quarta-feira, 24 de julho de 2024

Recordando Velhas Canções (Casinha pequenina)


Tu não te lembras da casinha pequenina?
Onde o nosso amor nasceu?
Aí, tu não te lembras da casinha pequenina?
Onde o nosso amor nasceu?
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado que saudade já morreu
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado que saudade já morreu

Tu não te lembras das juras? Oh, perjura
Que fizeste com fervor?
Aí, tu não te lembras das juras? Oh perjura
Que fizeste com fervor?
Daquele beijo demorado
Prolongado que selou
O nosso amor
Daquele beijo demorado
Prolongado que selou
O nosso amor

Não te lembras, ó morena, da pequena
Casinha onde te vi, ai?
Não te lembras, ó morena, da pequena
Casinha onde te vi?

Daquela enorme mangueira
Altaneira onde cantava
O bem-te-vi

Não te lembras do cantar, do trinar
Do mimoso rouxinol, ai?
Não te lembras do cantar, do trinar
Do mimoso rouxinol?
Que contente assim cantava
Anunciava o nascer
Do flâmeo Sol
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Saudade e Memórias em 'Casinha Pequenina'
A música 'Casinha Pequenina', é uma ode à saudade e às memórias de um amor passado. A letra remete a um tempo de inocência e simplicidade, onde o amor floresceu em um ambiente bucólico e cheio de significados pessoais. A casinha pequenina, mencionada repetidamente, simboliza não apenas um lugar físico, mas um espaço emocional onde o amor nasceu e se desenvolveu. A repetição da pergunta 'Tu não te lembras?' enfatiza a dor da lembrança e a tristeza de perceber que esses momentos podem ter sido esquecidos pela outra pessoa.

A letra também faz uso de elementos da natureza para intensificar o sentimento de nostalgia. O coqueiro, a mangueira e o canto dos pássaros como o bem-te-vi e o rouxinol são símbolos de um tempo passado, de um cenário que testemunhou o amor dos protagonistas. Esses elementos naturais não são apenas decorativos; eles carregam consigo a essência das memórias e das emoções vividas. A morte do coqueiro, por exemplo, é uma metáfora para a passagem do tempo e a perda das lembranças.

Silvio Caldas, conhecido como 'O Caboclinho Querido', é um dos grandes nomes da música brasileira, especialmente no gênero seresta. Sua interpretação melódica e emotiva dá vida à letra, fazendo com que o ouvinte sinta a profundidade da saudade e da nostalgia. A música, portanto, não é apenas uma lembrança de um amor passado, mas também uma reflexão sobre a efemeridade dos momentos e a importância de valorizar as memórias que construímos ao longo da vida.

A modinha, o gênero mais lírico e sentimental de nosso cancioneiro, é também o mais antigo, existindo desde o século XVIII. E entre todas as modinhas surgidas nesse longo espaço de tempo, nenhuma seria tão cantada e gravada como a "Casinha Pequenina".

Lançada em disco por Mário Pinheiro em 1906, teria dezenas de gravações figurando no repertório dos mais variados intérpretes, de Bidu Sayão e Beniamino Gigli a Cascatinha e Inhana, de Sílvio Caldas e Nara Leão aos maestros Radamés Gnattali, Lírio Panicali e Rogério Duprat.

Atribuída a autor desconhecido, a "Casinha Pequenina" teve a origem pesquisada pelo musicólogo Vicente Sales, que acredita ser seu criador o paraense Bernardino Belém de Souza. Carteiro e pianista, Bernardino tocou durante algum tempo em navios que faziam a linha Rio-Manaus, aproveitando as viagens para divulgar suas composições no sul do país. Outra autoria possível, mas não comprovada, seria a dos atores Leopoldo Fróes e Pedro Augusto. Segundo Íris Fróes, biógrafa do primeiro, Leopoldo teria recebido de Pedro a letra da "Casinha Pequenina" pronta, e composto a melodia em 1902. A verdade é que nenhum deles jamais reivindicou a paternidade da canção, apesar do sucesso.
Fontes:

terça-feira, 23 de julho de 2024

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 34

 



Irmãos Grimm (A filha do moleiro)

Era uma vez um moleiro, muito pobre, que tinha uma filha lindíssima. Um dia teve ocasião de falar com o rei e, para dar-se importância , disse-lhe:

- Tenho uma filha  que sabe fiar palha, convertendo-a em ouro.

