de mil seiscentos e doze
uma rainha francesa
também chamada Maria
cujo sonho era enricar
Maria pegou de seus
dois tenentes-generais
de Luís 13 de França
e os mandou correr mar
Sieur de Ia Ravardière
e sieur de Rasilly
que ouvirem melhor fizeram
por via de João de Barros
que era o dono de tuas terras
passar a velhice honrada
se importando com seus livros
a fim de pagar as dívidas
que o naufrágio que levou
a seu filho sócio e haveres
lhe criou pra todo o sempre
enquanto a vida viveu
e sabendo das andanças
de espanhóis e genoveses
uns pra cima outros pra baixo
mas todos por estes lados
puseram proa a noroeste
e em Upaon-açu deram
diz que antes por ti passaram
piratas em rapinagem
mas porém não te esposaram
chantaram pelo teu ventre
encanto e simplicidade
ontem disse um jesuíta
que também te muito amou
e outra vez um filho teu
que assim te viu e te vê
seres tu por esses tempos
do mundo a única filha
rodeada de mil encantos
e amor por todos os lados
mas com toda a maranduba
desde que foste inventada
São Luís do Maranhão
que tens sido cobiçada
por tudo quanto é nação
sempre vive de teus dias
boiando na fantasia
até Bernardes que nunca
chegou a te conhecer
recontou aquele fato
famoso do julgamento
das formigas que roubavam
a farinha dos moirões
da igreja dos barbadinhos
de quantos anos atrás
lá um dia em Guaxenduba
mil seiscentos e quatorze
português estava morrendo
pelas balas dos franceses
foi quando Nossa Senhora
da Vitória apareceu
viu com quem estava a paixão
pois as balas dos soldados
de Jerônimo de Albuquerque
muito havia se acabaram
ficou com pena dos fracos
olhou toda aquela areia
que eles próprios mal pisavam
e a areia se transformou
na pólvora com que expulsaram
os franceses para a França
o general Alexandre
no outro ano ficaria
com o forte de São Felipe
que seria após cabeça
do Maranhão-Grão-Pará
outro tanto do Brasil
os meus avós me contaram
que os seus avós lhes contaram
a estória da baronesa
que quebrava com martelo
os dentes de escravas suas
quando seu marido achava
os dentes delas bonitos
outrora até baronesas
cautelosas dos maridos
quando as escravas moçavam
endurecendo seus peitos
de inveja destas furavam-nos
com alfinetes queimados
para seu encantamento
vazar por aqueles furos
e murchando ainda em moças
os maridos não quererem
ter qualquer coisa com elas
em fundos vasos de alvacenta argila
que hoje alguidares se chamam
desde três séculos atrás
que em ti se amassa juçara
pra comer com camarão
e farinha de mandioca
já no século dezessete
um almirante holandês
te levou um coronel
pra humilhar teu governo
apeando-se na praia
do Desterro e profanando
a igreja e tua infância
de menina inconcebida
logo a maldição da história
fez do bairro onde a maldade
se fundou e amanheceu
a zona donde a miséria
nunca mais anoiteceu
só depois é que vieram
os dois Antônios da história
que com raiva desterraram
ao capitão holandês
para os caminhos de Holanda
Fonte das Pedras lá em baixo
Carmo Novo aqui em cima
e Oiteiro da Cruz lá longe
trincheira onde os tetravôs
cimentaram com seu sangue
a areia de teus anais
acontecido de ontem
é a estória de nhá Jansen
que rojava a escravaria
sobre a lama das sarjetas
pra sobre elas pisar
quando as chuvas estiavam
mas a carruagem rica
da grande dona de escravos
com a alma penada dela
ainda hoje se arrasta
com os pesados correntões
toda meia-noite em ponto
nas ruas sem uma gente
de São Luís do Maranhão
[...]
e a grande história de amor
que para quem não conhece
até parece legenda
do filho de branco e escrava
das terras de Jatobá
que por amor de um amigo
deixou de fugir com a amada
e serem ambos felizes
mas que por isso não foram:
“Enfim te vejo, enfim posso
Curvado aos teus pés dizer-te
Que não cessei de querer-te
Pesar do quanto sofri...”
São Luís do Maranhão
tua história toda é feita
de amor e libertação
tu te lembras que Vieira
pagou com ir para a cela
e com a morte temporária
a morte de não te ver
a ousadia de haver
tentado livrar os índios
do sacrifício sem paga?
tu te lembras que Aluísio
foi largado nos teus braços
por tua sociedade
por ter achado que o negro
é tão gente quanto o branco
e humilhado te deixou
para ser engrandecido
por terras que não amou?
mas tu te lembras também
que algumas vezes tens sido
não mãe mas quase madrasta
por consentires que alguns
de teus filhos atrasados
não perdoem aos irmãos
que sabem mais um pouquinho?
tu te lembras certo dia
voltou com anel da Bahia
um certo filho doutor
que desejou te ajudar
e por causa da campanha
que ele fez pela melhora
de tua alimentação
seus irmãos ignorantes
passaram a lhe chamar
de doutor Farinha Seca
e ele voltou pra Bahia
para ser Nina Rodrigues
e com a ciência provou
que os negros também são gente?
mas outros que nem Mohana
deixam seus ouros lá fora
fazem voto de pobreza
e voltam pra te servir
és assim mesmo! teus filhos
e até os que só te veem
podem deixar-te de vez
mas para nunca jamais
te apagarão da memória
com toda a maledicência
de tuas águas azuis
tens tudo pra vir a ser
outra Atenas Brasileira
no entanto foste o ceitil
do mais possante rebanho
de cegos surdos e mudos
deste país sem fronteira
deste gigante Brasil
[...]
Fonte:
ARAÚJO, Antônio Martins. História da Cidadezinha dos Palacetes de Porcelana. São Luís: Lithograf, 2012
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