin.
O Amor, a compaixão e a gratidão são Shamsuddin.
Ó Deus, mostre-me aquele local interno,
Onde sentamos juntos
Com Shams entre nós e eu ao seu lado.
Ó Shams, você é a esperança de todo coração,
Aquele por quem todo amante espera.
Ó Shams, retorne!
Não deixe minha alma em ruínas!


Rumi enviou discípulos e o próprio filho em busca de Shams, apelando por sua volta. E quando seu filho retorna com Shams, novamente eles mergulham em seus mistérios, transformando um ao outro. Mestre e discípulo, amante, amado e amigo, todos os limites se consomem na plenitude da Presença divina.

O amigo é o espelho para Alma,
Não respire na face do Espelho, ó minha alma!
Pois o espelho da alma nada mais é que a face do Amigo.


A morte de Shams também está envolta em mistérios e alguns autores sugerem que ele tenha sido assassinato por discípulos invejosos. Depois da morte de Shams, Rumi mergulha na saudade novamente e se deixa consumir por inteiro. Mas desta vez emerge pleno na compreensão de que a separação é somente um véu, imposto pelo próprio ser humano que insiste em perpetuar sua cegueira e ignorância. Ele vê que a luz que contemplava em Shams era a Luz da Presença Divina em si, e também a Luz de sua própria Essência. Nesta transformação, Mevlana pode contemplar a própria realidade como expressão da unidade, que revela eternamente a beleza e perfeição divinas.

É deste processo que nasce toda sua arte. Nasce também o caminho que ele incita o ser humano a percorrer, composto da busca pela compreensão da potencialidade humana e das amarras que o aprisionam aos níveis mais baixos da expressão do seu eu. Esta é a parte crucial de seu legado, que muitas vezes é ignorado devido à apreciação meramente poética e superficial de seu ensinamento.

Ó tolo, que com centenas de consentimentos e com teus próprios pés
Ingressas em uma jornada em direção a um destino cruel!
E em teus caprichos buscas estes sonhos de riqueza, poder e domínio!
Fale de Ti mesmo agora!
Tu possuis uma essência humana ou a essência bestial de um asno?
Não vês claramente o mal dentro de ti,
Ou então, irias te odiar com toda tua alma!


Mas se Mevlana acusa com rigor e indignação, também instrui e orienta. Ele traz a recordação da real dimensão pessoal e também de sua total potencialidade. Ele agita as almas a romperem os grilhões que as aprisionam, abrasando os corações com a recordação do verdadeiro amado.

Ouve,
presta atenção novamente ó viajante!
Está tarde e o sol da vida está se pondo.
Enquanto você ainda tem forças
Bata suas asas vigorosamente.
Cuidado!
Não diga Amanhã!
Porque muitos amanhãs já se passaram.
Não deixe que os dias de semeadura passem todos.


Rumi penetra na taverna dos amantes compartilhando o vinho do amor divino, declarando as belezas e perfeição do Amado. Mas esta dimensão não deve ser associada com os êxtases que levam à perda de consciência, ou à dimensão dos “loucos de Deus”, que tanto atiçam as fantasias dos aspirantes nessa jornada. Na presença de Deus esta embriagues nada mais é que a sobriedade última da contemplação de Sua Face. Por isso, Rumi declara ser necessária maturidade para trilhar o caminho do Amor, assim como para aprender os segredos do Giro. Pois mesmo ele, só foi iniciado nestes mistérios após longos anos de treinamento e transformações.

Ó irmão,
Traga o puro vinho
Do amor e da liberdade.
Sirva o Vinho,
Pois a vida sem Amor
Não é nada a não ser morte lenta.
*
O chão e o teto dos Céus
Estão todos tingidos com vinho!
Mas quem jamais viu
Um único copo de vinho em nossas mãos?

Para se aproximar de seu ensinamento é necessário penetrar no real significado do caminho que ele apresenta. Mas, o real significado deve ser buscado muito além de uma apreciação superficial. Ibn Arabi, um Sufi reconhecido como um dos maiores místicos da História e cujo enteado e discípulo, Sadruddin Konevi, foi amigo de Rumi, diz: “O místico não pode indicar sua dimensão a outros homens; ele pode apenas indicá-la simbolicamente para aqueles que começaram a experimenta-la por si próprios”.

Esta trajetória não se limita a leituras e aquisição de conhecimento, seja intelectual ou poético. É necessário que haja uma transformação que nasce a partir do esforço em mudar a si mesmo e desenvolver as suas potencialidades latentes.

A morte de Mevlana aconteceu em 17 de Dezembro de 1273, e segundo as descrições “transportaram seu corpo através da cidade, o povo e os nobres descobriram a cabeça, mulheres, homens e crianças assistiram ao seu enterro. Estavam presentes membros e discípulos de comunidades e nações distintas - cristãos, judeus, turcos, árabes e gregos - cada qual com seu livro sagrado. Leitores do Corão liam belos versículos, os sacerdotes rezavam as preces da ressurreição com voz melodiosa, grupos de músicos recitavam e cantavam versos e canções compostos por Mevlana.”

Mas para Mevlana a morte é o dia do retorno ao Amado, e deveria ser celebrada como o casamento da alma com Ele. Em suas próprias palavras: “Prazerosos, alegres, ébrios, aplaudamos o encontro final com o Amado”.

Além do Mathnavi, sua maior obra, ele deixou poesias que foram copiladas posteriormente, sendo a mais famosa, o Divan. Rumi também escreveu o Fihi-ma-Fihi que é uma compilação de aulas e ensinamentos sobre diversos temas dirigidos diretamente a seus discípulos.

O impacto de sua obra exerceu transcendeu os limites do Sufismo e do Islão. A universalidade e humanismo de suas idéias e posturas foram responsáveis por reunir à sua volta discípulos de todas as religiões e tradições. Após sua morte, seu exemplo e conhecimentos foram perpetuados, influenciando não apenas todos os grandes místicos da história, mas artistas, filósofos e pensadores.

O que distingue sua poesia e idéias, bem como sua trajetória pessoal, é a forma apaixonada com que buscou, nas expressões da Beleza e do Amor, os elementos intrínsecos da relação do homem com o Criador e com a própria criação.

Rumi busca esta Beleza na música, no Giro dervixe, na poesia e em toda forma de arte, mas principalmente na própria vida.

Mevlana é o poeta do Amor, mas de uma forma de amor que não está baseado em fantasias e ilusões, mas na luta desesperada e apaixonada da alma em encontrar a Verdade. E nessa luta é possível atingir a compreensão de que tudo o que separa a alma de seu objetivo é a própria incapacidade do ser humano em atingir sua plenitude. Somente após remover os véus causados pela própria cegueira é que será possível penetrar nesta saudade e amor, que faz girar o universo, eternamente inebriado pela beleza e perfeição.

Sou a névoa da manhã e a brisa da tarde.
Sou o vento na copa das árvores e as ondas contra o penhasco.
Sou todas as ordens de seres, e galáxias girantes,
a inteligência imutável, o ímpeto e a deserção.
Sou o que é e o que não é.
Tu, que conheces Jalaludin.
Tu, o Um em tudo,
Diz quem sou.
Diz: eu sou
Tu.


Fonte:
http://www.imagomundi.com.br/espiritualidade/rumi_2.pdf

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