domingo, 17 de março de 2013

Guimarães Passos (Poesias Avulsas)

Libreria Fogola Pisa
AOS FELIZES

a Henrique Silva
Pensais que invento penas por meu gosto,
Que em meus versos afeto sofrimento?
Néscios? Lede nas linhas do meu rosto,
E com verdade me dizei se invento.

Ride felizes, ride que o desgosto
Nunca deixou de vir; em breve o alento
Que hoje tendes tê-lo-eis como o sol posto:
Longe e brilhando apenas um momento.

"Mas, me direis, como te enganas! Ama,
Ama, que perderás essa tristeza,
Terás ventura, terás glória, fama..."

E eu, por vingar-me, sufocando o ai!
Do coração ferido, com firmeza,
Por meu turno respondo-vos - amai!

CONSELHO

Dulce, não busques a felicidade,
Basta sonha-la, não procures tê-la,
Que, há no seu brilho tanta falsidade
Que, todos, vendo-a não conseguem vê-la.

Esquece a mágoa que te gera o pranto;
Volve os olhos ao céu donde desceste,
E, assim, feliz te sentirás, enquanto
Não volveres de novo ao que esqueceste.

Para que um´hora nos julguemos cheios,
Da ventura que tanto ambicionamos,
Basta sonhar e desprezar os meios
De converter em real o que sonhamos.

Quantas vezes de um lago azul e quieto
A lua brilha no tranquilo fundo;
Vais apanha-la e logo o lodo infecto
Tolda a agua toda e deixa o lago imundo.

Toda a poesia ao teu olhar se turva,
Tens asco e horror d´essa realidade...
Dulce, é assim sob a grandiosa curva
Do céu o aspecto da felicidade.

Sonha que a tens no coração fremente,
Fecha os ouvidos ao que o mundo diz:
Para seres feliz, basta somente
Que tenhas a ilusão de que és feliz.

DILEMA
A José do Patrocínio

Se altivo - ouvirás contra ti mil rumores;
Humilde - qualquer um julgar-te-á seu vassalo;
Rico - servos terás como Sardanapalo;
Pobre - ai! de ti! ver-te-ás cercado de credores.

Se franco - eis a teu lado os vis caluniadores;
Ladino - ao teu encalço eis a lei, a cavalo;
Ama - serás tu só que sofrerás abalo;
Se amado - outro és e não terás amores.

Se só - tu maldirás a tua soledade;
Unido - chorarás a antiga liberdade...
Para seres, enfim, sem sofrer, que te ocorre?

Se alguém, sejas nada, inteligente ou rude;
Se dos que nada têm; se dos que gozam tudo,
Para teres razão, só tens um meio: morre!

ÉBRIO

Querem que eu ria, que o prazer alheio
Seja meu, que o partilhe e o acompanhe;
Que a ventura que banha aos outros, banhe
Meu negro peito de tristeza cheio.

Seja! Bradai; nenhum de vós estranhe
Mais nesta roda um rosto triste e feio;
Quero beber e rir, pois já não creio
Senão que existem males e champagne.

E uma taça após outra fui bebendo;
Sempre bebendo, vi dançar a mesa,
E os meus convivas fui desconhecendo.

Ébrio afinal, caí... mas não sozinho:
Comigo estavas, porque a natureza
Do meu amor embriaga mais que o vinho.

GUARDA E PASSA

... Non me destar, deh! parla basso
Michelangelo


Figuremos: tu vais (é curta a viagem),
Tu vais e, de repente, na tortuosa
Estrada vês, sob árvore frondosa,
Alguém dormindo à beira da passagem.

Alguém, cuja fadiga angustiosa
Cedeu ao sono, em meio da romagem,
E exausto dorme... Tinhas tu coragem
De acordá-lo? responde-me, formosa.

Quem dorme esquece... pode ser medonho
O pesadelo que entre o horror nos fecha;
Mas sofre menos o que sofre em sonho.

Oh! tu, que turvas o palor da neve,
Tu, que as estrelas escureces, deixa
Meu coração dormir... Pisa de leve.