- É uma arte que me agrada, e muito. - comentou o rei. - Se tua filha é tão habilidosa como dizes, traze-a amanhã ao palácio, que eu  quero fazer uma experiência com ela.

Quando lhe trouxeram a moça, ele a levou a uma sala cheia palha e, dando-lhe uma roca e uma dobadeira, disse-lhe:

- Começa logo o trabalho e, se até amanhã de manhã não tiveres transformado toda esta palha em ouro, morrerás.

Depois ele mesmo chaveou a porta , deixando a moça sozinha.

A infeliz ficou ali encerrada, sem saber o que fazer para salvar sua vida. Não tinha a menor ideia de como transformar palha em ouro e sua angústia aumentava de momento a momento. Acabou chorando amargamente. De súbito a porta abriu-se e entrou um anãozinho. Disse ele, cumprimentando-a:

- Boa noite, jovem moleira! Por que choras assim?

- Ah! - exclamou a moça. - Devo fiar esta palha convertendo-a em ouro e nada entendo disso.

- Que me darás se  eu o fizer por ti? - indagou o homenzinho

- Meu colar. - disse a jovem.

O anão tomou o colar e, sentando-se à roca , num zás, em três rodadas encheu a bobina. Em seguida colocou outra e, com mais três pedaladas, a segunda também ficou cheia.

Continuou assim ininterruptamente, até amanhecer, quando então toda a palha estava fiada e todos as bobina cheias de ouro.

Logo que apontou o sol, o rei apresentou-se e, ao ver o ouro, ficou surpreso e radiante de alegria. Sua cobiça, no entanto, lhe pedia mais. mandou que levasse a filha do moleiro a outra sala ainda maior, cheia de palha, e exigiu-lhe que fiasse tudo durante a noite, se é que prezava a sua vida. 

A moça, ao ver-se de novo perdida recomeçou a chorar. Novamente a porta se abriu e apareceu o anãozinho, perguntando:

– Que me darás se te converto a palha em ouro?

- O meu anel. - retrucou a moleirinha.

O anão aceitou o anel; pôs-se à roca e, ao ao chegar a madrugada, toda a palha estava transformada em ouro fulgurante.

Ao ver aquilo, o rei alegrou-se, mas , ainda não satisfeito, mandou que levassem a moça para outra sala, muito maior e igualmente cheia de palha.

- Esta noite – disse ele - fiarás tudo isto. - Se conseguires , eu me casarei contigo.

O rei pensava : "Embora ela seja, apenas, filha de um moleiro, onde acharei mulher mais rica?"

Voltando a estar só, apresentou-se o anãozinho pela terceira vez e lhe disse:

- Que me darás se ainda esta noite me ponho a fiar a palha para ti?

- Já não me resta coisa alguma que possa dar-te. - respondeu a moça.

- Então promete-me o teu primeiro filho quando fores rainha.

"Sabe lá o que ainda está por acontecer", pensou a filha do moleiro. E, como estava num aperto tão grande, prometeu o que lhe pedia o anão.

Quando, pela manhã, o rei entrou na sala, encontrou tudo conforme seus desejos. Cumprindo sua promessa, casou-se com a bela moleira, que assim se tornou rainha. 

Transcorrido um ano, nasceu uma linda criança. A rainha até havia esquecido o anãozinho, senão quando este se apresentou, de súbito, em seu quarto.

