sábado, 19 de julho de 2008

Hélio Polvora (O Busto do Fantasma)

O fantasma que apareceu lá em casa, ao contrário ao fantasma de James Thurber, não cometeu estrepolias nem teve caráter transitório. Instalou-se para ficar e desde o primeiro dia manifestou, pela impassibilidade do rosto, que estava ali cumprindo penitência ou em busca de algo Difícil desalojá-lo. Realmente, muitas tentativas se fizeram, experimentaram-se todos os recursos; imaginação não nos faltava, inveterados leitores de romances em fascículos que um vendedor ambulante fornecia quinzenalmente. Mas o fantasma resistiu a tudo e a todos. De nada adiantou, por exemplo, substituir uma telha de vidro na cumeeira, por onde, segundo asseverava minha mãe, ele entrava à meia-noite; e as rezas de Nunila, minha tia, tão eficazes para sarar mordeduras de cobra e espantar mau-olhado, provaram sua absoluta e total ineficácia. O fantasma zombou, no seu modo sério, do mastruço, alecrim e outras ervas recolhidas no campo, ao entardecer, quando a campanha movida contra ele pela família inteira atingira o ponto culminante, o ponto do desespero.

Houve quem recuasse no tempo e pressentisse no pio estrídulo de uma ave agourenta — que não chegou a ser vista, sequer identificada — o anúncio da visita próxima e duradoura do fantasma. O que não é para admirar: naquela altura, com ele dentro de casa, invisível durante o dia, bustificado depois das doze badaladas, as explicações choviam, tentava-se tudo, numa escala que partia do lógico e enveredava pelo absurdo. Como o pio da ave agoureira precede sempre acontecimentos tristes, acabamos todos por admitir o mau presságio. No seu vôo súbito sobre a casa, norte para sul, aquela ave deixara sinal de desgraça.

A ave foi ouvida numa tarde em que meu pai e seu ex-tutor Chico de Luanda cochilavam no alpendre, abordando temas vagos e aparentemente desconexos, que, aliás, não tinham pressa de concluir. Já então os olhos dos morcegos, sensíveis ao desfalecimento da claridade, estremeciam, e dentro em pouco eles estariam chiando na copa do jenipapeiro, nos frutos maduros que tombariam ao alvorecer. A conversa entre os dois, meu pai e o visitante, pendia num silêncio prolongado de propósito para acentuar o peso da última observação proferida não se sabe por quem, e os ruídos da casa se haviam aquietado, num repentino poço de silêncio, quando alguma coisa penugenta cruzou o ar, sobre o alpendre, por cima da cumeeira — e soltou um pio medonho que por muito tempo fendeu a tarde, como uma quilha que deixa sulco.

"Ai", gemeu Chico de Luanda.

“Ai” , gemeu meu pai.

Chico de Luanda, que era supersticioso, levantou-se e não conseguiu encontrar as pernas. Suas articulações pareciam de geléia. Meu pai deixou-se ficar na espreguiçadeira, estatelado, de boca aberta.

"Você ouviu?", perguntou Chico de Luanda.

Uma pergunta inútil, mas inteiramente desculpável, porque o espírito dos dois não estava bem equilibrado.

“Ouvi, sim. Foi um pio infernal"

"Talvez um pombo do inferno", sugeriu Chico de Luanda. "Não conheço ave nenhuma que pie desse modo, assim tão alto e fino."

"Nem eu", confessou meu pai, que era caçador nas horas vagas, um caçador que tinha pena de caça e pretendia, no fundo, era matar o tempo, mas se gabava de conhecer aves, pássaros, galinholas e passarinhos, perdizes e arapongas, anuns e xexéus. A conversa ficou nisso - ou quase nisso. Interrogados discretamente a princípio, para não se espalharem temores vãos, os outros habitantes da casa confirmaram o pio, a que não deram importância maior. Naturalmente dentro de casa o pio lhes chegara amortecido. Lá fora, no alpendre que divisava o descampado, fora terrível, "um guincho de endoidecer", conforme dissera Chico de Luanda.

Se o objetivo do pio da ave agoureira era transmitir um alerta, falhou. Passado o primeiro estremecimento, meu pai voltou às suas ocupações rotineiras, e Chico de Luanda, apenas uma visita rápida, também se esqueceu do episódio, que de qualquer forma não lhe dizia respeito. Os dias correram, a vida prosseguiu no mesmo ritmo, marcada pelo relógio grande, de badalo, da sala de visitas. Quando algum de nós se esquecia de dar-lhe corda, o que era freqüente, podia-se acertá-lo mais ou menos certo pela passagem das marnetes. A vida era mansa, quase boa, na casa velha que tinha uma capoeira atrás e um pasto na frente, em declive.

A casa era grande; vista de longe, do fundo do pasto, embaixo, para quem chegava parecia quadrada, não fosse a despensa que avançava em forma de telheiro, numa aparência, ela só, de caixão de defunto. Subia-se ao alpendre por uma escada lateral, de poucos degraus de tábuas carunchosas que no verão estalavam e no inverno arrancavam sons ocos. O primeiro degrau era um enorme cepo de vinhático. Depois do alpendre, com duas janelas e uma porta, vinha a sala de visitas, vasta, de teto alto, adornada com uma escrivaninha de jacarandá que tinha tampos e fechos de prata, e ao lado o relógio de pêndulo que malhava, assustador, o silêncio das tardes e noites modorrentas. Uma porta abria-se à esquerda para um quarto onde eu dormia numa cama de couro de zebu e cuja janela dava para o já mencionado jenipapeiro. A janela era alta, porque a frente do casarão se apoiava em firmes e grossos esteios que iam diminuindo à medida que subia o declive, de forma que na frente da casa havia um porão ótimo para galinhas chocarem, pôr ovos e se revolverem na poeira. Guardavam-se ali velhas tábuas, ferramentas decrépitas, as vespas faziam casas e voejavam endoidecidas nos dias de verão intenso. A direita da sala começava um corredor não muito longo, mas escuro, e bem no meio dele desembocava um quarto comprido e úmido, que ia dar a uma janela minha vizinha e menos alta. Era o quarto do fantasma. O corredor findava numa ampla e já térrea sala de jantar, com outro quarto de dormir ao lado do quarto do fantasma, como ficou chamado. Comíamos numa mesa nua, orlada por dois bancos compridos, de madeira. Num dos cantos, junto à parede da cozinha, uma talha. A cozinha, à esquerda, possuía um fogão alto, sobre estacas; defronte, um pilão onde a negra Ana moía café torrado numa folha-de-flandres, de beiradas. A cozinha dava para a despensa, com armários, e abria para o terreiro. Uma pedra roliça servia de batente. Além do terreiro, um descampado que descia até o brejo. As árvores rareavam até se transformar em liquens, trepadeiras, samambaias ou o que quer que fosse, que eu nunca fui bom em botânica.

A casa do finado José, agora a casa do meu pai. Mas nela o que interessa mesmo é o quarto úmido c::de o fantasma boiava. O quarto começava por uma arca de cedro, pesadíssima, a um canto da parede, onde meu pai guardava instrumentos de carpintaria: serrote, serrotão, pua, trado, enxó, nível, escala, machada, fio de prumo, facões e coisas de vária serventia. Perto da janela ficava a cama, uma dessas camas antigas, de cabeceira alta. Em baixo da cama, o urinol. Em cima, uma telha de vidro por onde se divisava a madrugada, e que coava o sol quando o dia esquentava. Eu quase ia esquecendo, logo à entrada, um crucifixo de madeira, mostrando um Jesus agoniado, de rosto contraído pela dor, o Crucificado mais sombrio que já vi. Parecia real, o sangue quase escorria das feridas abertas nas mãos e nos joelhos pelos cravos. E a coroa de espinhos era metálica, penetrava fundo no couro cabeludo.

Meu pai, asmático, acordava muitas vezes durante a noite, sobretudo no inverno, para fumar cigarros de folhas de estramônio. Chiava, ofegante, recostado em travesseiros, enquanto minha mãe, já habituada, ferrava no sono, ao seu lado, ou, se desperta ante uma tosse mais renitente, murmurava queixas indistintas. Uns dez dias depois do prenúncio da ave agoureira meu pai acordou numa de suas crises, respirando como um fole; tateou a mesinha ao lado, à procura da caixa de fósforos, riscou um palito e acendeu a lamparina de querosene. À fraca luz da chama, depois de tirar a primeira baforada do estramônio e acomodar melhor as camadas dentro do peito, divisou então um vulto.

Não era bem um vulto — disse ele, no dia seguinte, calmo. Era um busto, apenas um busto a sobrenadar a escuridão do quarto. Sobrenadar, não. O busto pairava, entre o chão e o teto, como se fora uma neblina suspensa na manhã que mal se inicia. A metade de um homem, do tórax para cima. Claro que meu pai só chegou a formar imagem completa nos dias subseqüentes, porque naquela noite, percebida a névoa de contorno humano, apagou logo a lamparina, achegou-se à minha mãe e se esqueceu até de tossir. Dormiu mal, acordou de olhos remelentos e lacrimejantes, olhos encovados em bolsas flácidas.

A novidade não custou a se espalhar, primeiro entre os de casa. Iniciaram-se especulações de toda sorte, palpites partiam de um e de outro, todos intrigados, é claro.

"Será o finado José ainda penando no lugar em que morreu?"

Digo logo que esse finado José, meu avô, morrera não exatamente ali, mas a uns quinhentos metros, atrás da cancela. Voltava da feira, montado em cavalo esquipador, com uma barrica de aguardente no arção da sela, quando caiu do animal, que era árdego e lhe desferiu uma série de coices na cabeça, tronco e membros. Mas, de qualquer forma, que são quinhentos metros, meio quilômetro apenas, para uma alma que se pode deslocar sem o menor esforço, que entra e sai através de portas e janelas fechadas, que ultrapassa paredes? Esse o argumento de minha tia Nunila — e não foi contestado.

"Só pode ser o finado José."

"Talvez não seja. Justo é muito impressionado, pensou que viu alguma coisa", aparteou minha mãe, pessoa prática e teimosa para quem as coisas deste mundo já constituíam tormentos mais do que suficientes.

A dúvida permaneceu, só veio a ser desfeita quando meu pai, vencidos os temores iniciais, aventurou olhadelas para a coisa enevoada, primeiro furtivas, suspendendo rápido a ponta do cobertor, depois mais ousadas, e, por fim, cara a cara. O retrato do fantasma foi composto, ou recomposto, aos pedaços. O problema da barba, por exemplo: comprovou-se que ela era cerrada, mas não alta; uma barba que tomava ou fechava quase o rosto todo, confundindo-se com as costeletas, estas mais bastas e branqueadas; uma excelente e austera barba à antiga, dessas que impunham respeito, rendiam consideração, valiam mais que assinatura em letra promissória. A testa era estreita, o cabelo crescia logo em longos fios luxuriantes. Provavelmente o defunto era avesso ao barbeiro, só aparava as madeixas em última instância — e morrera bem necessitado de tesoura. Se era um fantasma vingativo, esta dúvida não tardou a ser aplacada. Porque o vulto, ou o busto, não se movia, não avançava pelo quarto, não franzia o sobrolho, não vincava a testa, não enrugava o canto da boca, não piscava os olhos, não fazia trejeitos zombeteiros. O rosto do fantasma não demonstrava amuo, queixa, recriminação, nem tentava qualquer aviso, qualquer comunicação com os terrenos que ali ressonavam na paz do quarto comprido e escuro como breu. Limitava-se a ficar suspenso, olhando. Meu pai logo• reconheceu o seu pai. Era, com efeito, o finado José. Por que voltara? Que desejava transmitir-lhe? Estaria pagando penitência? Nas madrugadas de crise asmática, fumando os cigarros de estramônio com filtro de algodão, meu pai vasculhava a memória, em busca de faltas. Nada encontrava digno de punição extraterrena. Ficara com a fazenda, é verdade, mas comprando a parte dos irmãos Romão Baptista e Justino. Não lhe arquejara o defunto, em vida, pouco antes de morrer, que confiava nele?
Travavam, o busto no meio do quarto e o busto na cama, um monólogo pouco esclarecedor. Nas noites em que minha mãe estava ausente, em visita a parentes ou amigos na cidade, meu pai achava até reconfortante a presença do vulto na casa enorme e vazia. O fantasma inspirava-lhe coragem contra possíveis assaltantes. Adquiriu até o hábito de, nos seus monólogos, dirigir-lhe a palavra, pedir conselhos, como fazia em vida ao finado José.

“Faço bem, meu pai?”

E tinha até a impressão de que o busto curvava de leve a cabeça, em vago aceno afirmativo.

Esse fantasma nem sombrio nem alegre, nem pacífico nem perseguidor, acabou sendo o pretexto há longo tempo buscado por minha mãe para mudar de vida, instalar-se na cidade, "viver como gente", como ela dizia em momentos de rabugice maior. Uma noite, meu pai dialogava com o vulto e, como se habituara a pensar em voz alta, despertou-a.

"Estou pensando em mandar João Gonçalves fazer nova estufa ...”

...
"O senhor acha que a safra deste ano vai ser boa?

"É isso mesmo, o cacau temporão promete. E o :.c-:=.po está propício, parece que teremos chuvas fra-
...,

"Se os birros vingarem todos, ou quase todos, vou colher aí umas duas mil arrobas. E precisarei de estufa.”

