domingo, 10 de março de 2013

Soares de Passos (Desalento)

Cansado, ai! já cansado, quando a vida
Em flor nascente desabrocha ao mundo!
Quando a esperança, d'ilusões vestida,
Sorri a todos num porvir jucundo!

Alma que gemes em letal quebranto,
Desprende as asas nos vergéis celestes!
Amor, glória, prazer, dai-me inda o encanto
Que nos dias passados já me destes!

Mas que é o amor da terra? luz divina
Que mal desce do céu logo se apaga;
Cândida rosa que o tufão inclina,
Que o tempo e a morte desfolhando esmaga.

Doces imagens que em ditoso enleio
Cerquei outrora d'ilusão infinda,
D que é feito de vós? ai! neste seio
Viveis apenas, se viveis ainda.

E tu, que és tu, ó glória? um som que passa,
E de século em século retumba,
Mas que a frígida lousa não traspassa
De quem já dorme na calada tumba.

Astro que brilha e queima, espectro ovante
Que a desgraça acompanha, e o génio ilude:
Vós o sabeis, Camões, e Tasso, e Dante,
Vós que gemeis ainda no ataúde.

Que é o gozo, o prazer? fumo d'incenso
Que embriaga um momento, e se evapora;
Que é o saber, a ciência? espaço imenso
Em que a verdade mal reluz na aurora.

Que é este mundo, que eu sonhei tão belo?
Profundo abismo de tormenta escura;
Que é pois a vida? um fadigoso anelo
Que levamos do berço à sepultura.

A morte! oh! se além dela o porto amigo
Nos surgisse afinal ledo e formoso!
Se nesses mundos da esperança abrigo
Despontasse outro sol mais bonançoso!

Mas quem sabe da morte? o ouvido atento
No silêncio das campas nada escuta;
E Sócrates não diz se um novo alento
Achou, bebendo a gélida cicuta.

Senhor, Senhor, por que vim eu ao mundo,
E qual é sobre a terra o meu destino,
De mim que homem geraste, e que fundo
Deste vale d'angústia erro sem tino?

Infeliz de quem nasce! a ave que gira,
A fera, o tronco, o verme que rasteja
Também nasceu, mas esse nada aspira,
Ou se aspirou alcança o que deseja.

E o homem nasce, pensa, e aspira ansioso
Às ilusões que a mente lhe depara,
E a cada passo lhe esmorece o gozo,
E acha só trevas onde luz sonhara.

E caminha, e caminha, e sem alento
Cai abismado no seu térreo leito,
Onde após a fadiga e o sofrimento
A lousa sepulcral lhe esmaga o peito.

Aqui, de dor um pélago profundo;
Além, os vermes da feral jazida;
Senhor, Senhor, por que vim eu ao mundo?
Por que do nada me chamaste à vida?

Fonte:
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

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