- Dá-me, agora, o que me prometeste.

Ela, desesperada, ofereceu ao homenzinho todas as riquezas do reino se lhe deixasse o filho. Mas o anãozinho respondeu-lhe:

- Não! Uma criatura vale mais para mim do que tesouros do mundo.

A rainha, então, chorou e lamentou-se tanto que, afinal o anãozinho teve pena dela.

- Eu te darei três dias de prazo - disse - Se nesse meio tempo adivinhares o meu nome, poderás ficar com teu filho.

Durante a noite inteira  a rainha procurou recordar todos os nomes que conhecia e enviou um mensageiro a toda parte para informar-se de outros mais.

Quando, no dia seguinte, o homenzinho se apresentou, ela lhe foi recitando todos os nomes que sabia: Melchior, Gaspar, Baltasar...mas a cada um o anãozinho respondia:

- Não me chamo assim!

No decorrer do segundo dia mandou investigar os nomes de todos os vizinhos e passou a enumerá-los para o anão. Citou os mais difíceis e estranhos.

- Não te chamarás, por acaso Saltimbanco?

Mas o anãozinho respondia invariavelmente:

- Não, não me chamo assim.

No terceiro dia o emissário voltou, dizendo:

- Não descobri um só nome desconhecido mas, quando saía do bosque e cheguei a uma montanha muito alta, onde a raposa e a lebre se dão as boas noites, vi uma casinha , diante da qual ardia uma fogueira. Ao redor desse fogo um anãozinho saltava num pé só. E cantava assim:

Hoje faço pão e amanhã cerveja
Depois de amanhã busco o filho da rainha,
Ai que bom que ninguém sabe 
Que meu nome é Coroínha!

Imaginem o contentamento da rainha ao ouvir aquele nome. Quando, pouco depois, o homenzinho entrou no aposento e perguntou:

- Então, senhora rainha , como me chamo?

Ela respondeu-lhe, fazendo-se de sonsa:

- É Conrado?

- Não.

- Henrique?

- Não.

- Será, por acaso, Coroínha?

– Foi o diabo que te disse! Foi o diabo que te disse! - gritou o anãozinho furioso, batendo com o pé direito com tanta força no chão que se enterrou até a coxa. Depois pegou o pé esquerdo com as duas mãos, mas com tanta raiva que ele mesmo se rasgou em dois pedaços.

Fonte: Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Feitio de oração)


Compositores: Noel Rosa e Vadico

Quem acha vive se perdendo
Por isso  agora eu vou me defendendo
Da dor tão cruel desta saudade
Que por infelicidade          
Meu pobre peito invade

Batuque é um privilégio 
Ninguém aprende samba no colégio
Sambar é chorar de alegria
É sorrir de nostalgia
Dentro da melodia
Por isso agora lá na Penha vou mandar
Minha morena pra cantar
Com satisfação,  e com harmonia
Esta triste melodia,  que é meu samba
Em feitio de oração

O samba na realidade,       
não vem   do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o samba então 
Nasce no coração 
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
O Samba Como Expressão da Alma em 'Feitio de Oração'
A música 'Feitio de Oração', composta pelo icônico Noel Rosa, é uma obra que transcende o tempo, trazendo em sua essência uma profunda reflexão sobre a natureza do samba e a expressão dos sentimentos. A letra inicia com uma contemplação sobre a perda e a saudade, sentimentos universais que afligem o ser humano. O eu-lírico se apresenta em uma luta para se proteger da dor causada pela saudade, uma emoção que invade seu peito e traz sofrimento.

No decorrer da canção, o samba é apresentado como uma forma de oração, uma expressão sublime que não se aprende em escolas, mas sim se sente e se vive. O samba é descrito como um privilégio, uma manifestação de alegria e nostalgia que se entrelaçam na melodia. A música sugere que o samba tem o poder de transformar a tristeza em algo belo, em arte. A referência à Penha e à morena que vai cantar com satisfação e harmonia reforça a ideia de que o samba é um ato de celebração e resistência emocional.

