Pintura de Iman Maleki |
A FAZENDA
Ao meu querido Laerte
Seis horas... Salto do leito.
Que céu azul! Que bom ar!
Ai, como eu sinto no peito,
Moço, vivo, satisfeito,
O coração a cantar!
No meu quarto, alegre e claro,
Há rosas e girassóis.
Eu, com enlevo, reparo
No mínimo do seu preparo,
Na alvura dos seus lençóis.
Que doce encanto, e que graça,
Nesta simpleza aldeã,
Têm, sobre os vãos da vidraça,
Leves cortinas de cassa,
Bailando ao sol da manhã!
E da florida janela
Que eu abro de par em par,
- Verde painel, larga tela,
Da cor mais viva e mais bela,
Desdobra-se ao meu olhar!
A manhã, que é fresca e branda,
A rir, gloriosa e feliz,
Doira a casa veneranda,
Com sua quieta varanda
Cheirosa de bogaris...
Um renque de altos coqueiros
Circunda o velho pomar;
Toscos, enormes tabuleiros,
Ficam em frente os terreiros,
Com grãos em coco a secar.
Num quadro, curvo e sozinho,
Um pobre negro, o Bié,
A passo, devagarinho,
Com seu rumoroso ancinho,
Lá vai, rodando o café...
Depois - a máquina, a tulha,
O alpendre, o farto paiol:
Ah, como a roça se orgulha
De ver subir a fagulha
Que lança a máquina ao sol!
Branca, entre tufos, a escola,
Na estrada logo se vê:
Aí, nessa casinhola,
A filha de nhá Carola
Vive a ensinar o a b c.
Fulgem, na estrada tranqüila,
Casinhas brancas de cal:
É a colônia que cintila,
Graciosa como uma vila,
Risonha como um pombal.
Ao longe, o pasto, a cancela,
- Um boi deitado no chão:
Paisagem rude e singela,
Daria fina aquarela
De puro estilo aldeão.
E além, para lá da ponte,
Ao lado do matagal,
Por sobre as lombas do monte,
Por todo o imenso horizonte,
- Alastra-se o cafezal!
O olhar, tonto, se extasia
Na cena rústica e chá;
E a gente sente a poesia.
Sente a radiosa alegria
De tão soberba manhã!
Absorto no panorama
Que assim contemplo, de pé,
Eis que uma velha mucama,
Surgindo à porta, me chama:
"Nhonhô, tá pronto o café...
A GENTE
Saio a passear... Claro e quente,
O sol na altura sorri.
Eu sigo, de alma contente,
Saudando esta boa gente
Dos sítios onde nasci!
Lá vou, por entre este povo,
Com tanta ingênua emoção,
Que eu, sem querer, me comovo,
Revendo agora, de novo,
Nhô Lau, seu Juca, o Bastião...
* * *
Aquele... Nossa Senhora!...
- Aquele é o seu Nicanor:
O mesmo, tão curvo agora,
Que foi, nos tempos de outrora,
O meu grande professor!
É um velho... Um republicano
Desde o tempo que lá vai!
Vive a falar no Floriano,
Dizendo que é veterano
Da guerra do Paraguai...
* * *
E este?... O Mendonça afamado,
O célebre caçador!
Traz a lapeana de lado,
E um perdigueiro malhado
Que salta no carreador.
Rude, feroz, barba intonsa,
Com a sua desfaçatez,
A todos narra o Mendonça
Terríveis caçadas de onça,
- Caçadas que nunca fez.
* * *
Lá está na foice, roçando,
O velho Jeca Morais:
Caboclo bom, gênio brando,
Apenas, de quando em quando,
Bebe algum trago demais.
* * *
No dia em que se endominga,
Vai ao povoado passear;
E à volta, cheirando à pinga,
Discute, provoca, xinga,
Querendo à força brigar!
* * *
Junto, o Nicola persiste
Em consertar um moirão;
Não sei se no mundo existe
Outro violeiro mais triste
Que esse infeliz mocetão.
