terça-feira, 19 de março de 2013

Eduardo Prado Coelho (Teolinda Gersão: O Silêncio)

No fim da primeira parte de Perto do Coração Selvagem, Clarice Lispector escreve pela voz da protagonista Joana: «Resvale, de uma verdade a outra, sempre esquecida da primeira, sempre insatisfeita. Sua vida era formada de pequenas vidas completas, de círculos inteiros, fechados, que se isolavam uns dos outros. (...) Continuo sempre me inaugurando, abrindo e fechando círculos de vida, jogando-os de lado, murchos, cheios de passado. Por que tão independentes, por que não se fundem num só bloco, servindo-me de lastro? É que eram demasiado integrais. Momentos tão intensos, vermelhos, condensados neles mesmos que não precisavam de passado nem de futuro para existir. Traziam um conhecimento que não servia como experiência – um conhecimento directo – mais como sensação do que percepção. A verdade então descoberta era tão verdade que não podia subsistir senão no seu recipiente, no próprio facto que a provocara, Tão verdadeira, tão fatal, que vive apenas em função de sua matriz. Uma vez terminado o momento de vida, a verdade correspondente também se esgota.»

Mobilizo o nome de Clarice, neste primeiro lance de aproximação de um livro, por vários motivos. Em primeiro lugar, porque Clarice Lispector é um nome que ocorre ao longo da leitura do livro de que falo. Mas também porque, na citação feita, se esboça uma teoria de narração de que a narrativa de Teolinda Gersão se torna exemplo: cada experiência, cada acontecimento, forma o seu círculo, o espaço da sua verdade evidente. Nenhum destes blocos se soma a outro, nenhum lastro se define: bloco a bloco, cada bloco justapõe-se, condensa-se na sua matriz, abre e fecha um círculo de vida, traz um conhecimento nómada que nunca se acumula num saber da experiência.

Utilizando a forma do círculo, Teolinda Gersão faz de cada um dos três blocos do seu livro um círculo de vida. Contar não é aqui sobrepor factos, mas alargar progressivamente o impacte da pedra ao cair na água. A forma circular fechada é aqui um modelo feminino de abertura: «continuo sempre me inaugurando». E é a nitidez de uma linha recta que nos surge como a forma masculina da clausura.

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De um lado, Lívia. Do outro, Afonso.

Quando Lívia se imagina, o seu nome alarga-se também: Lavínia. O paradigma é o mesmo: «palavra esdrúxula, sobe até um ponto alto e parte-se de repente» (p. 18). Cada nome é um círculo que se abre e fecha. E por vezes se desdobra: «Lídia, íris, ígnia, um nome esdrúxulo» (p. 47). Ou, se preferirem, um olhar, um fogo, um círculo de fogo, um sol.

Do lado oposto, temos os nomes masculinos, ou o das mulheres que se incrustaram na ordem masculina: a primeira letra, o A, o paradigma dos nomes ordenados: Afonso, Alfredo, Alcina, Ana.

E ainda, intermediários, os nomes que começam por letras do meio: H. J. Mais concretamente, Herberto, Jorge.

E é tudo.

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Se Lívia e Afonso se amam, se Lívia arranca Afonso a Alcina e vive com Afonso, mas foge, ao aperceber-se que Afonso segrega sempre a mesma relação («se não te deres conta e não lutares depressa, esta casa será, de repente, a outra, de onde procuraste, através de mim, uma saída» – pp. 83-84), o essencial da narrativa O silêncio está em que neste amor se cruzam dois mundos que se não tocam. Se quiserem, todo o livro de Teolinda Gersão modula o famoso aforismo lacaniano: «Il n'y a pas de rapport sexuel».

Mais do que contar experiências de acerto ou desacerto, exaltações ou simulacros, Teolinda Gersão mostra-nos a guerra dos mundos, «a tensão entro ambos, desde o início» pág. 33).