Por fim, Noel Rosa conclui que o samba não é algo que pertence exclusivamente ao morro ou à cidade, mas sim que ele nasce do coração de quem suporta uma paixão. O samba é, portanto, uma manifestação autêntica dos sentimentos mais profundos, uma forma de arte que brota da experiência humana e da capacidade de suportar e expressar as emoções mais intensas.

O compositor Vadico (Osvaldo Gogliano) era um jovem de 22 anos e trabalhava no Rio havia pouco tempo, quando foi apresentado por Eduardo Souto a Noel Rosa, nos estúdios da Odeon. Razão da apresentação: o maestro acabara de ouvi-lo tocar ao piano uma música de sua autoria, ainda sem letra, e achara que o encontro poderia render uma boa parceria.

Noel, então, impressionado com a beleza e o clima místico da melodia, fez a letra de "Feitio de Oração", iniciando com uma obra-prima a parceria desejada. Pertence a esta letra os famosos versos: "Batuque é um privilégio / ninguém aprende samba no colégio..." A dupla Noel e Vadico durou quatro anos, deixando onze composições.

Fontes:

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Varal de Trovas n. 606

 

Mensagem na Garrafa = 125 =


POETA DA COLINA
(Danilo Mendonça Martinho)
São Paulo/SP

Oração do Poeta

Que eu nunca me cale
Que a palavra vença a dor
Que alma grite as verdades

Prometo não fechar os olhos pro mundo
Sentir suas aflições
Revelar seus detalhes
Compartilhar sua realidade

Essa é a minha luta
Ter voz no meio do silêncio
Ter coragem quando há medo
Ter esperança quando se está perdido
Ser quem nunca desiste

Sou poeta
A palavra é minha arma
O verso é meu escudo
E a poesia viverá para sempre

A. A. de Assis (No princípio era o “ai”)

Dentro de mais uns 30 anos, gostemos ou não, todos os povos serão bilíngues

Onde e quando os nossos ancestrais começaram a falar? Sabe-se lá…  O certo é que o primeiro Adão e a primeira Eva já entraram na história equipados com um aparelho fonador que lhes permitiria articular palavras. Nasceram dotados também de inteligência e criatividade. Já chegaram então ao mundo com aquilo que se convencionou chamar de “competência” para o “desempenho” da comunicação mediante a “linguagem”.

Vai daí que um dia, em algum lugar, um deles emitiu o primeiro sinal significante, muito provavelmente uma interjeição – um “ai” talvez, indicativo de prazer ou de dor. Depois do “ai”  deve ter murmurado o “ei”, o “ih”, o “oh”, o “ui”… E Evas e Adões passaram a dar nome às coisas: fruto, peixe, pombo, água  (os substantivos) – na língua deles, claro;  e a dar nome às qualidades: grande, pequeno, doce, amargo (os adjetivos); e a dar nome às ações: andar, subir, colher, comer (os verbos). Depois inventaram os conectivos, e formaram frases, e mais frases, e outras mais. E nunca mais pararam de tagarelar.

Sabe-se, todavia, que as comunidades primitivas eram nômades: esgotadas as fontes de alimento numa região, mudavam-se dali e formavam novas aldeias. Sabe-se também que o “crescei e multiplicai-vos” foi sempre levado muito a sério; e não é difícil deduzir que as famílias, multiplicando-se, acabavam se dispersando: um grupo ia para o norte, outro para o sul, e assim por diante. Não havendo meios de transporte e comunicação, as novas comunidades perdiam o contato umas com as outras.