Minha mãe apurou os ouvidos, soergueu-se na cama e perguntou, zombeteira:

"Deu pra falar sozinho, homem? Já é caduquice?”

"Não", respondeu meu pai, distraído. "Estava conversando com o finado José."

“Com o finado ... o quê?”

Meu pai calou-se, tentou soprar a lamparina, mas antes disso os olhos de minha mãe deram com o quê não deviam dar: com o busto suspenso na escuridão esgarçada. O berro varou a noite, como um punhal de lâmina aguçada, e ela se meteu embaixo do cobertor, convulsa e conturbada. A casa acordou toda, batidas à porta não tardaram, ninguém dormiu mais. No dia seguinte começou de verdade a luta contra o fantasma. As primeiras providências couberam, como eu já disse no início, à minha tia Nunila, mas infeliz ou felizmente ela só sabia cuidar de seres deste mundo, que benzia com raminhos de alecrim e nos quais aplicava mastruço.

Os ramos de alecrim colocados no assoalho de tábuas de putumuju, no lugar do busto, murcharam com os dias — e o busto continuou a aparecer depois da meia-noite, com a mesma expressão severa mas resignada. Nunila tentou então as rezas. A mais forte, ensinada por uma curandeira que ela conhecera em Sergipe antes de emigrar para o sul, perguntava num dos seus mais expressivos quartetos:

Espírito das trevas
o que buscas?
Acaso pescas
em águas turvas?

O fantasma não deu resposta, nem em prosa nem em verso. Continuou a se mostrar todas as noites, teimoso, no mesmo lugar, com o mesmo olhar, a mesma barba, os mesmos olhos fixos como verrumas, mas que não doíam, não trespassavam ninguém. Exceto, é claro, minha mãe, que, depois da aventura daquela noite, se transferiu para o quarto ao lado, onde sepultava os terrores num sono de chumbo, ajudada por magnífico jantar. Claro que esta situação, camas separadas, quartos separados, não podia durar muito. "Não sou inglês", berrou meu pai, uma noite, sem mais preâmbulos, perdida a compostura. Queria dizer “não sou americano", mas detestava os ingleses, por que não sei. Minha mãe se recusou terminantemente a voltar à alcova, e ele, para não dar demonstração de fraqueza perante a família, também não quis renunciar à cama de dossel. Passaram dias emburrados, usando filhos e parentes como tabela para se dizerem apenas o essencial. Esses diálogos indiretos podiam ser assim resumidos:

"Pensando bem, é apenas um busto."

“Mas é um busto de pessoa morta."

"Tudo na vida depende do modo de ver", filosofou meu pai. "Por que não imagina que embaixo do busto há um pedestal?”

"Isso é faz-de-conta, é carochinha."

,”'Aliás, o quarto é grande e nu, um busto ali no meio até que enfeita ... "

As soluções começaram a germinar na cabeça de meu pai. Pensou, a princípio, em colocar um espelho em frente do busto; o finado José poderia espantar-se e desaparecer para sempre. Provavelmente os cabelos teriam crescido depois da morte. Não dizem os entendidos que, parado o coração, as unhas continuam a crescer no lodo da terra? Pensou em substituir a telha de vidro por uma telha comum, de barro. Pensou em ficar de atalaia, uma noite, no telhado, no sítio por onde se supunha que o fantasma entrasse — mas temia os resfriados, abominava correntes de ar.

Afinal, numa de suas viagens semanais à cidade, voltou com um busto de gesso, algo parecido com o do fantasma — e colocou-o no mesmo lugar onde o outro boiava.

"Pronto", anunciou ele à minha mãe. "Agora você pode dormir tranqüila.”

Minha mãe, desejosa de demonstrar boa-vontade, retornou à alcova, à cama de dossel. Inutilmente, porque não pregou olho. Era um remexer-se incessante, um coçar-se, um inquietar-se, um cuidado excessivo para que os pés não sobrassem do cobertor, ficassem expostos a puxões.

"Não posso", dizia ela, pedindo-lhe para acender a lamparina. "Sei que por cima do busto que você comprou está o outro. "

O busto era de gesso; objeto inútil, acabou dentro da arca de cedro. E minha mãe, cada vez mais assombrada, lançou o ultimato: a casa ou ela, o fantasma ou ela. Arrumou a mala e partiu, disposta a uma longa temporada na cidade. Meu pai coçou a cabeça, fingiu alheamento, mas, à noite, puxando fumaça do seu estramônio, estirou o beiço para o busto, como a perguntar:
“E agora?”

A idéia mais razoável para resolver a situação incômoda partiu de Joãozinho Feitosa, que só vestia terno preto, tinha fala macia e andava descalço. Calça e paletó pretos, sempre, e um chapéu de feltro de tira preta, que ele quebrava na frente; adquiria com isso um ar gaiato, de bravata e de audácia, que em absoluto se coadunava à sua pessoa triste. Vendo-o passar nas estradas e tirar o chapéu para o cumprimento, eu pensava: "Vai a algum velório." Esse Joãozinho Feitosa, dizia-se que um primo distanciado de minha mãe, servia de mote a brincadeiras de meu pai. Nos momentos em que Justo estava de bom humor, o que lhe acontecia raro, porque os negócios nem sempre corriam bem, ou a sua sovinice nunca se dava por satisfeita, parodiava a letra de Scrivimi:

Tu me deste uma rosa,
ó Joãozinho Feitosa ...

Minha mãe respondia às risadas com muxoxos vexados que, às vezes, de tão soturnos, estancavam o riso, detinham a relembrança do seu namoro antigo com o primo macambúzio. Se é que houvera mesmo namoro. Nas visitas do primo pobre tratava-o com cerimônia, punha-o a distância. Joãozinho aparecia sempre bem barbeado, com a pele azulada no queixo e até o meio das bochechas, mas entre os dedos dos pés percebia-se a lama seca dos caminhos.

Pois foi esse Joãozinho Feitosa quem sugeriu afinal a idéia que, se não solucionou o problema do fantasma, deu pelo menos um rumo mais decente à nossa vida, de acordo com o figurino da civilização defendido por minha mãe em momentos de zanga, angústia e desespero: a mudança para a cidade. Com os olhos compridos pousados no dedão do pé direito, que ele mexiam como a traçar sinais misteriosos nas tábuas do alpendre, Joãozinho avançou em voz tímida:

"Conheço um rezador de primeira ordem."

“'Quem, Joãozinho?”

“Tomé de Arapiraca.”

Não era bem um rezador; era, segundo eu já ouvira falar, um pai-de-santo que recebia o espírito de um caboclo adivinhador e versejador. Meu pai, que só acreditava na natureza como princípio e fim de todas as filosofias e crenças ("deixe que a natureza resolve" era sua frase favorita), enfraqueceu o entusiasmo recém-desperto, mas como perdera dois sacos de cacau seco tirados noite velha por baixo do zinco da barcaça, sem que o cachorro latisse contra o ladrão sutil, viu aí a esperança de reaver o que era seu, quem sabe? Quanto ao fantasma, ele pouco estava ligando, habituara-se ao busto enevoado — mas se o exorcismo de Tomé de Arapiraca o devolvesse às profundas do céu ou do purgatório, devolvendo a ele, Justo, a mulher e a :;paz,, tanto melhor.

"Quanto o homem cobra, Joãozinho?"

"Nada, não aceita um dez réis. Você tem de levar apenas uma garrafa de aguardente, que é o que ele sempre pede. E, às vezes, charutos ordinários, grossos, do tipo escora-carroça.”

Meu pai resolveu ir, por desfastio. Não tinha o que fazer, estava-se no paradeiro — tempo terrível, de verão,, entre a última safra e a vindoura, quando o dinheiro ea curto e as cismas mais longas. Joãozinho nos conduziu, certa manhã, ao terreiro. Filho mais velho, admitiram-me na comitiva, a princípio com relutância, depois com leve condescendência — a mesma relutância e a mesma condescendência com que às vezes falavam de mulheres, longe dos ouvidos de minha mãe e a distância razoável dos meus. E assim, eles na frente, eu um pouco atrás, a distância respeitosa, desembocamos no terreiro de Tomé de Arapiraca, que estava varrido e seco, e onde algumas pessoas fumavam, caídas de cócoras, numa posição que durou muito e me provocou angústia. Até que o rezador apareceu, de olhar estremunhado. Ou estivera dormindo ou em transe.

Não vou descrever tudo o que Tomé de Arapiraca fez e falou; a parte importante é a dos versos. Digo, porém, que invocado o espírito adivinhador e formado o círculo de assistentes, o homem entrou em convulsões, e nestas, braços, pernas e ventre tiveram muito trabalho. Temi que ele fosse se desconjuntar; sem dúvida aquilo exigia muito preparo físico, que eu jamais poderia associar à carne seca com farinha e rapadura, prato único no cardápio dos pobres. Recebido o espírito, que se ajustou no seu corpo com uns espasmos derradeiros e umas torções de quem tenta encaixar a carne em roupa apertada, Tomé de Arapiraca, sujeito ainda moço, denunciou quem desencaminhara certa moça ultimamente muito falada na Baixa Grande. E antes de responder à primeira consulta transmitida em voz baixa por Joãozinho Feitosa (o furto do cacau tinha prioridade), deu três voltas completas pelo círculo de assistentes, com a garrafa de aguardente destampada sobre a cabeça e a dançar. Não caiu uma só gota.

Depois que o sol se deita
o mal caminha do Leste.
A morte a mão lhe enfeita.
com o que tira, se veste.

"Um ladrão profissional, sem dúvida", cochichou meu pai no ouvido de Joãozinho Feitosa. "Com o que tira, se veste.”

“E mora onde nasce o sol", lembrou Joãozinho.” 'Isto mesmo, no Leste. “

Conclusões fáceis para quem, como meu pai, matava charadas novíssimas com o auxílio do dicionário pratico e ilustrado de Jayme de Séguier, distração predileta nos domingos, quando não havia visitas. Charadas bem mais difíceis do que os versos do caboclo adivinhador ele já matara, como, por exemplo uma que lhe fora proposta em mesa do bar de Carneiro, na cidade, enquanto disputavam pôquer de dados atirados chocalhados num copo de couro, para ver quem pagaria a rodada de cerveja. No meio da sociedade a honra cambaleia. Uma e duas. Ébrio. E aquela outra, um primor de composição: Rente ao túmulo de Jesus, chorava Madalena sem coragem e com temor. Uma e duas. Respeito. Chegara 2.té a matar, depois de semanas de duro labor, uma péssima charada que haviam dedicado a um sujeito chamado Edgar, vendeiro que usava um toco de lápis grosso atrás da orelha cabeluda e passara tardes debruçado no balcão, sobre folhas de papel almaço, tentando em vão decifrá-la. O homem tem garbo de ser homem. Uma e uma. Edgar. Ed, afinal de contas, não é nome de ninguém, e o recurso de tirar gar de garbo era burrice de charadista inepto.

Mas o Leste era vasto e razoavelmente habitado: coronéis e suas famílias, administradores, agregados, lobisomens. Quem seria o ladrão? Ladrão, ladravaz. O cérebro de meu pai trabalhava. Caminha, portanto não tem cavalo. Caminha do Leste. Gente pobre ou remediada. Furta para se vestir, está claro. Se tem terra, ela não dá colheita. Estéril. Sáfara. Árida. Ou talvez não desse colheita porque o homem não plantava. O homem seria um preguiçoso de nascença, conhecia muitos assim. Habituara-se sem dúvida a furtar e a roubar, as coisas lhe chegavam fáceis, o de-comer não faltava, então por que se esfalfar? A morte a mão lhe enfeita.

Verso obscuro. A morte enfeitando uma mão?

Só se fosse vela, a vela que enfiam na mão do defunto. Mas não, o homem estava bem vivo, furtara-lhe o cacau com arte, nem sequer despertara o cão. É bem verdade que Vesúvio estava velho, de ouvidos moucos. Eu tive um cão, chamava-se Veludo ... Lá estava meu pai outra vez a divagar. Gozado como uma palavra puxa outra; os pensamentos surgem atrelados, a reboque. A morte a mão ...

"Matei.”

Naquele justo instante Tomé de Arapiraca soltava um dos seus maiores pinotes, sempre com a garrafa de aguardente equilibrada no alto da cabeça, como se ali pregada com visgo de jaca. Joãozinho Feitosa, que tinha os olhos ferrados em Tomé, nas cabriolas de Tomé, estremeceu:

"O quê?"

"Matei, Joãozinho, matei. Quem é que mora no Leste, não trabalha, tem uma filharada para sustentar e vive por aí, caminhando ao léu, com uma espingarda na mão?”

'Petronílio.”

"Exato, Petronílio”

"Pois se foi ele, homem, e tudo indica que foi, perca a esperança. Ninguém nunca descobriu. Se desconfia, ele dá mesmo o que falar, mas provar é o diabo. Acabou-se”.

Tomé de Arapiraca deu outra volta no terreiro, a garrafa presa no cocuruto, sem derramar uma única gota: Os olhos rolaram, brancos, na direção de meu pai. Pareciam vidros foscos, ou contas espetadas em bruxas de pano pra acalentar meninas pobres.

“Agora", anunciou Tomé, "vou responder à sua segunda pergunta.”