Assim, Lívia e Afonso são personagens reais e há deles uma história que se poderia desfiar. Mas aqui situamo-nos noutro nível, noutra instância de abordagem: entre os dois campos há relações de perigo e resistência, há agressão e invasão, há medo ou tréguas («limites tácitos a todas as palavras» – pp. 11-12). Há também momentos de vitória (p. 23), de defesa ou de aprisionamento («Porque era preciso defender-se contra ele, soube, sentindo que estava presa» – p. 61).

Todas as relações se estabelecem nestas fronteiras intensivas: «Pessoas-campos magnéticos, zonas de tensão, que se chocavam com outras, eram interrompidas por outras, lutavam com outras, originando novos campos de tensão» (p. 51). No limiar do amor, a tensão converte-se em violência: «violência apenas, dissera-lhe, ele exercia sempre violência contra ela (...) a tensão entre eles era assim entre as coisas imóveis e as coisas movediças, entre a ordem e uma desordem contra a qual, obscuramente, ele se defendia? (...) também ela exercia violência contra ele, estava de repente tão perto que ele caía no seu campo magnético, na sua zona de tensão, e se ela desse mais um passo, um único, ele ficaria subitamente vulnerável» (p. 86).

O amor («não há nada no amor, não há talvez o amor, há o desejo e a satisfação do desejo» – p. 60) desenha-se sobre este fundo de impossibilidade: a não-inscrição, no espaço simbólico da fala, do real da relação sexual. Ou, por outras palavras: «reconheceu que eles eram um homem e uma mulher que não se amavam, porque não conseguiriam falar nunca» (p. 109). De certo modo, o silêncio começa ai, onde a relação se faz não-relação, trabalho da morte sobre o corpo.

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Mas Lídia imagina – as imagens multiplicam-se, proliferam os círculos do imaginário. Arrisquemos uma fórmula: o amor é o círculo imaginário da relação prevalecendo sobre a

não-relação, o precário triunfo do círculo sobre a recta, a (in)decidida linha que hesita e se

encurva. Como dirá Barthes noutro contexto: «Um homem não é feminizado porque é invertido, está apaixonado. (Mito e utopia: a origem pertenceu, o futuro pertencerá aos sujeitos em que há feminino)» (Fragments d’un discours amourex, p. 20).

Lídia imagina, Afonso rectifica. Mas a rectificação é recondução à recta. Por isso Lídia dirá: «e agora eu contarei de novo e se quiser mudarei tudo e mentirei se quiser, porque tu não estarás aqui para dizer que minto, e nada do que eu disser poderás rectificar – colocar em linha recta – agora as coisas podem girar livremente em círculo, em espiral, em leque, desprendem-se das mãos e transformam-se e ninguém irá prendê-las nunca, estou sentada no chão e vou traçando em verde-escuro uma figura que é apenas e sempre provisória, e devagar irei pensando coisas que o mais leve movimento modifica, uma escrita sobre a água, movimentos da água» (pp. 75-76).

E há mais círculos: uma vez é o «conjunto de pequenos jardins girando no espaço, uma espécie de sistema solar» (p. 13); outra vez, «ela era de repente redonda e luminosa, um corpo» (p. 45); mais tarde, é um guarda-chuva ou um guarda-sol: «ela abria um guarda-sol na varanda e sonhava debaixo do guarda-sol, ou abria um guarda-chuva na rua, e sonhava debaixo do guarda-chuva, onde ele não pudesse ver a sua cabeça e os sonhos que corriam dentro dela» (p. 57).

Lídia, disse Afonso voltando, chamando já de longe, e agora ele vinha subindo pela duna e quando chegasse seria de repente o fim do Verão, o vento começaria a varrer as folhas e uma aragem fria subiria do mar, na tarde rápida, seria preciso correr as cortinas, fechar as portadas das janelas, acender a lâmpada do tecto e colocar junto da porta as malas já fechadas (as cadeiras vazias, as jarras sem flores, um chapéu de palha dentro de um armário entreaberto), venha muito devagar, pediu, dentro de si mesma, debruçada à janela, venha o mais devagar que puder, o cheiro quente do mar, do tojo, de vento, do alecrim bravo, de coisas misturadas que existem brevemente, neste momento existem e amanhã estarão mortas, o vento levantando-se, uma nuvem, uma sombra, uma onda fétida, a morte do mar, as praias negras, pássaros caindo em pleno voo, assomou ao portão e em dois passos estava junto dela, e tarde, disse, e pegou numa das malas, venha o mais devagar que puder, o cheiro do mar, do vento, do alecrim bravo, de coisas misturadas que existem brevemente, neste momento existem, e já ficaram de repente para trás, uma casa de areia, uma casa de vento e de espuma.