Com isso, a suposta língua original (se é que houve uma só) foi aos poucos se transformando. Cada novo agrupamento criou novas palavras, alterou a pronúncia de outras, e de mudança em mudança o mundo chegou a ter, em determinado momento da história, algo em torno de 10 mil línguas. Hoje, segundo dados recentes, 2.796 línguas são ainda faladas na Terra (além de não se sabe quantos dialetos). As línguas dividem-se em 12 grandes famílias. O português pertence à família indo-europeia, juntamente com o francês, o espanhol, o italiano, o romeno, o alemão, o escandinavo, o inglês, o russo, e vários outros idiomas, entre os quais também o sânscrito, o grego e o latim. 

Entretanto, graças aos atuais recursos tecnológicos, as distâncias estão sendo anuladas, e a tendência é inverter-se a babel. Além disso, a própria dinâmica da vida moderna impõe a existência de uma língua universal. Houve tempo em que de certa forma esse papel foi cumprido pelo latim. Muitos ainda acreditam ser possível fazer do esperanto o idioma geral. Mas o que se percebe mesmo é o inglês  tomando conta do planeta. Dentro de mais uns 30 anos, gostemos ou não, todos os povos serão bilíngues: cada habitante de cada  lugarzinho da aldeia global usará sua língua nativa para falar com os íntimos… e a língua universal para conversar com o restante da humanidade…

Fonte: Portal do Rigon 04.07.2024 disponível em https://angelorigon.com.br/2024/07/04/no-principio-era-o-ai/. Acesso em 22.07.2024.

Recordando Velhas Canções (O ébrio)


Compositor: Vicente Celestino

Tornei-me um ébrio, 
na bebida busco esquecer
Aquela ingrata que eu amava, 
e que me abandonou
Apedrejado pelas ruas, 
vivo a sofrer
-Não tenho lar, e nem parentes, 
tudo terminou
Só nas tabernas é que encontro o meu abrigo
Cada colega de infortúnio, um grande amigo
Que embora tenham como eu seus sofrimentos
Me aconselham, e aliviam os meus tormentos

Já fui feliz e recebido com nobreza até
Nadava em ouro, e tinha alcova de cetim
E a cada passo um grande amigo em que depunha fé
E nos parentes . . . confiava sim . . .
E hoje ao ver-me na miséria, tudo vejo então
O falso lar que amava, e a chorar deixei
Cada parente, cada amigo, um ladrão
Me abandonaram, e roubaram o que amei.

Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar
Quando eu morrer a minha campa nenhuma inscrição
Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar
Este ébrio triste, e este triste coração

Quero somente na campa em que eu repousar
Os ébrios loucos como eu venham depositar
Os seus segredos, ao meu derradeiro abrigo
E suas lágrimas de dor ao peito amigo
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
A Tragédia Lírica de 'O Ébrio'
A canção 'O Ébrio', interpretada pelo icônico Vicente Celestino, é uma narrativa dramática que explora a ascensão e queda de um artista. A letra da música descreve a trajetória de um cantor que, desde cedo, foi aclamado e viu seu nome crescer até alcançar o auge da glória. No entanto, a música também relata as desilusões amorosas que o protagonista enfrentou, com amores que prometiam eternidade, mas que o abandonavam, deixando-o com a dor e a saudade.

A história toma um rumo ainda mais trágico quando a esposa do cantor, que lhe havia dado uma filha, o deixa. A perda da filha, que é levada por Deus, é o ponto de inflexão que o leva à decadência. O cantor passa de apresentações em teatros renomados para ser vaiado em um circo, simbolizando sua queda social e profissional. A bebida surge como um refúgio para esquecer as mágoas, e é nesse contexto que ele é rotulado como 'ébrio'.

A música termina com uma reflexão amarga sobre a falsidade das relações humanas. O cantor, agora um pária, reconhece que aqueles que se diziam amigos e familiares o abandonaram em sua miséria. Ele pede que, após sua morte, não haja inscrições em sua campa, apenas que outros ébrios como ele compartilhem seus segredos e lágrimas. A canção é um retrato da solidão e do esquecimento que muitas vezes acompanham aqueles que caem em desgraça, e serve como uma crítica à superficialidade dos laços sociais.