LONGE

XXXIX

Longe de mim!... Só a amplidão vazia!
Sol, em que céu de bronze te escondeste?
Céu, porque assim tão baixo tu desceste
E esmagas-me se dó desta agonia?

Nem um adeus, ao menos me disseste;
Foste-te e eu, cego, já não tenho guia;
Meus olhos mais nem uma estrela fria
Verão, pois deles desapareceste.

Ah! nunca saibas meu pesar revendo
Tudo aquilo que vias estavas
Nos meus braços de medo e amor tremendo.

Longe de mim!... Por mais que chame e brade,
Apenas ouve as minhas vozes cavas
Esta saudade, esta imortal saudade!

MORTE

És negra, és negra, dizem-me os felizes,
Dizem que ao ver-te o vulto atro e sombrio,
Gelam-se os corações, tamanho frio,
Serena, espalhas onde quer que pises.

É que tu levas para um céu vazio,
Onde somente as dores tem raízes,
As esperança todas, e não dizes
Nada a quem fica, nem a quem partiu,

Anjo negro, terror da humanidade,
Morte, estilete que nos toca o fundo
D’alma, enchendo de mágoa e de saudade!

Morte, há no mundo tanta dor contida!
Que, tu, que findas todo o bem do mundo,
És a coisa melhor que há nesta vida.

PARADOXO

Se encontrares alguém no teu caminho,
Que do teu pranto menoscabe, rindo,
Que te ouvindo gemer, teus ais ouvindo,
Quebre na face o ritus do escarninho;

Se encontrares alguém que, descobrindo
No recesso da tua alma íntimo espinho,
Em vez de dar-te fraternal carinho,
Aprofunde-te a dor que estás sentido;

Não te zangues com ele, não te zangue
O desgraçado riso que lhe vires;
Toca-lhe o peito - poreja sangue;

Toca-o: verás que fementidos modos!
Sonda-o: verás, por tudo que lhe ouvires
Que ele é mais desgraçado que nós todos.

PRISIONEIRO

XL

Que era um pássaro apenas, me disseste,
Porém o nome dele tu ignoras,
Ouviste e ainda ouves vibrações sonoras,
Mas o doce cantor não conheceste.

Pensas em mim, e do tenor celeste
Escutas enlevada as sedutoras
Canções saudosas e comovedoras...
Que ave, perguntas, misteriosa é esta?

Que encantada harmonia, que doçura,
Que magoado cantar!... A todo o instante
Ouves esta garganta ardente e obscura.

Nunca a verás; não queiras vê-la, não!
Deixa que o meu amor oculto cante
N’áurea gaiola do teu coração.

SEMPRE

Se eu não te disse nunca que te amava,
Perdoa-me, mulher, sou inocente:
Eu vivia de amar-te unicamente,
Unicamente em teu amor pensava.

Se os meus labios calavam-se, falava
O meu olhar apaixonadamente,
Porque, se o labio oculta o que a alma sente,
Conta o olhar o que o labio não contava.

Meu rosto triste, meu cismar constante,
Meu gesto, meu sorrir, tudo exalava,
Tudo exprimia um coração amante.

Em tudo o meu amor se denunciava,
Via-me em toda a parte e o todo o instante,
Se estavas longe, se comigo estava.

TU, SÓ TU...

A Estrela d’Alva desaparecia
Quando eu parti naquela madrugada,
E a doce aurora, tímida e rosada.
Das nuvens de ouro levantava o dia.

Numa palmeira, que no espaço abria
O verde leque, para o céu voltada.
Da áurea garganta uma ave apaixonada
Cavatinas alegres despedia.

Manhã tão linda: o prado um firmamento
Glauco e cheiroso, estrelas multicores,
O chão bordando num deslumbramento!

E eu vendo o campo, eu vendo o céu tranqüilo,
Pensava em ti, dona das minhas dores;
Morta: só tu darias vida àquilo.

Fonte:
http://www.avozdapoesia.com.br/obras.php?poeta_id=366&poeta=Guimar%E3es%20Passos

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