Em torno de Afonso, Lídia traça o laço da captura, «e descrevendo em volta dele um círculo estreito, cada vez mais estreito, chegaria a um ponto em que ele não se defenderia mais» (p. 38).

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Círculo aberto, Lídia existe incompleta e em movimento.

Por isso ela se define pela proliferação. Das suas mãos solta-se o inumerável. Passa um cardume negro. Afonso vê cem peixe – não os conta, claro, mas vê apenas o que imagina ser provável. Mas Lídia já não vê, imagina o que deseja – e por isso proclama: eram mil. Eram mil peixes, disse. Contei-os um por um e eram mil.» (p. 48). Milagre dos peixes: Lídia conta um por um o incontável do desejo.

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Diremos que o espaço de Lídia é o infinito do deserto: «era como caminhar por um areal infindável, uma praia deserta e lisa, contando unicamente com o impulso do seu corpo andando» (p. 24). Por isso a areia a acompanha: «aproxima-se descalça, pisando a areia que se solta do seu corpo» (p. 22). Areia ou arroz: «abriu finalmente um frasco e retirou uma mão-cheia de arroz, deixou-o cair aos poucos, entre os dedos, como areia, escutou o ruído que fazia ao cair na porcelana fria» (p. 60).

Na relação Lídia/Afonso, o infinito de areia em que Lídia se move encontra em Afonso o seu limite: ilusão do suporte, do apoio, da barreira contra a loucura do ilimitado. Lídia dirá: «porque eu era vaga e difusa e sem fronteiras, igual a tudo e a nada» (p. 35). E por isso há uma razão de ser para Afonso: «Talvez porque eu procurava um enquadramento, um limite, uma forma, porque estava perdida na multiplicidade das coisas» (p. 34).

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Todo o livro se constrói numa duplicidade: não propriamente entre o que se «pensa» e o

que se «fala», mas entre aquilo a que Deleuze chamaria as linhas molares da conversa e as linhas moleculares da conversa. Num primeiro plano, sempre esbatido, temos os grandes, blocos de um diálogo. E depois, num segundo plano, insistente, obstinado, o plano molecular das deslocações imperceptíveis, das grandes acelerações ansiosas, dos desprendimentos clandestinos, da poeira obscura das palavras. Todo o entendimento amoroso se equivoca nas calhas deste desentendimento fundamental – espaço de tensão que neste desequilíbrio se vai acumulando até à explosão final da narrativa no fio da terceira linha submersa: o curso desse, «pequeno animal cego», Lídia, que corre silenciosamente ao longo do livro, até partir de Afonso, até partir do livro, até de si mesmo se partir: nome que sobe até ao i, e nele se quebra.

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Não é que não haja em Afonso um discurso também ele molecular. Simplesmente, as suas obsessões mestras são outras: o medo da morte ou o terror de ficar sozinho.

Algures diz Henry Miller no seu livro Sexus: «para alguém se tornar o grande amante, o magnetizador e catalisador, é preciso viver primeiro a sabedoria de ser apenas o último dos idiotas».

Clausura de Afonso: ser inteligente no amor. Por outras palavras, recusar toda a desordem, todo o risco, todo o ponto de ruptura, toda a queda no interior de si mesmo, no vazio desse interior. Ou ainda: querer chegar ao desejo sem aceitar a castração.