O sucesso permanente da canção "O Ébrio" inspiraria, dez anos depois de seu lançamento, a realização do filme homônimo, recordista de bilheteria em todo o país. Impressionado com o personagem, o público chegaria mesmo a identificá-lo com seu criador, o abstêmio Vicente Celestino.

Com efeito, o tema e principalmente a forma declamada da interpretação foram fatores decisivos para que se chegasse a tal exagero. A letra dramática, repleta de desventuras e imagens beirando a pieguice, é uma perfeita sinopse para o enredo de um filme, desde o prólogo falado à parte musical propriamente dita. Nesta, o contraste da primeira parte, no modo menor, com a segunda, no modo maior, contribui para ressaltar a tragédia do protagonista. "O Ébrio", que também inspirou uma peça de teatro (em 1936) e uma novela de televisão (na TV Paulista, em 1965), foi lançado no terceiro disco de Vicente Celestino na Victor, gravadora onde ele permaneceu por 33 anos, até sua morte em 1968.

Fontes:

domingo, 21 de julho de 2024

Mensagem na Garrafa = 124 =


CLEUTTA PAIXÃO
(Cleutta Inêz Christina Paixão)
Alto Araguaia/MS

Oração do Escritor

Senhor Deus!
Arquiteto criador do Universo!
Inspiração aos escritores do livro da vida!
Venho hoje agradecer a graça
E o dom da escrita
Que me foi concedido.
E a vós pedir,
Que o Divino Espírito Santo
Que me rege,
Ilumine e inspira,
Criar os escritos
Que saem de minha alma.
E abençoe minha mente
Cada dia mais.
E abençoe meu Ser
Para que continue a ser
Responsável e virtuoso.
E Eu possa usar
Meus escritos com responsabilidade.
E que outras pessoas
Possam se alimentar deles.
E possam os leitores ter norte
Através dos meus escritos.
E que possam induzir
Aos leitores a busca
De leituras sadias
E do caminhos do bem
E da verdade.
Amém

Coelho Neto (O ambicioso)

De volta ao cemitério, onde, sem uma lágrima, deixara o corpo do pai, Felício recolheu-se à casa deserta, e como havia luar, nem acendeu a candeia, para poupar o azeite.

Sentando sob o alpendre, pôs-se a olhar o arvoredo frondoso, cuja folhagem reluzia à claridade, e, mais longe, ondulando, o canavial e o milho.

O velho aproveitara toda a terra lavradia, respeitando apenas o pequeno bosque, em que se abrigava a fonte, e onde ele e os camaradas iam recolher os galhos secos com que alimentavam o lume.

Seis homens robustos trabalhavam como lavradores, ajudando-os no áspero labor agrícola — uns ao arado, outros na carpa, ou colhendo, ou plantando.

As mulheres cuidavam do serviço doméstico, e ainda raspavam a mandioca, debulhavam o milho, batiam o feijão, retiravam o mel dos favos, e reuniam, à tarde, as aves.

As próprias crianças eram aproveitadas, — umas guiando o gado aos pastos, outras levando a comida aos trabalhadores, à roça; e como havia fartura, era um encanto a vida no sítio que prosperava a olhos vistos.

Sabia-se que o velho tinha haveres; nem ele fazia mistério disso; antes afirmava com garbo, para estimular os homens ao trabalho: “O pouco que tenho, deu-me a terra, assim o ganhareis, se trabalhardes com perseverança. Eu não vos engano — tendes de mim o que mereceis. O bem que fizerdes vos será contado e pago.”

E assim era.

Felício, porém, não se continha aos sábados; mal sopitava a raiva quando o pai pagava as férias aos camaradas.