Os lábios grossos abriram-se como feridas vermelhas e inchadas em volta do charuto grosso. Tomé de Arapiraca se concentrou, levantou os braços, invocou o espírito das musas caboclas.

No livro está a resposta
à penitência do vulto.
Ninguém volta porque gosta,
mas para achar o oculto.

Era o problema do fantasma. Ainda ébrio pela descoberta do ladrão — descoberta inútil, mas que intelectualmente daria os seus dividendos na família e na roda de amigos — meu pai teve o cuidado de anotar o enigma numa caderneta que sempre trazia no bolso traseiro da calça, para quando lhe tomavam dinheiro emprestado fora de casa, ou um trabalhador pedia um adiantamento no meio da semana, longe do livro-caixa que ele herdara do finado José. No caminho de volta, releu os versos, as mãos tremeram, os olhos cresceram.

"Isto está me cheirando a botijão de ouro, Joãozinho.”

Joãozinho Feitosa concordou: onde havia fantasma, havia botija de moedas antigas, enterradas bem fundo. Ou ocultas de outra forma, talvez em paredes, entre caibros e vigas, debaixo do assoalho. Não tocara nisso antes para não provocar inquietação e mal-estar na família. O finado José fora um sovina de marca maior; ao sentir as primeiras pontadas da velhice, talvez uma voz interior lhe houvesse soprado: "Esconde o que é teu para não teres de repartir com os filhos. Precisarás do que amealhaste quando perderes as forças. Sabes como são os filhos: crescem, se desapegam, o pai se transforma num estranho para eles. Tu mesmo conheces casos de pais corridos porta a fora ...”

Nesse ponto tive de correr atrás deles, porque meu pai, se não corria propriamente, trotava, e Joãozinho Feitosa teve de fechar o paletó negro de abas desfraldadas ao vento. Paramos apenas no alpendre o tempo necessário para recobrar o fôlego. Na respiração ofegante de meu pai não ouvi o chiado característico do asmático. As camadas estavam perfeitamente superpostas dentro do seu peito.

No livro está a resposta ...

E meu pai atirou-se à estante, que era modesta, como convém a um homem trabalhador; quem pega no pesado não tem tempo para esses luxos. Romance é coisa pra moças, mesmo assim as que se comprazem no ócio, indiferentes às rendas e bordados, honestas prendas que rareiam hoje em dia. Mas uma leiturazinha pra encher um domingo, um bom enredo à maneira de Pérez Escrich não fazem mal a ninguém. Atiçam a imaginação, um homem também precisa de uma pitada de sonho pra temperar esta vida.

Meu pai começou a busca por um livro que passara de mão em mão na família e todos acharam genial, mas muito triste, muito pesaroso: A Toutinegra do Moinho. Sacudiu-o, folheou-o e nada encontrou. Releu o título. Depois foi a vez de Eugêne Sue e Victor Hugo. O Diamante Maldito, enredo policial muito do seu agrado, nada lhe revelou também. Por fim, numa brochura já sem capa, intitulada Olhos Fascinadores, seu coração quase parou. Lá estava um pedaço de papel. Meu pai desdobrou-o com lentidão. O sangue lhe subira ao rosto. Lembrava-se de uma estória que lhe tinham contado, de um sujeito que sofria do coração e acertara na sorte grande. A família, para não matá-lo com o choque, começou com rodeios: "Imagine se você um dia comprasse um bilhete de loteria ..." E foi assim., num crescendo, até soltar a revelação final e o desgraçado soltar o último alento.

Mas o papel continha apenas um soneto parnasiano, da lavra de meu pai, pecado cometido na juventude, quando ele namorava uma moça gorda que veio a casar deois com um comerciante. Orgulhoso e para que não irassem dúvidas quanto à autoria, meu pai escrevera antes de sua assinatura, embaixo: "Do próprio punho. E datara. O soneto cantava os tormentos marítimos de Ulisses:

Da vasta noite a estrela peregrina
banha a galera de níveos lavores;
dos golpes de remo os leves rumores
ferem o silêncio ermo da piscina.

(Piscina era o Mediterrâneo: licença poética e necessidade de rima.)

Eis que, rompendo a paz d'hora divina
suavíssimo e doce canto se alteia.
Das glaucas ondas ergue-se u' a sereia
esplendorosa, nua, serpentina.
Treme Ulisses sentindo-se arrastado;
a tentadora, mui perto, ao costado,
quer atraí-lo c'o encanto e sedução.
Resiste o herói grego; e em grave apelo
convence a marinhagem a prendê-lo
ao pé do mastro, fugindo à tentação.

Não era hora de sonetos, mas meu pai, apesar de homem prático também um esteta, releu-o, empostando a voz, para deleite meu e de Joãozinho Feitosa. Que rimas, hem? Ricas, sonoras. E pode contar as sílabas nos dedos, tudo certinho, medido. Aqui não tem pé quebrado.

"Tem idéia, tem vigor. Até parece que estou vendo a cena", concordou Joãozinho Feitosa, com um princípio de baba num dos cantos da boca.

Passada a euforia dos dois quartetos e dois tercetos sem fecho de ouro, mas de lavor clássico, meu pai voltou à caça ao tesouro. Não havia criptograma a decifrar, como no caso dos dançarinos de Conan Doyle, nem fio a ser esticado por entre a órbita de uma caveira, como no escaravelho de Poe. Havia apenas um livro a procurar. E ele virou e mexeu, sacudiu e folheou fascículos, brochuras, almanaques, uma coleção inteira de Chácaras e Quintaes, sob o olhar expectante de Joãozinho Feitosa, que não perdia um movimento seu. Esgotada a biblioteca familiar, caiu em desânimo, procurou uma cadeira.

“Acho que Tomé de Arapiraca se enganou desta vez."

“Procurou bem?”

“Já olhei tudo."

Os olhos de meu pai erraram, pesarosos, pela sala, fixaram-se na pêndula que ia e vinha, deram com pitangas maduras além da janela aberta, retrocederam e pousaram com desgosto na escrivaninha de tampos e fechos de prata, bem precisada de uma limpeza. O pó se acumulava nas beiras, a negra Ana ia levar um carão. Se por fora era o que se via, imagine-se por dentro ... Provavelmente as traças se banqueteavam, comiam algarismos, contas amareleciam sob uma camada de bolor e poeira. O livro-caixa ...

“O livro-caixa," berrou, pondo-se de pé num salto de menino novo.

"Eu não dizia?" animou-se Joãozinho Feitosa.

Examinado às pressas, o livro-caixa revelou numa de suas mais antigas anotações, antes do meu pai começar a escriturá-lo, uma entrada de cinco contos de réis, na coluna do haver, mas que não fora registrada; a partir daí, não aparecia mais em nenhum balanço. Os cincos contos, fruto talvez de alguma venda, de uma herança ou de um jogo feliz, haviam desaparecido. Ora, moedas de ouro não se dissolvem no ar, o defunto era muito cuidadoso nas suas anotações.

"Escondeu", disse Joãozinho Feitosa, na sua fala mansa e irretorquível. "Pensava viver muito tempo ainda, mas quem esconde com fome o rato vem e come."

Na sua alegria doida meu pai deixou passar em branco a alusão, que, aliás, não fora proferida de propósito, para ferir. Interessava-lhe apenas a conclusão, clara, meridiana, ardente como a luz do sol: havia dinheiro naquela casa, um monte de moedas que valiam hoje uma fortuna. O ouro explicava a presença do busto fantasmal na escuridão do quarto. O danado do meu avô era mesmo apegado ao dinheiro, sim senhor. Mas onde? Descontados os objetos novos, os trastes introduzidos por meu pai depois do casamento, após a morte do finado José, restava a casa inteira, um casarão. Onde?

Essa pergunta ele ainda fazia depois de várias noites de sono difícil e de consultas inúteis ao fantasma. Pensou em sessão espírita, mas isso demandaria tempo e dinheiro, e depois o finado talvez não quisesse entrar em pormenores. Pensou em arrancar do quarto as tábuas de putumuju, derrubar as paredes — mas a casa era muito velha, podia vir abaixo. Minha mãe é que tinha razão: Virgílio cantara os prazeres do campo, a satisfação das lavouras, mas naquele tempo o mundo era outro. Meu pai procurou as palavras exatas. Bucólico. Contemplativo. Jograis e menestréis percorriam os caminhos, carruagens rolavam, espadachins disputavam o amor fervoroso de castas donzelas.

Não, isso foi depois. O meio sorriso de Mona Lisa podia ser enigmático, mas para ele era demonstração de safadeza da mulher. E a Maja Desnuda, que inocência em todo o corpo exposto... Lá estava ele outra vez a divagar. E deitado sobre ou sob um monte de ouro, fumando o seu estramônio. A valorização do ouro... Sol lucet omnibus, ensinava o dicionário de Jayme de Séguier, na parte das citações latinas. Amor omnia vincit. Quem veio em seu auxílio, afinal, foi o mano Justino, através de uma frase de sentido obscuro, quando recolhera numa festa, com as mãos, um frango que resvalara da travessa: "Levou-os que trouxe! "

"Danou-se, danado está", soprou-lhe o seu outro irmão, Romão Baptista, que sempre tivera queda para o• maldito. Meu. pai examinaria caibros, vigas, cumeeiras, esteios, adobes, o diabo. Os meninos precisavam de escola decente na cidade, aquilo não era vida. Chico de Luanda, seu antigo tutor, aprovaria a resolução: "Isto mesmo, homem, sua família merece o melhor. Acima de tudo, a família."

A casa era grande, desceu aos poucos à superficie da terra. João Gonçalves, o mesmo que a levantara, veio derrubá-la e começou pelos fundos, a parte mais baixa, onde seria possível pular-se do telhado sobre um barranco. As telhas, outrora gosmentas e cor de barro novo, estavam agora encardidas; empilhadas, arrimadas umas às outras, cobriram vasta extensão do terreno que descia suavemente para o brejo; os caibros e vigas, ainda rijos foram amontoados numa clareira do bosque, depois que meu pai os examinou de ponta a. ponta e neles bateu com um martelo em busca de sons ocos; as paredes desceram a golpes de marreta, os adobes sanearam uma parte do brejo, esfarinhados; as tábuas do assoalho, de um putumuju precioso, ainda amarelado apesar do tempo, ele guardou num galpão construído especialmente para esse fim; chegou, por fim, a vez dos esteios — e os de baixo, que sustentavam o alpendre, a sala de visitas, o quarto de cama de couro de zebu e o quarto do fantasma, revelaram, ao serem balançados e arrastados à força de cordas e de braços, apenas buracos. No lugar da casa restou um terreno seco, batido e quase branco, onde a chuva só entrava de enxurrada; visto de baixo, para quem chegava, parecia campo de pouso. A madeira que lá ficou deve estar hoje apodrecida, de mistura com a terra, as ervas daninhas que não tardaram a crescer e muitas chuvas.

Perdemos o tesouro, que esse não foi mesmo encontrado, mas em compensação mudamos para a cidade, adquirimos hábitos compatíveis com o grau de civilização a que aludia minha mãe; por muito tempo ela deixou de soltar muxoxos rezingueiros, mesmo quando falavam, de brincadeira, em Joãozinho Feitosa — mas os muxoxos voltariam, anos depois, quando se enamorou de uma casa na beira da praia. Meu pai tornou-se muito hábil no pôquer e se esqueceu das charadas. E eu entrei no tiro-de-guerra, bem defronte à casa de umas primas que me admiravam o buço nascente. E o fantasma? Mudou-se também. Ainda pairou enevoado, alguns dias, no mesmo lugar, mas depois se desapegou das suas moedas de ouro, ou então foi por elas atraído até a casa de um vizinho, o Petronílio. Não falta quem veja na sua prosperidade súbita e suspeita, traduzida num grande armazém de secos e molhados na cidade, :.a bosque, depois que meu pai os examinou de ponta :. ponta e neles bateu com um martelo em busca de Süns ocos; as paredes desceram a golpes de marreta, os a.::S.obes sanearam uma parte do brejo, esfarinhados; as "i2.buas do assoalho, de um putumuju precioso, ainda ~arelado apesar do tempo, ele guardou num galpão eonstruído especialmente para esse fim; chegou, por '<;m, a vez dos esteios - e os de baixo, que sustenta.am o alpendre, a sala de visitas, o quarto de cama de couro de zebu e o quarto do fantasma, revelaram, ao serem balançados e arrastados à força de cordas e de braços, apenas buracos. No lugar da casa restou um terreno seco, batido e quase branco, onde a chuva só entrava de enxurrada; visto de baixo, para quem chegava, parecia campo de pouso. A madeira que lá ficou deve estar hoje apodrecida, de mistura com a terra, as ervas daninhas que não tardaram a crescer e muitas chuvas. Perdemos o tesouro, que esse não foi mesmo encontrado, mas em compensação mudamos para a cidade, adquirimos hábitos compatíveis com o grau de civilização a que aludia minha mãe; por muito tempo ela deixou de soltar muxoxos rezingueiros, mesmo quando falavam brincando em Joãozinho Feitosa — mas os muxoxos voltariam, anos depois, quando se enamorou de uma casa na beira da praia. Meu pai tornou-se muito hábil no pôquer e se esqueceu das charadas. E eu entrei no tiro-de-guerra, bem defronte à casa de umas primas que me admiravam o buço nascente. E o fantasma? Mudou-se também. Ainda pairou enevoado, alguns dias, no mesmo lugar, mas depois se desapegou das suas moedas de ouro, ou então foi por elas atraído até a casa de um vizinho, o Petronílio. Não falta quem veja na sua prosperidade súbita e suspeita, traduzida num grande armazém de secos e molhados na cidade, e casa própria numa rua das melhores, a descoberta do botijão. Preocupado com paredes, caibros e assoalhos, meu pai esqueceu-se de escavar o porão. Quando um de nós o recrimina, fingindo seriedade, ele levanta os ombros até o queixo magro, como a dizer: "Danou-se, danado está" — filosofia que, com o peso da velhice, vai substituindo aquela outra, aquela que manda deixar porque a natureza é que resolve.
===========
Fonte: PÓLVORA, Hélio. Noites Vivas.