Lídia imagina: «entrar de repente em sua vida, levando atrás de si o rio, a noite, o vento, a água, a bruma, o obscuro milagre que no universo dele não existia – mas Afonso não punha nunca o seu próprio universo em causa, e não viria nunca ao seu encontro. Ele não aceitava risco algum» (p. 34). Para Afonso, «a vida é uma coisa sem brecha, não há nunca rotura nem milagre». E é aí, nessa exactidão, nessa segurança, que Afonso é mais desamparado do que nunca. Como diria Lacan, tanta inteligência falha, tanta arrogância claudica – «les non-dupes errent». Quando Afonso coloca a agulha do gira-discos sobre o disco, ele visa o ponto exacto da primeira nota de música, e sofreria imenso se não acertasse: e Lídia sorri, complacente – «até esse ponto ele era frágil, verificou, com um sorriso invisível», «porque ela era tão forte que aguentaria qualquer nota errada ou falsa, tão forte que aguentava repensar o mundo» (p. 37).

O feminino é o continente negro de que Afonso se esquiva: recusa a solidão última, o «despojar-se de tudo e também de si mesmo», recusa o ponto de ruptura para onde ela o arrastava, recusa o «partir do espelho e ficar defronte de um espaço negro, uma janela escura» (p. 87).

No universo angular, fechado e quadriculado, em que Afonso se move, no universo das palavras cruzadas em silêncio onde Afonso se fala, todo o desejo é sempre desejo de objecto, amparado na relação de objecto, no pequeno outro onde se agarra.

Lídia abre o espaço feminino do desejo. No homem predomina a função fálica – porque o falo é nele a garantia do um onde o sujeito se não perde ao comprometer-se na relação erótica. Por isso Afonso soma, isto é, estabelece igualdades, afirma a supremacia do Um: «a força dele sobre ela era assim uma força de identificação que a levava a perder os seus próprios contornos, somando-a, apenas, à vida que era a dele». Em Lídia, não: todo o amor é derrame do Um no Outro – queda interminável pelo sangue obscuro. «O seu desejo, que encontra na relação sexual um cume de prazer e um máximo de fruição, é, na realidade, um desejo sem objecto um desejo do desejo, mesmo se há um elemento que o desencadeia. E, por isso, por definição, não cessa. É aqui que se vê melhor o fracasso do objecto (o) na mulher. Ela oscila entre o retraimento total da libido (o não-investimento), por um lado, e um investimento total, por outro lado, mas de quê? De nada.» (Eugénie Lemoine-Luccioni, Le rève du cosmonaute, Seuil, p. 60).

Como se lê no livro de Teolinda Gersão:

«O absurdo de tudo isso, disse Afonso, a paixão da paixão, a procura da procura, o desejo em último caso sem objecto, porque o seu objecto é o desejo e nada do que você conta, ou diz, ou sonha, existe, o medo do amor, disse ela, o medo que você tem de ir até ao limite de si próprio, de destruir tudo o que fica para trás e criar em seu lugar outra coisa» (p. 97).

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E tudo isto, é claro, incide sobre a própria escrita.

Teolinda Gersão escreve O silêncio usando justaposição de blocos frásicos que nunca perfazem uma soma, que nunca atingem uma saturação. São movimentos de captura que se definem pela insistência. E daí a construção em «e... e ...». Um exemplo, entre muitos: «e inventarão o espaço e a luz e o céu e o mar e o amor e o corpo, porque uma força interior amadurece lentamente e de súbito irrompe e é uma força de mudança» (p. 107). Escrita sem essências, sem polarizações estáveis, itinerante, móvel, nómada, infindável como a areia, onde o «é» dá lugar à força deslumbrante da enumeração, à energia do «e» – escrita rente ao corpo da terra, moldada à flutuação do real, «movimento na água», alegria terrena, empirismo eufórico. E ainda escrita que traz consigo a sintaxe elementar da infância, a música gramatical do circo, o anel aberto das palavras-cerejas: «os amantes repetiam talvez a eternidade e a infância» (p. 3 1).

Porque também de eternidade se trata pelo modo como o não-tempo do inconsciente atrai para o seu campo as formas do tempo: este livro usa, não apenas a repetição intemporalizante das cenas, de modo a adquirirem uma consistência fantasmática, como ainda aquilo a que Harald Weinrich chama «as formas verbais seminfinitas» – isto é, por exemplo, o gerúndio ou o infinito colocados em primeiro plano de tal modo que a informação se torna rarefeita «desprovidas de informação sintáctica que possa ancorá-las na situação de locução, estas formas nada têm de comum com os tempos» dirá Weinrich, Le Temps, Seuil, p. 284).