Aquele dinheiro, passando a mãos alheias, doía-lhe, como se fosse a suas próprias carne tirada aos pedaços e, sempre que se recolhia ao leito, murmurava com avareza:

— Hei de acabar com isto! Para que tanta gente? Um só homem basta, e esse serei eu!

Assim pensou, e assim fez.

No dia seguinte ao enterro do velho, Felício chamou os camaradas, fez-lhes as contas, e despediu-os.

*** 

Quando se viu só, Felício esfregou as mãos contente, dizendo:

— Agora sim! Tudo quanto fizer será meu. Não tenho mais quem coma o que eu planto, nem quem leve os meus lucros!

Os mesmos cães, que guardavam a roça, dando caça aos animais daninhos, foram enxotados à pedrada, e o ambicioso ficou solitário, olhando a lavoura exuberante que se desenvolvia ao sol.

Vieram, porém, as chuvas, e a terra entrou a produzir doidamente. O mato apontou, cresceu, invadindo as culturas, cobrindo os caminhos que desapareciam, e Felício, levantando-se muito cedo, ainda com as estrelas a luzirem no céu, saía, e lá se punha a capinar com ânsia.

Por não ouvir as vozes dos animais que alegravam o sítio, — um boi a mugir, uma ovelha a balar, aqui uma galinha cacarejando aos pintos, adiante a pata, com a pequenina frota penugenta dos patinhos — ficou preocupado.

Por onde andariam? Talvez no pasto. Era melhor assim: não só lhe poupavam o trabalho de os tratar, como ainda, alimentando-se com o que buscavam — e havia tanta erva e eram tantos os bichinhos! — livravam-no de despesas.

E voltava à terra com desespero.

Para não perder tempo em fazer lume, almoçava uma fruta, e continuava a trabalhar, casmurro.

Todo seu esforço, porém, não conseguia conter a invasão. As ervas más apareciam em toda a parte e, apenas a enxada deixava um talhão, logo os rebentos abrolhavam.

Às vezes, ele sentava-se à borda das rampas alagado de suor, os braços doloridos, e ficava ali inerte, com a alma cheia de desânimo, revoltado contra aquela vegetação perniciosa que lhe comprometia a lavoura. Logo, porém, excitado pela ambição, retomava a enxada e prosseguia o trabalho.

Em pouco tempo, a linda, viçosa lavoura de outrora desapareceu, suplantada pelo ervaçal bravio e, onde o milho lourejava com a sua espiga de ouro desnastrada ao sol, cresceram arbustos agrestes e palhegal farfalhante, por entre os quais as cobras venenosas rastejavam chocalhando.

Os animais, mal a noite baixava, saíam das tocas, devorando e destruindo a plantação. Todas as manhãs, Felício parava, pesaroso, diante das covas que eles abriram à noite, e ainda achava restos de mandioca, batatas, raízes de aipim abandonadas à flor da terra.

Já começava a desesperar, mas sempre ambicioso, não se resolvia a recorrer aos lavradores.

Se chamasse alguns homens, tudo voltaria ao antigo viço, mas teria de lhes pagar. Não quis, insistiu no labor inútil que só o alquebrava, e, quando caía prostrado, arquejando, logo ouvia os bem-te-vis, que, das árvores, pareciam vaiá-lo e rir da sua pretensão ridícula.

Levantava-se, enfurecido, indignado, blasfemando, atribuindo a sua desgraça aos invejosos que haviam lançado maus olhos ao sítio.

Um dia, sentiu na água um sabor estranho e logo suspeitou que o andavam envenenando.

Subiu ao bosque para examinar a fonte. Dificilmente deu com ela, tão cheia estava de folhas e ramos podres, até cadáveres de animais boiavam em suas águas antes tão límpidas, porque o velho, de quando em quando, mandava um dos camaradas limpar a fonte para evitar que se formassem balseiros.

Então, lá em cima, lançando os olhos à planície, viu toda a grandeza de sua desgraça: — a roça era um mato intenso, e já em torno da casa os espinheiros cresciam e os juás davam os seus venenosos frutos de ouro.