Louca paixão, louca e imensa,
Sempre em angústias o traz:
É que ele, o poeta, só pensa
Na filha do Quim Proença,
Que gosta de outro rapaz.
Quando o luar desenrola,
No espaço, o místico alvor,
Sonhando um sonho, o Nicola
Põe-se a chorar na viola
As mágoas do seu amor...
* * *
Guiando os bois do seu carro,
Que ringe num alto som,
Nhô João, na estrada de Barro,
Lá vai, pitando um cigarro,
Cheiroso de fumo bom.
Com seu enorme trabuco,
Calça xadrez, pé no chão,
Na venda do Zé Macuco,
Sentado à mesa do truco,
- Que noites passa nhô João!
* * *
Ao longe, num largo trote,
Com elegâncias de peão,
- Bombacha, espora e chicote -
Passa na estrada o Mingote,
Montado num alazão.
Moço dos mais arrogantes,
De claro olhar, claro e azul,
Conta as paixões delirantes
Que teve em terras distantes,
Ao vir com tropas do Sul...
* * *
Eu sigo... Festivamente,
O sol na altura sorri;
Assim, risonho e contente,
Revejo toda esta gente
Dos sítios onde eu nasci...
DERRADEIRA SAUDADE
Paixão fugaz... Ventura passageira...
Rosa que não colhemos da roseira,
Mas que esteve, no galho, ao nosso alcance.
Ah! Quanta vez, num desespero mudo,
Eu quedo-me a cismar naquilo tudo,
Que encheu de sol nosso cruel romance!
Bendigo ainda os beijos que maldizes,
Que abriram na minhalma cicatrizes,
Que encheram de ambrosias nossa boca;
Só me consola, nesta dor pungente,
Lembrar que te adorei perdidamente,
Lembrar que me adoraste como louca!
Mudaste muito, eu sei... Mas, com certeza,
Nas horas de saudade e de tristeza,
Em que a alma chora e o coração nos trai,
Hás de pensar em mim de quando em quando,
Com lágrimas nos olhos relembrando
- Toda essa história que tão longe vai!
Fonte:
SETUBAL,Paulo. Alma Cabocla
Ao meu querido Laerte
Seis horas... Salto do leito.
Que céu azul! Que bom ar!
Ai, como eu sinto no peito,
Moço, vivo, satisfeito,
O coração a cantar!
No meu quarto, alegre e claro,
Há rosas e girassóis.
Eu, com enlevo, reparo
No mínimo do seu preparo,
Na alvura dos seus lençóis.
Que doce encanto, e que graça,
Nesta simpleza aldeã,
Têm, sobre os vãos da vidraça,
Leves cortinas de cassa,
Bailando ao sol da manhã!
E da florida janela
Que eu abro de par em par,
- Verde painel, larga tela,
Da cor mais viva e mais bela,
Desdobra-se ao meu olhar!
A manhã, que é fresca e branda,
A rir, gloriosa e feliz,
Doira a casa veneranda,
Com sua quieta varanda
Cheirosa de bogaris...
Um renque de altos coqueiros
Circunda o velho pomar;
Toscos, enormes tabuleiros,
Ficam em frente os terreiros,
Com grãos em coco a secar.
Num quadro, curvo e sozinho,
Um pobre negro, o Bié,
A passo, devagarinho,
Com seu rumoroso ancinho,
Lá vai, rodando o café...
Depois - a máquina, a tulha,
O alpendre, o farto paiol:
Ah, como a roça se orgulha
De ver subir a fagulha
Que lança a máquina ao sol!
Branca, entre tufos, a escola,
Na estrada logo se vê:
Aí, nessa casinhola,
A filha de nhá Carola
Vive a ensinar o a b c.
Fulgem, na estrada tranqüila,
Casinhas brancas de cal:
É a colônia que cintila,
Graciosa como uma vila,
Risonha como um pombal.
Ao longe, o pasto, a cancela,
- Um boi deitado no chão:
Paisagem rude e singela,
Daria fina aquarela
De puro estilo aldeão.
E além, para lá da ponte,
Ao lado do matagal,
Por sobre as lombas do monte,
Por todo o imenso horizonte,
- Alastra-se o cafezal!