Lançamento do livro Escritos Ordinários, de Carlos R. Mantovani

No dia 26, sábado das 20 às 22h, na Fundec (Rua Brigadeiro Tobias, 73), durante a Semana do Escritor, amigos e admiradores promovem o lançamento do livro Escritos Ordinários, da autoria de Carlos Roberto Mantovani.

Com 174 páginas, 64 das quais em cores, em grande formato (270 x 210 mm), primorosamente impressas, é uma das obras mais requintadas entre aquelas produzidas com recursos da Linc (Lei nº 5736/1998, de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Sorocaba). Durante a Semana do Escritor será vendida ao preço promocional de R$ 20,00 o exemplar.

Escritos Ordinários divide-se em dois momentos: os poemas, na primeira parte e, na segunda parte, fotos sobre as obras artísticas (pinturas, desenhos, criações variadas) e atividades culturais de Mantovani. Abrindo a obra, temos comentários, análises, dados biográficos e sobre a importância do autor, na visão dos seus amigos.

Durante o lançamento acontecerão algumas performances e serão mostradas imagens de Mantovani e sua obra em vídeo e fotos.

Nascido em Laranjal Paulista em 1950 e falecido em Sorocaba em 2003, ele foi dramaturgo, ator, diretor de teatro, artista plástico, dançarino, animador cultural e poeta. Seu nome, em homenagens póstumas, foi dado ao Espaço Cultural do Sindicato dos Metalúrgicos e ao Teatro de Arena, anexo ao Teatro Municipal de Sorocaba.

Informação de Geraldo Bonadio, presidente da Academia Sorocabana de Letras

Fonte:
Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Paul Verlaine (Canção do Outono)

CANÇÃO DO OUTONO

Tradução: Alphonsus de Guimaraens

Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...

CANÇÃO DO OUTONO

Tradução: Onestaldo de Pennafort

Os longos sons
dos violões,
pelo outono,
me enchem de dor
e de um langor
de abandono.

E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias,
e as alegrias
e ais de outrora.

E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá pra lá,
como faz à
folha morta.

CANÇÃO DE OUTONO

Tradução: Guilherme de Almeida

Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.

CHANSON D'AUTOMNE

Paul Verlaine

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.
*************************

"De la musique avant toute chose" — a música antes de qualquer coisa. Com este verso definitivo, o francês Paul Verlaine (1844-1896), abre o poema "Art Poétique", de 1885, considerado um verdadeiro manifesto da poesia simbolista. De fato, Verlaine colocou a música acima de tudo. Ele queria um verso fluido, ritmado, solúvel no ar.

Exemplo disso é essa pequena jóia, a "Chanson d'Automne", publicada em seu livro Poèmes Saturniens (Poemas Saturninos), de 1866. A música está de tal forma entranhada nesse poema que traduzi-lo para o português parece tarefa impossível. Por isso mesmo, transcrevo aqui três versões dessa canção de outono, escritas por poetas brasileiros de diferentes gerações: Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), Guilherme de Almeida (1890-1969) e Onestaldo de Pennafort (1902-1987).

Vamos à leitura. Ainda que você conheça o francês apenas de orelhada, dá para perceber as artimanhas sinfônicas empregadas por Verlaine. Basta escutar a primeira estrofe. Há ali como que um violão, inicialmente executado nas cordas mais graves: sanglots longs, violons, automne. De repente, a ação se transfere para as cordas médias (coeur, langueur) e retorna à nota inicial (monotone).

A música se desenvolve aparentemente mais suave na segunda estrofe e, na terceira, se rende ao sopro do "vento mau". Ali, as palavras oscilam como uma folha ao vento (deçà, delà, pareil a la) que afinal se acomoda no chão. Bem, não sou músico, mas isso é o que meu ouvido me diz.

Agora, como traduzir (verter, recriar, transcriar etc. etc.) esse poema em português? A seguir, algumas observações sobre as traduções ao lado.

Onestaldo de Pennafort conseguiu equilibrar bem texto e música na primeira estrofe. O trio sons-violões-outono dá conta do recado. No entanto, perde-se um pouco da mudança de tom: as palavras dor e langor não fazem o mesmo papel sonoro de coeur/langueur. Outro ponto forte da versão de Pennafort é a manutenção do bailado da folha seca ao vento: de cá pra lá,/ como faz à/ folha morta. Também vale destacar que, dos três, Pennafort foi o único a manter a métrica original, ou seja, estrofes com versos de 4-4-3-4-4-3 sílabas. Os outros trabalharam com 5-5-2-5-5-2 (Guimaraens) e 4-4-2-4-4-2 (Almeida).

Em sua tradução, Guilherme de Almeida introduziu, no início, a palavra "lamento", para corresponder ao original sanglots (soluços). Para dar o tom de corda grave, ele também optou por violões, e não violinos, como fez Guimaraens. Violino é o correspondente de violon, mas, no contexto, desafina a orquestra. Nesse item, Alphonsus de Guimaraens mostrou-se o mais fiel ao sentido das palavras (por exemplo, usou "soluços"). Em compensação, foi o que menos se aproximou da melodia verlainiana.

Guilherme de Almeida foi o único a manter o ar de desconsolo indicado pelo verso "Qui m'emporte", na última estrofe. Mas é um jogo terrível: ele ganha esse dar-de-ombros e perde a flutuação da folha ao vento.

Talvez eu esteja sendo chato com essas observações quase técnicas. No entanto, o objetivo é mostrar como é difícil chegar a uma tradução que, idealmente, traga para o idioma de destino tanto o significado direto das palavras como outros sentidos e impressões que elas podem carregar — a música, por exemplo.

Fontes:
Carlos Machado. Sinfonia em versos. in poesia.net. http://www.algumapoesia.com.br/ , 2003.

Paul Verlaine, "Chanson d'Automne" In Poèmes Saturniens (1866)
Traduções:
• Alphonsus de Guimaraens (1870-1921)
• Guilherme de Almeida (1890-1969)
• Onestaldo de Pennafort (1902-1987)

Projeto de Trovas para Uma Vida Melhor (1a. Parte)

2a. CIRANDA DE TROVAS

Tema: Entendimento

01.
Entendimento promove
a alegria em seu viver,
toda dúvida remove
na certeza de um prazer
Mifori
Mogi das Cruzes/SP
~ * ~
02.
O mundo será melhor
e atingirá rumos novos,
quando se fizer maior
o entendimento entre os povos...
Ercy Maria Marques de Faria
Bauru/SP/Brasil
~ * ~
03.
De posse do entendimento
das palavras de Jesus,
as trevas do pensamento
viram caminhos de luz.
Jair Maciel de Figueiredo
Candelária - Natal - RN
~ * ~
04.
Quando a discórdia assedia,
feliz daquele que faz
do entendimento a magia
para manter viva a paz.
Milton Souza
Porto Alegre/RS/- UBT Porto Alegre

~ * ~
05.
A inspiração é o momento,
que num poema imortal,
faz do verso entendimento
da linguagem universal.
Hélio Alexandre Silveira e Souza
Natal - RN
***
06.
Paz, amor, entendimento,
mandai, ó Deus, sobre a Terra,
e expurgai todo o tormento
das nações que estão em Guerra!
Joamir Medeiros
Natal/RN
~ * ~
07.
Quando na terra cessar
fome, guerra e sofrimento,
niguém mais vai duvidar
do valor do entendimento.
Helio Pedro Souza
Natal -RN
***
08.
Acho belo o entendimento
de olhares apaixonados,
é sempre um renascimento
de bons momentos passados!
Gislaine Canales
Balneário Camboriú-SC
~ * ~
09.
Com o dom do entendimento
o bem do mal eu separo,
evito causar tormento
e do irmão me torno amparo.
Leda Coletti
Piracicaba- SP
~ * ~
10.
O entendimento se faz
com amor no coração,
sem Guerras, com muita Paz
e abraçando nosso irmão...
Clério José Borges
Serra - Espírito Santo

***
11.
Entendimento em verdade
constitui a garantia
de que essa nossa amizade
se renova a cada dia
Marcos Medeiros
Lagoa Nova, Natal-RN
~ * ~
12.
Por mais que o conhecimento
do amor é Luz que fascina,
sem a LUZ do "entendimento"
parece mera doutrina.
Wandira Fagundes Queiroz
Curitiba - PR.
***
13.
Exercer o amor profundo,
é de Deus um mandamento.
Só há conflitos no mundo,
por falta de entendimento.
Geraldo Amancio Pereira.
Fortaleza-Ceará.
~ * ~
14.
Em nome do entendimento,
espalhe a alegria e o bem.
Deus nos deu por mandamento
servir sem olhar a quem!
Arlene Lima
Maringá- PR

***
15.
Deus do agora e do porvir
dá-me o dom do Entendimento
para eu saber discernir
o bom do mau pensamento.
Maria Ignez Pereira
M.Guaçu/SP/Brasil

~ * ~
16.
Quando o mundo pensar junto,
na paz e no entendimento,
a guerra será assunto
do livro do esquecimento.
Cícero GIego Amancio Alcãntara
Fortaleza-Ceará
.
~ * ~
17.
Somente um bom sentimento
equilibra uma questão
para que haja entendimento,
ouça a voz do coração.
Marly Scorzelli Serrano
São Gonçalo/RJ/Brasil

~ * ~
18.
Sem medo ou desconfiança,
com um bom entendimento,
quem procura sempre alcança
um melhor envolvimento.
Mifori
Mogi das Cruzes/SP/Brasil
~ * ~
19.
Dois burros muito briguentos,
resolveram dialogar...
Após seus entendimentos,
felizes foram almoçar!
Poeta Artur Barbosa
Curitiba/PR/Brasil
~ * ~
20.
Não há saber, nem cultura,
que cure os pecados teus,
mas o que está na Escritura:
o entendimento de Deus.
Raymundo de Salles Brasil
Salvador - Bahia
~ * ~
21.
Por falta de entendimento,
o nosso amor se acabou.
Não ficou no esquecimento,
pois a saudade ficou!
Neiva Fernandes
Campos dos Goytacazes/RJ

~ * ~
22.
Por falta de entendimento
muitos casais se separam,
motivando sofrimento
a dois seres que se amaram.
Flávio Ferreira da Silva
Nova Friburgo/RJ
~ * ~
23.
Ame com entendimento,
viva a vida com prazer
e tenha discernimento
em tudo que for fazer.
Zelia Maria Carvalho de Figueiredo
Natal/RN
~ * ~
24.
Entre o teu encantamento
e a minha estranha memória
fica o meu entendimento
sepultado nesta história.
Fahed Daher
Apucarana /PR

~ * ~
25.
A falta de entendimento
provoca a separação
acaba com o casamento
traz muita desilusão.
Alda Lopes de Oliveira Rezende
Taubaté - SP.
~ * ~
26.
"Aspiro ao entendimento,
dom ofertado por Deus,
para que meu sentimento
se ajuste aos desejos seus."
María Cristina Fervier
Salto Grande, Provincia de Santa Fé, Argentina
~ * ~
27.
Sofre sim, desilusão
quem não tem entendimento
pois pra falar com razão
tem um grande impedimento.
María Elena Espinosa Mata
México
~ * ~
28.
Todo bom entendimento,
nos vem de Deus com o amor
e nos dá discernimento,
para suprimir a dor!
Garibaldy Martínez
Santo Domingo, República Dominicana
.
~ * ~
29.
Grande entendimento amor
é o que existe entre nós dois,
como luz de uma só cor
iluminando o depois...
Nora Lanzieri
Buenos Aires, Argentina

~ * ~
30.
Que jamais nos esqueçamos
que entendimento é desgraça,
se nós não compartilhamos,
o que nos deram em graça!
Mirta Lílian Cordido
La Plata - Buenos Aires - Argentina

~ * ~
31.
Por falta de entendimento,
quanto mal a gente faz…
Dê-se à vida um novo alento
num horizonte de paz!
Fernando Máximo
Avis - Portugal

~ * ~
32.
Clareia meu pensamento,
é nobre a sua função,
chamam-no de entendimento,
é divina criação!
Jamil William Piscoya Ayala
Peru
~ * ~
33.
Se fosse eu um bom cantor,
em meu bom entendimento,
eu cantaria ao amor,
que é o primeiro mandamento.
Guillermo R. Magliarelli (Guirroma)
Buenos Aires.- Argentina
~ * ~
34.
Por muito que sopre o vento,
Por muito que a mão nos trema,
Há sempre um entendimento
Nos versos dum bom poema.
António José Barradas Barroso
Parede - Portugal
~ * ~
35.
Se entendimento é pensar
Que alguém concorda comigo,
Abro as portas do meu lar
Para acolher um amigo.
Olívia Alvarez Miguez Barroso
Parede - Portugal
~ * ~
36.
Só não há entendimento
quando não há união.
E todo bom casamento
só precisa de paixão.
Ingrid de Cássia Casa
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
37.
Entendimento é Amor
compreensão e respeito.
Para ser um trovador
eu tenho que andar direito!
Luiz Victor de Moraes Cavalcante
Escola: “Helena Lubieska” , Recife - PE
~ * ~
38.
De que vale o entendimento
se não queres compreender?
O global aquecimento
prejudica o bom viver.
Francyelle de Melo Fontes Rico
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
39.
Entendimento é tão bom,
todos nós devemos ter;
precisamos ter um dom
pra na vida melhor ser.
Isabelle Christine Gavioli Galvão
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
40.
Pra ter um bom casamento
é tão necessário amar;
tendo muito entendimento,
pra ele não se acabar.
Liliane Aparecida de Oliveira
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
41.
O melhor entendimento
é do Todo Poderoso,
que eu peço então, bem atento
com meu jeito talentoso.
Priscila Suellen da Cruz Diniz
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP
.
~ * ~
42.
Poucos têm entendimento.
É raro e bem poucos têm.
Uns aprendem no momento,
outros o querem também.
Liana Moreira da Silva
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.

