SONETO
O desvelo maior tem aplicado
Fílis para esquecer um bem perdido,
Mas como pode o bem ser esquecido,
Quando o próprio desvelo o faz lembrado?
Como pode o discurso desvelado
Ver-se do que imagina dissuadido?
Lembrar-se de esquecer traz no sentido,
E vem o esquecimento a ser cuidado.
Se da perda o descuido não tomasse
Por empresa, essa mágoa que padece
Fora possível, que lhe não lembrasse.
Mas a memória em Fílis permanece,
Pois se o descuido de cuidado nasce,
Do que quer esquecer se não esquece.
SONETO JOCOSO
Pondero a emudecida formosura
De Fília, sem temer que impertinente
Possa, no meu soneto, meter dente,
Pois carece de toda a dentadura.
Se, por cobrir a falta, esta escultura
Tão muda está que não parece gente,
Estátua de jardim será somente,
Se de pano de raz não for figura.
O Senhor Secretário quer que a creia
Bela sem dentes; eu lho não concedo:
Desdentada é pior do que ser feia,
E em silêncio só pode causar medo,
Ser relógio do sol para uma aldeia,
Para um povo estafermo do segredo.
SONETO
A ver do Sol o novo nascimento,
a nova Lua veio prontamente
um e outro Planeta no Ocidente
trazendo o seu efeito, e movimento,
o Sol em raios grande luzimento,
a Lua em águas copiosa enchente
assistindo a Academia mais ciente,
e concorrendo a dar-lhe o fundamento.
Para encher ao Congresso de favores
mais se expende um Planeta, outro mais arde,
o dia repartindo em seus primores.
Ambos fazem do seu obséquio Alarde
um em cristais, e outro em resplendores,
a Lua de manhã, e o Sol de tarde.
SONETO
Quando Fílis as lágrimas bebia,
em um fio de pérolas brilhante
da matutina luz, bela, e flamante
precursora do sol, e mãe do dia,
uns dentes se lhe partem à porfia
para a união das pérolas amante,
que sendo a qualidade semelhante
os quis conglutinar a simpatia.
Bem que ao beber as pérolas luzentes
se lhe quebrem os dentes, julga e toca
não serem as matérias diferentes,
pois sem se conhecer mudança, ou troca
enfiados por pérolas os dentes
têm por dentes as pérolas na boca.
SONETO
Mudou o Sol o Berço refulgente,
ou fez Berço do Túmulo arrogante
galhardo onde se punha agonizante
com luz no Ocaso, e sombras no Oriente.
Não morre agora o Sol, quer diferente
no Aspecto, se na vida semelhante
no Oriente nascer menos flamante,
e renascer mais belo no Ocidente.
Fênix de raios a uma, e outra parte
O comunica os incêndios, e fulgores,
porém com diferença hoje os reparte.
Nasce lá no Oriente só em ardores,
no Ocidente a ilustrar Ciência, e Arte
renasce em luzes, vive em resplendores.
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