O olhar, tonto, se extasia
Na cena rústica e chá;
E a gente sente a poesia.
Sente a radiosa alegria
De tão soberba manhã!
Absorto no panorama
Que assim contemplo, de pé,
Eis que uma velha mucama,
Surgindo à porta, me chama:
"Nhonhô, tá pronto o café...
A GENTE
Saio a passear... Claro e quente,
O sol na altura sorri.
Eu sigo, de alma contente,
Saudando esta boa gente
Dos sítios onde nasci!
Lá vou, por entre este povo,
Com tanta ingênua emoção,
Que eu, sem querer, me comovo,
Revendo agora, de novo,
Nhô Lau, seu Juca, o Bastião...
* * *
Aquele... Nossa Senhora!...
- Aquele é o seu Nicanor:
O mesmo, tão curvo agora,
Que foi, nos tempos de outrora,
O meu grande professor!
É um velho... Um republicano
Desde o tempo que lá vai!
Vive a falar no Floriano,
Dizendo que é veterano
Da guerra do Paraguai...
* * *
E este?... O Mendonça afamado,
O célebre caçador!
Traz a lapeana de lado,
E um perdigueiro malhado
Que salta no carreador.
Rude, feroz, barba intonsa,
Com a sua desfaçatez,
A todos narra o Mendonça
Terríveis caçadas de onça,
- Caçadas que nunca fez.
* * *
Lá está na foice, roçando,
O velho Jeca Morais:
Caboclo bom, gênio brando,
Apenas, de quando em quando,
Bebe algum trago demais.
* * *
No dia em que se endominga,
Vai ao povoado passear;
E à volta, cheirando à pinga,
Discute, provoca, xinga,
Querendo à força brigar!
* * *
Junto, o Nicola persiste
Em consertar um moirão;
Não sei se no mundo existe
Outro violeiro mais triste
Que esse infeliz mocetão.
Louca paixão, louca e imensa,
Sempre em angústias o traz:
É que ele, o poeta, só pensa
Na filha do Quim Proença,
Que gosta de outro rapaz.
Quando o luar desenrola,
No espaço, o místico alvor,
Sonhando um sonho, o Nicola
Põe-se a chorar na viola
As mágoas do seu amor...
* * *
Guiando os bois do seu carro,
Que ringe num alto som,
Nhô João, na estrada de Barro,
Lá vai, pitando um cigarro,
Cheiroso de fumo bom.
Com seu enorme trabuco,
Calça xadrez, pé no chão,
Na venda do Zé Macuco,
Sentado à mesa do truco,
- Que noites passa nhô João!
* * *
Ao longe, num largo trote,
Com elegâncias de peão,
- Bombacha, espora e chicote -
Passa na estrada o Mingote,
Montado num alazão.
Moço dos mais arrogantes,
De claro olhar, claro e azul,
Conta as paixões delirantes
Que teve em terras distantes,
Ao vir com tropas do Sul...
* * *
Eu sigo... Festivamente,
O sol na altura sorri;
Assim, risonho e contente,
Revejo toda esta gente
Dos sítios onde eu nasci...
DERRADEIRA SAUDADE
Paixão fugaz... Ventura passageira...
Rosa que não colhemos da roseira,
Mas que esteve, no galho, ao nosso alcance.
Ah! Quanta vez, num desespero mudo,
Eu quedo-me a cismar naquilo tudo,
Que encheu de sol nosso cruel romance!
Bendigo ainda os beijos que maldizes,
Que abriram na minhalma cicatrizes,
Que encheram de ambrosias nossa boca;
Só me consola, nesta dor pungente,
Lembrar que te adorei perdidamente,
Lembrar que me adoraste como louca!
Mudaste muito, eu sei... Mas, com certeza,
Nas horas de saudade e de tristeza,
Em que a alma chora e o coração nos trai,
Hás de pensar em mim de quando em quando,
Com lágrimas nos olhos relembrando
- Toda essa história que tão longe vai!
Fonte:
SETUBAL,Paulo. Alma Cabocla
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