Assim se ergue a dimensão de investimento fantasmático – como se pode confirmar pela força do infinito: «Um bagageiro leva-lhe agora a mala, sobe no elevador a seu lado, e aminham ao longo do corredor, param diante da porta, ela despede-o rapidamente com uma moeda que tirou da carteira, bate na porta logo aberta, Herberto abraça-a, beija-a longamente na boca, despe-a devagar. Deitar-se contra o seu corpo.» (pp. 74-75).

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Três verbos sustentam o dispositivo fantasmático de Lídia: correr, cair, partir.

Tempo de partir, descalça, nas manhãs, o corpo inundado pelo sol, tempo de giestas, de gaivotas, de trevo, tojo, plantas bravas. Escalar as dunas, transpirar subindo, agarrada a vegetação rasteira, parar arquejante a meio, o mar de repente encoberto pelo chapéu largo de palha, zumbido de abelhas bravas em volta do seu rosto, chegar finalmente ao cimo arrastando o corpo pela areia, sentar-se na primeira pedra e ver o mar, atirar o chapéu para o lado e levantar a cabeça contra o vento, gritar ou cantar ou ficar calada, olhando o mar, deixar passar as horas sem dar conta, voltar finalmente para casa sobraçando um cesto de flores e camarinhas bravas, empurrar a porta e reencontrar Afonso – o candeeiro aceso sobre a secretaria inglesa, um halo de luz sobre o seu rosto inclinado que ela não vê logo porque ele escreve de costas voltadas para a porta por onde ela acaba de entrar, só depois se volta e ela poisa ao acaso o cesto que acabara sempre por tombar e aproxima-se descalça, pisando a areia que se solta do seu corpo e as flores que se espalharam pelo chão. E a desordem é subitamente uma forma de amor, a sua forma de amor. Interromper Afonso como o mar entrando.

O Silêncio, p. 22

Correr, sim, como um animal. Este livro é atravessado por um incessante devir-animal: chamas-me bicho, chamo-te bicho. O gato, por exemplo, sempre pronto a transformar-se em lince – no salto, no gesto definitivo da captura. Ou ainda os ursos brancos, os dispersos animais do antigo circo: «caminha ao acaso, sem sentir coisa alguma, no meio de tranquilos animais soltos, ursos brancos» (p. 115). Correr, sim, como um pequeno animal cego – construir um animal novo na corrida.

Cair, também cair – descer ao sem fundo, interminável queda dentro de si mesma. E partir partindo-se. Quando Afonso não é mais do que «um animal enjaulado batendo contra as grades sem encontrar saída» (p. 119), Lídia proclama: «deixei tudo no lugar e vou-me embora». Tanto que o livro se fecha, abandonado, sobre o ponto de vista dele, Afonso. «E então ela partia, dentro de si mesma, numa direcção alta e aguda» (p. 51). Afonso confrontando-se finalmente com «o terror de ficar sozinho» (p. 104).

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Diremos que a mesma força que impelia Lídia para Afonso é aquela que lhe permite escapar-se à tendência para a identificação que leva Afonso a reproduzir na casa outra a casa mesma. Lídia faz do mesmo o lugar provisório do Outro – a evidência esplendorosa do círculo. Afonso reconverte o Outro na estabilidade do mesmo – a monotonia da recta. Cada círculo abre-se no interior de si próprio – por ser demasiado Integral, como explica Clarice: «continuo sempre me inaugurando, abrindo e fechando círculos de vida.» Feminina aprendizagem da seda.

Porque – como diria Herberto Hélder – «cada lenço que se ata, / a própria seda do lenço / o desata. E o rosto que jorra do espelho / volta aos centros / arteriais» (Poesia Toda, p. 550).

Fonte:
http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaPortuguesa/Contemporanea/Teolinda_Gersao_O_SILENCIO.htm

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