~ * ~
43.
O melhor entendimento
é igual ao que floresce:
nunca sai do pensamento
e você jamais esquece.
Ariadna Clarissa Durães
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
44.
Se nós em algum momento
deixarmos sim, de estudar,
falhará o entendimento
e a vida vai piorar.
Isabela Contini Multini
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.

~ * ~
45.
Todo o meu entendimento,
só começa a aparecer
quando surge um contratempo,
que preciso resolver!
Patrícia Camilla
“Colégio Geração Ativa”, Recife – PE

~ * ~
46.
Sonhar não é muito bom
quando se sonha acordado,
precisamos dar um tom
entendimento esperado.
Aline de Fátima Silva
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
47.
Entendimento é preciso
para podermos viver.
Pois viver no paraíso
é tal como renascer.
Rafaela Ap. de Souza Prado
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.

~ * ~
48.
Entendimento que eu quero
é o do amor verdadeiro.
E o amor todo eu espero,
seja para o mundo inteiro.
Silvana A. Rosa de Souza
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
49.
Não possuo entendimento,
mas eu tenho honestidade;
e assim me mantenho atento
para qualquer amizade.
Cíntia Cristina da Silva Cabral
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
50.
O melhor entendimento
é igual ao que floresce:
nunca sai do pensamento
e você jamais esquece.
Ariadna CClarisse Durães
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
51.
Sonhar não é muito bom
quando se sonha acordado,
precisamos dar um tom
entendimento esperado.
Aline de Fátima Silva
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
52.
Entender é necessário;
basta só saber e crer.
E não ter nada ao contrário
para aprender e viver.
Débora Tolosa da Silva
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
53.
É necessário entender
o planeta dos mais ricos,
pois passam sem perceber
os amigos pagam micos.
Valéria
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
54.
Passe seu entendimento
para uma outra entender,
passo meu conhecimento
para o mundo compreender.
Thiago William Lima
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
55.
Deixei minha mocidade
tive meu entendimento
aumentando minha idade
e buscando meu talento.
Jéssica de Jesus Ventura
EE "Dr. Cerqueira César", Paraibuna-SP
~ * ~
56.
Entendimento é pensar
entender é conhecer
basta querer avistar
e vamos compreender.
Margarete Aparecida dos Santos Cardoso
Bairro Bela Vista, Paraibuna-SP
~ * ~
57.
Não sei se terei talento
pra ser boa trovadora,
mas acho que entendimento
quero ter logo e agora!
Bruna Marina de Souza Moraes
Colégio Geração Ativa, Recife-PE
~ * ~
58.
Para um bom entendimento,
vocês terão de convir,
ponham-se a pintar o vento
de azul celeste, sem rir.
Miguel Russowsky
Joaçaba - SC
~ * ~
59.
Entendimento é caminho
que se abre à compreensão.
Importa muito o carinho,
na busca da solução.
Geraldo Paz Vidal
Caraguatatuba - SP

~ * ~
60.
Não houve o entendimento
esperado pelos dois,
pois o frágil sentimento
não resistiu ao depois!
Delcy Canalles
Porto Alegre - RS
~ * ~

Fonte:
Colaboração de Mifori

Maratona Literária Sorocult












Fonte:
Colaboração do Grupo Sorocult. http://www.sorocult.com/

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Expressões Populares - De onde sai isso?

A CARNE É FRACA:
Trecho retirado da bíblia - "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca". (Mt. 26:41).

VOTO DE MINERVA:
Orestes, filho de Clitemnestra, foi acusado pelo assassinato da mãe. No julgamento, houve empate entre os acusados. Coube à deusa Minerva o voto decisivo, que foi em favor do réu. Voto de Minerva é, portanto, o voto decisivo.

CASA DA MÃE JOANA:
Na época do Brasil Império, mais especificamente durante a minoridade do Dom Pedro II, os homens que realmente mandavam no país costumavam se encontrar num prostíbulo do Rio de Janeiro, cuja proprietária se chamava Joana. Como esses homens mandavam e desmandavam no país, a frase "casa da mãe Joana" ficou conhecida como sinônimo de lugar em que ninguém manda.

VÁ SE QUEIXAR AO BISPO:
Durante o Brasil Colônia, a fertilidade de uma mulher era atributo fundamental para o casamento, afinal, a ordem era povoar as novas terras conquistadas. A Igreja permitia que, antes do casamento, os noivos mantivessem relações sexuais, única maneira de o rapaz descobrir se a moça era fértil. E adivinha o que acontecia na maioria das vezes? O noivo fugia depois da relação para não ter que se casar. A mocinha, desolada, ia se queixar ao bispo, que mandava homens para capturar o tal espertinho.

CONTO DO VIGÁRIO:
Duas igrejas de Ouro Preto receberam uma imagem de santa como presente. Para decidir qual das duas ficaria com a escultura, os vigários contariam com a ajuda de Deus, ou melhor, de um burro. O negócio era o seguinte: colocaram o burro entre as duas paróquias e o animalzinho teria que caminhar até uma delas. A escolhida pelo quadrúpede ficaria com a santa. E foi isso que aconteceu, só que, mais tarde, descobriram que um dos vigários havia treinado o burro. Desse modo, conto do vigário passou a ser sinônimo de falcatrua e malandragem.

FICAR A VER NAVIOS:
Dom Sebastião, rei de Portugal, havia morrido na batalha de Alcácer-Quibir, mas seu corpo nunca foi encontrado. Por esse motivo, o povo português se recusava a acreditar na morte do monarca. Era comum as pessoas visitarem o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, para esperar pelo rei. Como ele não voltou, o povo ficava a ver navios.

NÃO ENTENDO PATAVINAS:
Os portugueses encontravam uma enorme dificuldade de entender o que falavam os frades italianos patavinos, originários de Pádua, ou Padova, sendo assim, não entender patavina significa não entender nada.

DOURAR A PÍLULA:
Antigamente as farmácias embrulhavam as pílulas em papel dourado, para melhorar o aspecto do remedinho amargo. A expressão dourar a pílula, significa melhorar a aparência de algo.

CHEGAR DE MÃOS ABANANDO:
Há muito tempo, aqui no Brasil, era comum exigir que os imigrantes que chegassem para trabalhar nas terras trouxessem suas próprias ferramentas.
Caso viessem de mãos vazias, era sinal de que não estavam dispostos ao trabalho. Portanto, chegar de mãos abanando é não carregar nada.

SEM EIRA NEM BEIRA:
Os telhados de antigamente possuíam eira e beira, detalhes que conferiam status ao dono do imóvel. Possuir eira e beira era sinal de riqueza e de cultura. Não ter eira nem beira significa que a pessoa é pobre, está sem grana.

ABRAÇO DE TAMANDUÁ:
Para capturar sua presa, o tamanduá se deita de barriga para cima e abraça seu inimigo. O desafeto é então esmagado pela força. Abraço de tamanduá é sinônimo de deslealdade, traição.

O CANTO DO CISNE:
Dizia-se que o cisne emitia um belíssimo canto pouco antes de morrer. A expressão canto do cisne representa as últimas realizações de alguém.

ESTÔMAGO DE AVESTRUZ:
Define aquele que come de tudo. O estômago da avestruz é dotado de um suco gástrico capaz de dissolver até metais.

LÁGRIMAS DE CROCODILO:
É uma expressão usada para se referir ao choro fingido. O crocodilo, quando ingere um alimento, faz forte pressão contra o céu da boca, comprimindo as glândulas lacrimais. Assim, ele chora enquanto devora a vítima.

MEMÓRIA DE ELEFANTE:
O elefante lembra de tudo aquilo que aprende, por isso é uma das principais atrações do circo. Diz-se que as pessoas que se recordam de tudo tem memória de elefante.

OLHOS DE LINCE:
Ter olhos de lince significa enxergar longe, uma vez que esses bichos têm a visão apuradíssima. Os antigos acreditavam que o lince podia ver através das paredes.

FEITO NAS COXAS:
As primeiras telhas dos telhados nas casas aqui no Brasil eram feitas de Argila, que eram moldadas nas coxas dos escravos que vieram da África. Como os escravos variavam de tamanho e porte físico, as telhas ficavam todas desiguais devido aos diferentes tipos de coxas. Daí a expressão: fazendo nas coxas, ou seja, de qualquer jeito.

MARIA VAI COM AS OUTRAS
A expressão teve origem em Portugal. Dona Maria I, mãe de D. João VI (avó de D. Pedro I e bisavó de D. Pedro II), enlouqueceu de um dia para o outro. Declarada incapaz de governar, foi afastada do trono. Passou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via sua rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar; “Lá vai D. Maria com as outras”.

BAFO DE ONÇA:
A onça é animal carnívoro e se lambuza na hora de comer a caça, por isso fede muito e sua presença é detectada à distância na mata.

SAIR À FRANCESA
Na França, no século 18, quem, pretendendo abandonar uma sala repleta de gente, fosse despedir-se dos convivas cometia um ato importuno, ao incomodar pessoas embrenhadas em conversas, passatempos, jogos ou amores agradáveis. Daí que se “saísse à francesa”, isto é, sem cerimônia, sem aviso prévio, sem dar conhecimento a ninguém. O costume generalizou-se por toda à parte, até que, mais tarde, veio a adquirir um sentido oposto, ou seja, de descortesia e falta de educação “.

DOR-DE-COTOVELO:
- Essa tristeza toda só pode ser dor-de-cotovelo.
A expressão “dor-de-cotovelo”, usada para se referir a alguém que sofreu uma decepção amorosa, causando tristeza ou ciúmes, tem sua origem na figura de uma pessoa sentada em um bar, com os cotovelos em cima do balcão enquanto toma uma bebida e lamenta a má sorte no amor.De tanto o apaixonado ficar com os cotovelos apoiados no balcão, eles iriam doer. A partir daí que surgiu a expressão “dor-de-cotovelo”.

ENTRAR COM O PÉ DIREITO:
- Quero entrar no ano novo com pé direito!
A tradição de dar sorte ao entrar em algum lugar com o pé direito é de origem romana. Nas grandes celebrações romanas, os donos das festas acreditavam que entrando com o esse pé, evitariam agouros na ocasião da festa. A palavra “esquerda” significa do latim, sinistro, daí já fica óbvia a crença do lado obscuro dos inocentes pés esquerdos. A partir daí, a tradição se espalho pelo mundo inteiro.

FAZER VAQUINHA:
- Vamos fazer uma vaquinha pro churrasco!
A expressão “fazer vaquinha” surgiu na década de 20 e tem sua relação de origem com o jogo do bicho e o futebol. Nas décadas de 20 e 30, já que a maioria dos jogadores de futebol não tinha salário, a torcida do time se reunia e arrecadava entre si, um prêmio para ser dado aos jogadores. Esses prêmios eram relacionados popularmente com o jogo do bicho. Assim, quando iam arrecadar cinco mil réis, chamavam a bolada de “cachorro”, pois o número cinco representava o cachorro no jogo do bicho. Como o prêmio máximo do jogo do bicho era vinte e cinco mil réis, e isso representava a vaca, surgiu o termo popular “fazer uma vaquinha”, ou seja, tentar reunir o máximo de dinheiro possível para um fim específico.

JURAR DE PÉS JUNTOS:
- Mãe, eu juro de pés juntos que não fui eu.
A expressão surgiu através das torturas executadas pela Santa Inquisição, as quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado para dizer nada além da verdade. Até hoje o termo é usado para expressar a veracidade de algo que uma pessoa diz.

MOTORISTA BARBEIRO:
- Nossa, que cara mais barbeiro!
No século XIX, os barbeiros faziam não somente os serviços de corte de cabelo e barba, mas também, tiravam dentes, cortavam calos, etc, e por não serem profissionais, seus serviços mal feitos geravam marcas. A partir daí, desde o século XV, todo serviço mal feito era atribuído ao barbeiro, pela expressão “coisa de barbeiro”. Esse termo veio de Portugal, contudo a associação de “motorista barbeiro”, ou seja, um mau motorista, é tipicamente brasileira.

TIRAR O CAVALO DA CHUVA:
- Pode ir tirando seu cavalinho da chuva porque não vou deixar você sair hoje!
No século XIX, quando uma visita iria ser breve, ela deixava o cavalo ao relento em frente à casa do anfitrião e se fosse demorar, colocava o cavalo nos fundos da casa, em um lugar protegido da chuva e do sol. Contudo, o convidado só poderia por o animal protegido da chuva se o anfitrião percebesse que a visita estava boa e dissesse: “pode tirar o cavalo da chuva”. Depois disso, a expressão passou a significar a desistência de alguma coisa.

À BEÇA:
- O mesmo que abundantemente, com fartura, de maneira copiosa. A origem do dito é atribuída às qualidades de argumentador do jurista alagoano Gumercindo Bessa, advogado dos acreanos que não queriam que o Território do Acre fosse incorporado ao Estado do Amazonas.

DAR COM OS BURROS N’ÁGUA:
A expressão surgiu no período do Brasil colonial, onde tropeiros que escoavam a produção de ouro, cacau e café, precisavam ir da região Sul à Sudeste sobre burros e mulas. O fato era que muitas vezes esses burros, devido à falta de estradas adequadas, passavam por caminhos muito difíceis e regiões alagadas, onde os burros morriam afogados. Daí em diante o termo passou a ser usado para se referir a alguém que faz um grande esforço para conseguir algum feito e não consegue ter sucesso naquilo.

GUARDAR A SETE CHAVES:
No século XIII, os reis de Portugal adotavam um sistema de arquivamento de jóias e documentos importantes da corte através de um baú que possuía quatro fechaduras, sendo que cada chave era distribuída a um alto funcionário do reino.
Portanto eram apenas quatro chaves. O número sete passou a ser utilizado devido ao valor místico atribuído a ele, desde a época das religiões primitivas. A partir daí começou-se a utilizar o termo “guardar a sete chaves” para designar algo muito bem guardado

OK:
A expressão inglesa “OK” (okay), que é mundialmente conhecida para significar algo que está tudo bem, teve sua origem na Guerra da Secessão, no EUA. Durante a guerra, quando os soldados voltavam para as bases sem nenhuma morte entre a tropa, escreviam numa placa “0 Killed” (nenhum morto), expressando sua grande satisfação, daí surgiu o termo “OK”.

ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS:
Existe uma história não comprovada, de que após trair Jesus, Judas enforcou-se em uma árvore sem nada nos pés, já que havia posto o dinheiro que ganhou por entregar Jesus dentro de suas botas. Quando os soldados viram que Judas estava sem as botas, saíram em busca delas e do dinheiro da traição. Nunca ninguém ficou sabendo se acharam as botas de Judas. A partir daí surgiu à expressão, usada para designar um lugar distante, desconhecido e inacessível.

PENSANDO NA MORTE DA BEZERRA:
A história mais aceitável para explicar a origem do termo é proveniente das tradições hebraicas, onde os bezerros eram sacrificados para Deus como forma de redenção de pecados.
Um filho do rei Absalão tinha grande apego a uma bezerra que foi sacrificada. Assim, após o animal morrer, ele ficou se lamentando e pensando na morte da bezerra. Após alguns meses o garoto morreu.

PARA INGLÊS VER:
A expressão surgiu por volta de 1830, quando a Inglaterra exigiu que o Brasil aprovasse leis que impedissem o tráfico de escravos. No entanto, todos sabiam que essas leis não seriam cumpridas, assim, essas leis eram criadas apenas "para inglês ver". Daí surgiu o termo.

RASGAR SEDA:
A expressão que é utilizada quando alguém elogia grandemente outra pessoa, surgiu através da peça de teatro do teatrólogo Luís Carlos Martins Pena. Na peça, um vendedor de tecidos usa o pretexto de sua profissão para cortejar uma moça e começa a elogiar exageradamente sua beleza, até que a moça percebe a intenção do rapaz e diz: “Não rasgue a seda, que se esfiapa.”

O PIOR CEGO É O QUE NÃO QUER VER:
Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D`Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver.

ANDA À TOA:
Toa é a corda com que uma embarcação reboca a outra. Um navio que está à toa é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar.

DA PÁ VIRADA:
Mas a origem da palavra é em relação ao instrumento, a pá. Quando a pá está virada para baixo, voltada para o solo, está inútil, abandonada decorrentemente pelo homem vagabundo, irresponsável, parasita.

NHENHENHÉM:
Nheë, em tupi, quer dizer falar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, eles não entendiam aquela falação estranha e diziam que os portugueses ficavam a dizer ``nhen-nhen-nhen``.

VAI TOMAR BANHO:
Em "Casa Grande & Senzala", Gilberto Freyre analisa os hábitos de higiene dos índios versus os do colonizador português. Depois das Cruzadas, como corolário dos contatos comerciais, o europeu se contagiou de sífilis e de outras doenças transmissíveis e desenvolveu medo ao banho e horror à nudez, o que muito agradou à Igreja. Ora, o índio não conhecia a sífilis e se lavava da cabeça aos pés nos banhos de rio, além de usar folhas de árvore para limpar os bebês e lavar no rio as redes nas quais dormiam. Ora, o cheiro exalado pelo corpo dos portugueses, abafado em roupas que não eram trocadas com freqüência e raramente lavadas, aliado à falta de banho, causava repugnância aos índios. Então os índios, quando estavam fartos de receber ordens dos portugueses, mandavam que fossem "tomar banho".

ELES QUE SÃO BRANCOS QUE SE ENTENDAM:
Esta foi das primeiras punições impostas aos racistas, ainda no século XVIII. Um mulato, capitão de regimento, teve uma discussão com um de seus comandados e queixou-se a seu superior, um oficial português. O capitão reivindicava a punição do soldado que o desrespeitara. Como resposta, ouviu do português a seguinte frase: "Vocês que são pardos, que se entendam". O oficial ficou indignado e recorreu à instância superior, na pessoa de dom Luís de Vasconcelos (1742-1807), 12° vice-rei do Brasil. Ao tomar conhecimento dos fatos, dom Luís mandou prender o oficial português que estranhou a atitude do vice-rei. Mas, dom Luís se explicou: Nós somos brancos, cá nos entendemos.

A DAR COM O PAU:
O substantivo "pau" figura em várias expressões brasileiras. Esta expressão teve origem nos navios negreiros. Os negros capturados preferiam morrer durante a travessia e, para isso, deixavam de comer. Então, criou-se o "pau de comer" que era atravessado na boca dos escravos e os marinheiros jogavam sapa e angu para o estômago dos infelizes, a dar com o pau. O povo incorporou a expressão.

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA, TANTO BATE ATÉ QUE FURA:
Um de seus primeiros registros literário foi feito pelo escritor latino Ovídio (43 a.C.-18 d.C), autor de célebres livros como A arte de amar e Metamorfoses, que foi exilado sem que soubesse o motivo. Escreveu o poeta: "A água mole cava a pedra dura". É tradição das culturas dos países em que a escrita não é muito difundida formar rimas nesse tipo de frase para que sua memorização seja facilitada. Foi o que fizeram com o provérbio portugueses e brasileiros.

Fonte:
André Luciano Batista. Disponível em
http://www.portrasdasletras.com.br

Sandra Prado Carvalho Santos (Conotativamente-uma história diferente)

Sexta feira à noite, programo a tevê para desligar após uma hora, encosto a cabeça na almofada, olhos pesados; de repente...

As palavras começam a chegar, há uma festa num recinto sóbrio e arejado. Os Numerais foram os primeiros, encarregados de colocar preços nas bebidas e quitutes.

A maioria dos vocábulos era formada por Substantivos, sempre acompanhados dos fiéis escudeiros, os Artigos Definidos. Gosto de ter gênero, número e grau bem definidos, murmurou o Substantivo Prosa, o Adjetivo Boa o acompanhava.

Logo os Verbos se fizeram presentes, trazendo ação e movimento ao ambiente; os Advérbios vieram também: Venha logo! Fale baixo! Ande elegantemente...implicavam com seus manos, e também com outros Verbos e Adjetivos. O Verbo Carregar derrubou um Objeto Direto no pé de uma Interjeição que gritou, ensandecida: ai!

Os Pronomes eram vistos em muitos locais, os de tratamento, finos, educados, tratavam as demais palavras por Vossa Excelência, a Senhora...tudo de acordo com o merecimento, lógico.
Preposições chegaram mais tarde, formando um elo fraternal entre algumas palavras; suas amigas, as Conjunções, desculparam-se pela ausência- havia muito trabalho a ser feito, inúmeros orações necessitavam delas para se tornarem Períodos Compostos.

Uma Vírgula enxerida quis lugar entre um Sujeito e seu Predicado, o primeiro gritou: -Que falta de educação! Você não pode se posicionar entre nós! Por acaso desconhece as etiquetas da língua? Tal sinal de pontuação saiu sem graça e ficou perto de um Aposto. Este sorriu e cochichou-lhe: seja bem-vinda. Logo ,ela avistou outras amigas elegantemente dispostas perto de palavras formadoras de Sujeitos Compostos, nas Datas...eram um luxo só!

O Parágrafo anunciava aos presentes que deixassem um espaço entre a parede e a pista, para evitar atropelos.

O Ponto de Interrogação indagou:

-Por que o Alfabeto ainda não chegou?

Os Dois Pontos adiantaram-se: -Houve uma briga entre Vogais e Consoantes, arrebentaram a Cedilha do C, o pobrezinho, depois disso, não quer mais saber de serviço na companhia da Letra U, diz que nada tem a ver com ela, teme ser mal interpretado. É lamentável....murmuraram as Reticências. O estrago foi maior! Muito maior, pois o M teve a última perninha arrancada , levaram-no para o ospital, pois o H, covarde e medroso, escondeu-se debaixo de um guardanapo.

-Qual o motivo da briga? Quis saber o Ponto de Interrogação.

-A turma das Consoantes rejeitou o K, W e Y, falou o Pingo do I, disseram tratar-se de letras de outra língua. As Vogais não aceitaram o preconceito alfabético e partiram pra pancadaria. Nessa confusão, as vogais A e O perderam seu único e insubstituível sinal nasalizador, Sr Til...o pobrezinho balançava-se freneticamente sobre as abas de um lampião que enfeitava o ambiente; assisti a tudo e nada pude fazer. –Que pena! Completou o Travessão.

O Neologismo “Encinderelar-se” discutia com o Arcaísmo “Pegar bonde” sobre as mudanças no sentido das palavras com o passar do tempo. O primeiro cheirava a talco, o segundo, a bolor. Tudo se resume numa ciranda frenética de palavras e idéias, falou Sra Metáfora, fantasiada de luar.

No final da festa as Aspas apareceram: “ Tudo vale a pena se a alma não é pequena.”, citavam com desenvoltura . Lindas as palavras do Mestre Lusitano! Observou a Perífrase.

Dona Rima chegou no finalzinho, meio sem jeito ,deu os ares da graça: Se atirei o pau no gato/ e o danado não morreu/ é porque tem sete vidas/ somente uma perdeu. Uma turminha jovem de Interjeições quiseram apupá-la , contudo, foram contidas.

O Pronome Relativo apareceu falando alto: A festa, em cujas dependências todos se divertiram, chegou ao final.

Na porta, Mamãe Língua Portuguesa os esperava, com um sorriso latinizante.

Todos saíram devagar.

Nisto, ouvi um ruído diferente vindo do jardim. O Quilo discutia com o Grama, Frações acotovelavam-se...xiiiiiiii..confusão à vista!

Esta é uma outra história, quem vai escrevê-la é seu professor de Matemática, arrematou o Ponto Final.

Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/

William Blake (O Tigre)

O TIGRE

Tradução: Augusto de Campos

Tigre! Tigre! Brilho, brasa
que a furna noturna abrasa,
que olho ou mão armaria
tua feroz simetria?

Em que céu se foi forjar
o fogo do teu olhar?
Em que asas veio a chamma?
Que mão colheu esta flamma?

Que força fez retorcer
em nervos todo o teu ser?
E o som do teu coração
de aço, que cor, que ação?

Teu cérebro, quem o malha?
Que martelo? Que fornalha
o moldou? Que mão, que garra
seu terror mortal amarra?

Quando as lanças das estrelas
cortaram os céus, ao vê-las,
quem as fez sorriu talvez?
Quem fez a ovelha te fez?

Tigre! Tigre! Brilho, brasa
que a furna noturna abrasa,
que olho ou mão armaria
tua feroz symetria?


O TIGRE

Tradução: José Paulo Paes

Tigre, Tigre, viva chama
Que as florestas de noite inflama,
Que olho ou mão imortal podia
Traçar-te a horrível simetria?

Em que abismo ou céu longe ardeu
O fogo dos olhos teus?
Com que asas atreveu ao vôo?
Que mão ousou pegar o fogo?

Que arte e braço pôde então
Torcer-te as fibras do coração?
Quando ele já estava batendo,
Que mão e que pés horrendos?

Que cadeia? que martelo,
Que fornalha teve o teu cérebro?
Que bigorna? que tenaz
Pegou-te os horrores mortais?

Quando os astros alancearam
O céu e em pranto o banharam,
Sorriu ele ao ver seu feito?
Fez-te quem fez o Cordeiro?

Tigre, Tigre, viva chama
Que as florestas da noite inflama,
Que olho ou mão imortal ousaria
Traçar-te a horrível simetria?

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THE TYGER

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand, dare seize the fire?

And what shoulder & what art,
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart began to beat,
What dread hand & what dread feet?

What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? what the grasp
Dare its deadly terrors clasp?

When the stars threw down their spears,
And water'd heaven with their tears,
Did he smile his work to see?
Did he who made the Lamb make thee?

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?
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Pintor, entalhador, ilustrador de livros, o poeta romântico inglês William Blake (1757-1827) é considerado uma das vozes mais significativas da poesia de seu país. Sua página mais conhecida e admirada é "The Tyger" ("O Tygre"), mostrada ao lado. Composto apenas de perguntas, o poema tem dado pano para mangas aos exegetas de sucessivas gerações.

O próprio Blake dizia que seu trabalho estava cheio de visões religiosas, e não tinham a ver diretamente com assuntos do dia-a-dia. Só que ele escrevia com um talento fora do comum. As tentativas de explicação desse tigre começam pelo título. Na opinião de alguns estudiosos, Blake escreveu "tyger", com Y, para sinalizar que aí está um tigre especial.

Quase todas as interpretações são unânimes em dizer que "The Tyger" tem a ver com outro poema de Blake, "The Lamb" — a ovelha, animal que também é citado no texto. O tigre e a ovelha (ou melhor: o cordeiro, para usar o mesmo termo da simbologia católica) seriam, para Blake, imagens da experiência e da inocência. Aliás, "The Lamb" integra o livro Canções de Inocência, de 1789, e "The Tyger" pertence a Canções de Experiência, de 1794.

O cordeiro e o tigre representam não exatamente o bem e o mal, mas a condição humana de inocência (o jardim do Éden, nas religiões judaico-cristãs) e a vida atual do homem depois de sua expulsão do paraíso. Há também análises sustentando que o Cordeiro é Cristo.

Bem, vocês já viram que o poema fornece combustível para discussões intermináveis. O certo é que o tigre de Blake, com sua feroz simetria, envolve e encanta leitores há mais de 200 anos.

Um poema tão famoso tem, naturalmente, muitas traduções.
As duas que vão aqui transcritas levam as assinaturas de Augusto de Campos e José Paulo Paes, dois dos maiores responsáveis pela divulgação em português de poetas, modernos e antigos, dos mais variados quadrantes. Vale lembrar que a tradução de Paes foi feita para ilustrar o ensaio "Frankenstein e o Tigre", que está em seu livro Gregos e Baianos. O autor a considera uma "tentativa de tradução" e adverte que foi escrita "não para contrapô-la à criativa versão de Augusto de Campos".

Além dessas versões há várias outras, também de tradutores respeitáveis. Uma é de Paulo Vizioli, publicada no volume William Blake – Poesia e Prosa Selecionadas (J.C. Ismael, Editor; São Paulo, 1984). Outra tradução que deve ser citada é de Ivo Barroso e está em seu livro O Torso e o Gato (Editora Record, 1991).
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Fontes:
• "O Tigre" In Augusto de Campos Viva Vaia (Poesia 1949-1979)
Livraria Duas Cidades, São Paulo, 1979
• "O Tigre" In José Paulo Paes Gregos & Baianos - Ensaios Ed. Brasiliense, São Paulo, 1985
Disponível em Poesia.net (de Carlos Machado), http://www.algumapoesia.com.br
Fotomontagem: José Feldman

Arthur C. Clarke (Crime em Marte)

– Em Marte há pouca delinqüência – observou o inspetor Rawlings com tristeza. – Em realidade, este é o motivo principal de que retorne ao Yard. De ficar aqui mais tempo, perderia toda minha prática. Estávamos sentados no salão do observatório principal do espaciopuerto de Phobos, olhando as gretas ressecadas pelo sol da diminuta lua de Marte. O foguete transbordador que havia nos trazido desde Marte partiu dez minutos antes e agora iniciava a larga queda para o globo cor ocre que se pendurava entre as estrelas. Meia hora mais tarde, subiríamos à espaçonave em direção à Terra..., planeta no que a maioria de passageiros nunca haviam posto os pés, embora ainda o chamassem “sua pátria” .

– Ao mesmo tempo – continuou o inspetor – de vez em quando se apresenta um caso que desperta interesse à vida. Você, senhor Maccar, é negociante em arte, e estou seguro que terá ouvido falar do ocorrido na Cidade do Meridiano faz um par de meses.

– Não acredito – disse o indivíduo gordinho e de tez olivácea que eu tinha tomado por outro turista de volta. Pelo visto, o inspetor já tinha examinado a lista de passageiros; perguntei-me o que saberia de mim e tratei de tranqüilizar minha consciência, me dizendo que estava razoavelmente limpa. No fim, todo mundo passava algo de contrabando pela alfândega de Marte...

– A coisa sossegou – prosseguiu o inspetor – mas há assuntos que não podem manter-se em segredo por muito tempo. Bem, um ladrão de jóias da Terra tentou roubar do Museu de Meridiano o maior dos tesouros... a Deusa Sereia.

– Isso é absurdo! – objetei – Naturalmente não tem preço... mas não é mais que um pedaço de rocha de arenito. É o mesmo de querer roubar A Mona Lisa. – Isso já ocorreu também – sorriu sem alegria o inspetor. – E talvez o motivo fosse o mesmo. Há colecionadores que pagariam uma fortuna por tal objeto, embora só fosse contemplá-lo em segredo. Não está de acordo, senhor Maccar?

– Muito certo – assegurou o perito em arte – Em minha profissão, achamos a toda classe de loucos.

- Bem, esse indivíduo, que se chama Danny Weaver, devia receber uma boa soma pelo objeto. E a não ser por uma fantástica má sorte, teria levado a cabo o roubo. O sistema de alto-falantes do espaciopuerto deu toda aula de desculpas por um leve atraso devido à última comprovação do combustível, e pediu a vários passageiros que se apresentassem em informação. Enquanto esperávamos que calasse a voz, recordei o pouco que sabia da Deusa Sereia. Embora não tinha visto o original, levava uma cópia, como a maioria de turistas, em minha bagagem. O objeto levava o certificado do Departamento de Antiguidades de Marte garantindo que «se trata de uma reprodução a tamanho natural da chamada Deusa Sereia, descoberta no mar Sirenium pela Terceira Expedição, em 2012 depois de Cristo (23 D.M.)»

Era estranho que um objeto tão pequeno causasse tantas discussões. Media Pouco mais de vinte centímetros de altura, e ninguém olharia o objeto duas vezes de achar-se em um museu da Terra. tratava-se da cabeça de uma jovem, de rasgos levemente orientais, com o cabelo encaracolado em abundância perto do crânio, os lábios entreabiertos em uma expressão de prazer ou surpresa... e nada mais.

Mas se tratava de um enigma tão misterioso que tinha inspirado um centenar de seitas religiosas, fazendo enlouquecer a vários arqueólogos. Já que uma cabeça tão perfeitamente humana não podia ser achada em Marte, cujos únicos seres inteligentes eram crustáceos... «lagostas educadas», como os chamavam os periódicos. Os aborígenes marcianos nunca tinham inventado o vôo espacial, e sua civilização desapareceu antes de que o homem aparecesse sobre a Terra.

Sem dúvida, a Deusa é agora o mistério Número Um do sistema solar. Suponho que a resposta não a obterão durante minha existência..., se chegarem a obtê-la.

- O plano do Danny era extremamente simples - prosseguiu o inspetor -. Já sabem vocês o mortas que ficam as cidades marcianas em domingo, quando se fecha tudo e os colonos ficam em casa para ver a televisão da Terra. Danny confiava nisto quando se inscreveu no hotel de Meridiano Oeste, a tarde da sexta-feira. Tinha na sábado para percorrer o museu, um domingo solitário para roubar, e na segunda-feira pela manhã seria outro dos turistas que sairiam da cidade... »A primeira hora do domingo cruzou o parque, passando ao Este Meridiano, onde eleva-se o museu. Se por acaso não sabem, a cidade se chama do Meridiano porque está exatamente no grau 180 de longitude; no parque há uma grande laje com o Primeiro Meridiano gravado nela, para que os visitantes possam ser fotografados de pé nos dois hemisférios de uma vez. É assombroso como estas criancices divertem às pessoas.

»Danny passou o dia percorrendo o museu como qualquer turista decidido a aproveitar do valor da entrada. Mas na hora de fechamento não partiu, a não ser que se escondeu em uma das galerias não abertas ao público, onde estavam dispondo uma reconstrução do período do último canal, que por falta de dinheiro não tinham terminado. Danny ficou ali até meia-noite, se por acaso ainda havia no edifício algum investigador entusiasta. Logo abandonou o esconderijo e pôs mãos à obra.

- Um momento - interrompi-lhe -. E o vigilante noturno?

- Meu querido amigo! Em Marte não existem esses luxos. Nem sequer há sinal de alarma no museu porque, quem quer roubar partes de pedra?

Certo, a Deusa estava encerrada em uma vitrine de metal e cristal, se por acaso algum caçador de lembranças se entusiasmava com ela. Mas até no caso de ser roubada, o ladrão não poderia ocultá-la em nenhuma parte, e, claro está, todo o tráfico de entrada e saída de Marte será registrado. Isto era exato. Eu tinha pensado em términos da Terra, esquecendo que cada cidade de Marte é um pequeno mundo fechado por debaixo do campo de forças que a protege do quase vazio congelador. além dos amparos eletrônicas existe só o vazio altamente hostil do exterior marciano, onde um homem sem amparo morreria em poucos segundos. E isto facilita as leis de segurança.

-Danny possuía uma série de ferramentas excelentes, tão especializadas como as de um relojoeiro. A principal era uma microsierra não maior que um soldador, com uma folha extremamente magra, impulsionada a um milhão de ciclos por segundo, graças a um motor ultra-sônico. Cortava o cristal ou o metal como manteiga... e só deixava o corte da espessura de um cabelo. O importante para o Danny era não deixar rastro de seu trabalho.

»Já teriam adivinhado como pensava operar. Cortaria a base da vitrine e substituiria o original por uma das cópias da Deusa. Talvez transcorressem um par de anos antes de que um perito descobrisse a verdade, e então o original já estaria na Terra, dissimulado como uma cópia, com um certificado de autenticidade. Preparado, né?

»Deveu ser algo espantoso trabalhar naquela galeria às escuras, com todos aqueles pedras brutas de milhões de anos de antigüidade, todos aqueles inexplicáveis artefatos a seu redor. Na Terra, um museu já é o bastante sinistro de noite, mas... é humano. E a Galeria Três, onde está a Deusa, resulta especialmente inquietante. Está cheia de baixos-relevos com animais incríveis lutando entre si; parecem vespas gigantes, e a maioria de paleontologistas negam que tenham existido alguma vez. Mas, imaginários ou não, pertenceram a este mundo, e não transtornaram tanto ao Danny como a Deusa, que olhava-lhe através das idades, lhe desafiando a que explicasse a presença dela ali. E isto lhe dava calafrios. Como sei? O me confessou isso.

»Danny começou a trabalhar com a vitrine com o mesmo cuidado com que um diamantista se dispõe a cortar uma gema. Demorou quase toda a noite em rachar a trampilla, e amanhecia quando descansou, guardando-a microsierra. Ainda faltava muito que fazer, mas a parte mais penosa tinha terminado. Colocar a cópia em a vitrine, comprovar seu aspecto com as fotos que levava consigo e ocultar todas os rastros lhe ocuparia grande parte do domingo, mas isto não o inquietava em absoluto. Ficavam outras vinte e quatro horas e receberia com agrado a chegada de os primeiros visitantes da segunda-feira, momento em que poderia mesclar-se com eles e sair dali.

»Foi um tremendo golpe para seu sistema nervoso, portanto, quando às oito e meia abriram as enormes leva e o pessoal do museu, oito em total, se dispuseram a iniciar o dia de trabalho. Danny correu para a saída de emergência, abandonando-o tudo: ferramentas, a Deusa... tudo.

»E se levou outra enorme surpresa ao ver-se na rua; a aquela hora devia estar completamente deserta, com todo mundo em casa lendo os periódicos dominicais. Mas hei aqui que os habitantes de Meridiano Este se encaminhavam para as fábricas e escritórios, como em qualquer dia normal de trabalho.

»Quando o pobre Danny chegou ao hotel já lhe aguardávamos. Não fazia falta ser um lince para compreender que só um visitante da Terra, e um muito recente havia passado por cima o fato que constitui a fama da Cidade do Meridiano. E suponho que vocês já o terão adivinhado.

-Sinceramente, não - objetei -. Não é possível visitar todo Marte em seis semanas, e nunca passei do Syrtis Maior.

-Pois é extremamente singelo, embora não podemos censurar excessivamente a Danny, posto que inclusive os habitantes do planeta caem ocasionalmente na mesma armadilha. É uma coisa que não nos preocupa na Terra, onde havemos solucionado o problema com o oceano Pacífico. Mas Marte, claro está, carece de mares; e isto significa que alguém se vê obrigado a viver na Linha de Data Internacional... »Danny planejou o roubo desde Meridiano Oeste... E ali era domingo, claro... e seguia sendo domingo quando o apanhamos no hotel. Mas no Meridiano Este, a menos de um quilômetro de distância, só era sábado. O pequeno cruzamento do parque era toda a diferença! Repito que foi má sorte.

Houve um comprido momento de silêncio.

- Quanto lhe largaram? - inquiri ao fim. - Três anos - repôs o inspetor. - Não é muito.

-Anos de Marte..., quase seis dos nossos. E uma multa que, por exata coincidência, é exatamente o preço do bilhete de volta à Terra. Naturalmente, não está no cárcere... pois em Marte não podem permitir-se tais gastos. Danny tem que trabalhar para viver, sob uma vigilância discreta. Disse-lhes que o museu não podia pagar a um vigilante noturno, verdade? Bem, agora tem um. Adivinham quem?

-Todos os passageiros disponham-se a subir a bordo dentro de dez minutos! Por favor, recolham suas malas! - ordenou o alto-falante.

Quando começamos a avançar para a porta, vi-me impulsionado a formular outra pergunta:

-E a pessoa que contratou ao Danny? Devia lhe respaldar muito dinheiro. O apanharam?

-Ainda não; a pessoa, ou pessoas, apagaram os rastros completamente, e acredito que Danny disse a verdade ao declarar que não podia nos dar nenhuma pista. Bem, já não é meu caso. Como pinjente, retorno ao Yard. Mas um policial sempre tem os olhos bem abertos... como um perito em arte, né, senhor Maccar? OH, parece haver-se posto um pouco verde em torno das brânquias. Tome um de seus tabletes contra o enjôo espacial.

- Não, obrigado - repôs o senhor Maccar -, estou muito bem. Seu tom era desanimado; a temperatura social parecia ter descendido por debaixo de zero nos últimos minutos. Olhei ao senhor Maccar e ao inspetor. E de repente compreendi que a travessia seria muito interessante.

Fontes
http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros
http://groups.google.com/group/digitalsource
Fotomontagem: José Feldman

Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras.

Outros títulos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros .

Conan Doyle (Através do véu)

Ele era um fronteiriço enorme, cabeludo e de rosto sardento, descendente direto de uma tribo dada ao roubo de gado em Liddesdale. Apesar de sua descendência, era um cidadão tão sensato e sóbrio quanto podia se desejar, vereador em Melrose, presbítero da Igreja e presidente da seção local da Associação Cristã de Moços. Seu nome era Brown – e se via impresso como “Brown and Handiside”, sobre as grandes mercadorias da rua principal. Sua esposa, Maggie Brown, era Armstrong antes de se casar, e vinha de uma velha família de camponeses nos ermos de Teviothead. Era de baixa estatura, moreninha e possuía olhos negros, além de um temperamento estranhamente nervoso para uma mulher escocesa. Não se podia encontrar maior contraste entre o homem grande e trigueiro e a pequena mulher morena, porém ambos eram da terra, até onde podia alcançar a memória.

Um dia – era o primeiro aniversário de seu casamento – eles saíram juntos para ver as escavações do Forte Romano em Newstead. Não era um lugar particularmente pitoresco. Da ribanceira norte do Tweed, exatamente onde o rio forma uma curva, estende-se uma rampa suave de terra arável. Através desta corriam os valos dos escavadores, expondo, aqui e ali, velhos trabalhos de pedra, indicando os alicerces das antigas muralhas. Havia sido um lugar enorme, pois o acampamento possuía cinqüenta acres de extensão e o forte, quinze. De qualquer modo, tudo era fácil para eles, uma vez que o Sr. Brown conhecia o fazendeiro proprietário da terra. Sob sua direção, passaram uma longa tarde de verão inspecionando as valas, as covas, as muralhas e toda a estranha variedade de objetos que esperavam ser transportados para o Museu de Antigüidade de Edimburgo. A fivela de um cinturão de mulher havia sido desenterrada naquele mesmo dia e o fazendeiro estava discorrendo sobre isto, quando seus olhos se fixaram no rosto da Sra. Brown.

Sua boa senhora acha-se cansada, disse ele. Talvez seja melhor descansar um pouco antes de continuar.

Brown olhou para a esposa. Ela estava pálida, certamente, e seus olhos escuros, luminosos e estranhos.

- O que é Maggie? Cansada? Acho que é hora de regressarmos.
- Não, não, John, continuemos. É maravilhoso. Igual a um país de sonho. Tudo parece estar tão chegado e perto de mim. Quanto tempo os romanos permaneceram aqui, Sr. Cunningham?
– Longo tempo, senhora. Se a senhora visse as covas de lixo das cozinhas, compreenderia que levaria muito tempo para enchê-las.
– E por que eles partiram?
– Bem, senhora, por todos os sinais, partiram porque tiveram de o fazer. O povo das vizinhanças não podia suportá-los mais, por isso levantaram-se e queimaram o forte. Pode ser a marca de fogo nas pedras.

A mulher estremeceu ligeiramente.

– Uma noite feroz... horrível, disse ela. O céu devia estar vermelho aquela noite... e estas pedras cinzentas também.
– Sim, acho que se encontravam rubras, disse seu marido. É uma coisa estranha, Maggie, e talvez fossem suas palavras que a ocasionasse; mas pareço ver este incidente mais claro do que jamais vi qualquer coisa em minha vida. A luz brilhava na água.

Sim, a luz brilhava na água. E a fumaça agarrava-se à garganta. E todos os selvagens estavam gritando.

O velho fazendeiro começou a rir.

– A senhora escreverá uma história acerca do velho forte, disse ele. Eu o tenho mostrado a mais de um indivíduo, mas nunca ouvi explicação tão clara. Algumas pessoas têm o dom.

Haviam bordejado a margem do fosso, e um poço abria sua boca à direita deles.

Aquele poço possui 14 pés de profundidade, disse o camponês. Imaginem o que retiramos do fundo? Bem, era somente o esqueleto de um homem com uma lança ao lado. Penso que a empunhava quando morreu. Ora, como pode um homem com uma lança achar-se num buraco destes? Não estava enterrado, porque eles queimavam seus mortos. Que conclui disso, senhora?

Ele saltou ao fundo para livrar-se dos selvagens, disse a mulher.

Bem, é plausível e um dos professores de Edimburgo não poderia apresentar melhor explicação. Gostaria que estivesse aqui, senhora, para responder às nossas dificuldades. Aqui está o altar que encontramos semana passada. Há uma inscrição. Disseram-me que é latim que significa que os homens deste forte agradecem a Deus por sua segurança.

Examinaram a velha pedra gasta. Havia dois VV largos e profundamente entalhados, no topo.

– Que significam estes dois VV, perguntou Brown.
– Ninguém sabe, respondeu o guia.
– Valeria Victrix, disse a senhora, suavemente. Seu rosto se encontrava mais pálido que nunca, os olhos muito distantes, como quem observa pelas passagens obscuras das abóbadas dos séculos.
– Que é isto? perguntou o marido, asperamente.

Ela estremeceu como alguém que acorda de um sono.

– Acerca de que falávamos? perguntou.
– Destes VV na pedra.
– Não há dúvida de que é somente o nome da legião que erigiu o altar.
– Sim, mas você lhe deu um nome especial.
– Realmente? Que absurdo! Como poderia eu saber qual era o nome?
– Você disse algo... Victrix, suponho.
– Acho que estava conjecturando. Este lugar me dá o sentimento singular de não ser eu própria, mas outra pessoa.
– Sim, é um lugar misterioso, disse seu marido, olhando ao redor com uma expressão quase de medo em seus olhos cinzentos e agressivos. Também sinto isto. penso que somente lhe desejaremos boa noite, Sr. Cunningham, e regressaremos a Melrose.

Nenhum deles pôde sacudir a estranha impressão que lhes havia sido deixada, pela visita às escavações. Era como se algum miasma houvesse subido daquelas valas úmidas e passado ao sangue deles. Toda a tarde permaneceram silenciosos e pensativos, mas os poucos comentários que faziam mostravam que o mesmo objeto ocupava a mente de cada um. Brown passou a noite sem repouso na qual teve um sonho estranho e bem concatenado, tão vívido que ele acordou transpirando e tremendo como um cavalo amedrontado. Tentou descrevê-lo à sua mulher quando se sentaram para o lanche, de manhã.

– Foi a coisa mais clara, Maggie, disse ele. Nada que me aconteceu quando acordado tem sido mais claro do que isto. sinto-me como se estas mãos estivessem pegajosas de sangue.
– Conte-me devagar, disse ela.
– Quando começou eu estava numa encosta. Encontrava-me deitado no chão. Este era áspero e havia moitas de urzes. Tudo ao meu redor era somente escuridão, mas eu podia ouvir o sussurro das respirações dos homens. Afigurava-se uma grande multidão em ambos os lados ao meu redor, mas não podia ver ninguém. Às vezes, havia um baixo tinido de aço, e então um número de vozes sussurrava “Silêncio!”. Eu tinha uma clava nodosa na mão e esta era guarnecida de pontas de ferro na extremidade. Meu coração batia rapidamente, e eu sentia que pairava um momento de grande perigo. Uma vez deixei cair minha maça, e as vozes todas ao meu redor ordenaram na escuridão “Silêncio!”. Apoiei minha mão no chão e toquei o pé de outro homem deitado à minha frente. Havia outros ao meu alcance de ambos os lados. Mas não disseram nada.

– Então todos começamos a nos mover. A encosta inteira parecia estar rastejando para baixo. Existia um rio no sopé e uma ponte de madeira com arcos altos. Além da ponte viam-se muitas luzes – tochas numa muralha. Os homens rastejantes dirigiam-se todos em direção à ponte. Não houve som de espécie alguma, porém uma quietude aveludada. Então ouviu-se um grito na escuridão, o brado de um homem que era apunhalado no coração, subitamente. Aquele único grito elevou-se durante um momento e depois ouviu-se o rugir de mil vozes furiosas. Eu estava correndo. Todos corriam. Uma luz vermelha brilhou e o rio tornou-se uma faixa rubra. Podia ver meus companheiros agora. Eram mais demônios do que homens, figuras ferozes vestidas de peles, com o cabelo e a barba caindo em torrentes. Estavam todos furiosos de raiva, saltando enquanto corriam, as bocas abertas, os braços em agitação, a luz vermelha batendo em seus rostos. Corri também, e gritei maldições como os demais. Então ouvi um grande estralejar de madeira que soube que as paliçadas tinham caído. Percebi um silvo alto em meus ouvidos e eu me achava consciente de que as flechas voavam ao meu redor. Caí no fundo de um valo e vi uma mão estendida de cima. Segurei-a e fui puxado. Olhamos para baixo e vimos homens prateados segurando suas lanças para o alto. Alguns dos nossos saltaram sobre as pontas. Nós os seguimos e matamos os soldados antes que pudessem desenterrar as lanças dos corpos novamente. Eles gritavam alto em uma língua estrangeira, mas não tivemos misericórdia. Caminhamos sobre eles como uma onda, e os espezinhamos para baixo da lama, pois eram poucos e o número dos nossos infindável.

– Encontrei-me entre edifícios e um destes estava incendiado. Vi as chamas ressaindo através do telhado. Corri e achei-me só entre os edifícios. Alguém cruzou correndo à minha frente. Era uma mulher. Segurei-a pelo braço e segurando-lhe o queixo, voltei seu rosto a fim de que a luz do fogo o iluminasse. Quem você pensa que era, Maggie?

A esposa umedeceu os lábios secos.

– Era eu, disse ela.

Ele olhou para ela, surpreso.

– É certo seu palpite, disse. Sim, era exatamente você. Não simplesmente parecida, você compreende. Era você, você própria. Eu vi a mesma alma nos seus olhos amedrontados. Você parecia branca e formosa, maravilhosa à luz do fogo. Eu tinha somente um pensamento na cabeça – levá-la para longe comigo; conservá-la toda para mim no meu lar em algum lugar nas colinas. Você arranhou meu rosto. Levantei-a sobre o ombro e procurei achar um caminho para fora da luz do edifício em chamas e de retorno à escuridão.

– Então aconteceu a coisa que relembro mais que tudo. Você está doente, Maggie. Devo parar? Meu Deus! você tem no rosto o mesmo olhar que possuía a noite passada no meu sonho. Você gritou. Ele veio correndo à luz do fogo. Sua cabeça estava desprotegida; seu cabelo era negro e encaracolado; e ele tinha uma espada nua na mão, curta e larga, pouco maior que uma adaga. Ele lançou-se contra mim, mas tropeçou e caiu. Segurei-a com uma das mãos, e com a outra...

Maggie havia saltado, ficando de pé, com feições contraídas.

– Marcus! Gritou ela. Meu belo Marcus! Oh, seu animal! Fera! bruto! Houve um estardalhaço de xícaras de chá, quando ela caiu para a frente, sobre a mesa, inconsciente.

Nunca falam daquele incidente isolado e estranho em sua vida de casados. Por um instante, a cortina do passado tinha sido afastada, e algum estranho lampejo de uma vida esquecida tinha sido mostrado a eles. Mas o véu caiu, para nunca mais levantar-se. Vivem em seu círculo estreito – ele na sua loja, ela no lar – e não obstante horizontes mais novos e amplos formaram-se vagamente em torno deles, desde aquela tarde de verão no fragmentado Forte Romano.

Fonte:
DOYLE, Sir Arthur Conan.Contos de Terror e Mistério. Ediouro.