As lágrimas saltaram-lhe dos olhos e, compreendendo a sua impotência, deixou-se cair em terra humilhado, certo de que sozinho jamais conseguiria vencer aquele mal que era uma vingança da terra.

Lembrou-se, então, dos homens, os leais trabalhadores que haviam ajudado o velho a ganhar o dinheiro que lá estava, em boas moedas, no fundo da arca.

Ah! Se todos ali estivessem... as árvores estariam cobertas de flores, as canas estariam crescidas em touceiras, os milhos ostentariam as gordas espigas, e o gado reluziria nédio.

O gado... onde andariam os seus bois, as suas ovelhas, as suas cabras, os seus cevados e bacorinhos e as aves? Fosse ele procurá-los!

Com um arrancado suspiro desceu vagarosamente à planície.

À noite, preocupado e sem sono, pôs-se a andar pela casa deserta.

Saindo no alpendre, pareceu-lhe ver o velho pai sentado no banco, em que costumava ficar à noite, fumando o seu cachimbo, a olhar distraidamente as estrelas luminosas.

Atentou a visão, e reconheceu o defunto. Felício pôs-se a tremer, agarrado a um dos esteios, e ouviu o pai que, em voz triste, lhe disse:

" - É a ambição que te vai levando à miséria, meu filho! Quiseste, por avareza, fazer o impossível e com ânsia de tudo aproveitar, tudo perdeste. Se não houvesses despedido os auxiliares que aqui deixei, não estarias agora a lamentar o prejuízo: onde há mato haveria flor, a água correria livremente e pura, as roças estariam viçosas, e sentirias a companhia do teu semelhante, e ouvirias, no teu repouso, as vozes dos animais. Fazendo felizes serias venturoso. O muito querer é sempre prejudicial. Quem dá trabalho enriquece sorrindo, quem, do seu pão, dá uma migalha ao pobre, farta-se e faz ventura. Que conseguiste com a ambição?

" Antes de lavrar, terão os homens que desbastar, e assim vais a pagar o teu pecado com as moedas do cofre e ainda com a humilhação. Ficaste isolado, e a urze da terra saiu a acompanhar-te. Se não quiseres que o mal entre no teu coração, enche-o de bondade: a alma virtuosa não aceita o pecado, é como a leira bem plantada e cuidada, onde não cresce o espinhal. Nos espíritos vazios, como nas terras sem cultura, nascem os maus pensamentos como rebentam os cardos. Quiseste, só com teus braços, fazer a tarefa de seis homens, e nem a tua levaste a termo, porque, mal acabavas a carpa, logo as ervas renasciam. Chama os que despediste, dá-lhes trabalho, e não penses que eles te furtam o pão, acrescentam-no e abençoam-no. O egoísta é como o areal solitário, que, por não dar vida à planta, sofre todos os rigores do sol sem o fresco dos arroios e o gozo da mais pequenina sombra. O mundo é de todos, e só é verdadeiramente feliz quando se é bom. Chama os que partiram, recebe-os na tua casa, paga-lhes o trabalho que fizerem, e eles o renovarão o que a avareza destruiu e tornarás a ver os frutos, a ouvir os gados, e outras moedas se irão juntar às que deixei na arca!"

Felício ficou um momento amparado ao esteio, mas o silêncio não foi mais interrompido: o velho desaparecera.

O velho!... Teria sido ele, ou a própria consciência do avarento que assim se manifestara?... Mistério!...

*** 

Na manhã seguinte, começavam a cantar os passarinhos quando Felício desceu à vila para contratar lavradores.

Hoje, o sítio é o mais belo do lugar. A casa é nova e, em torno dela, outras avultam e, entre as árvores frondosas, é da manhã à tarde, um alegre cantar de lavradores.

E os milhos crescem, cresce o canavial, o pomar é todo fruto, e Felício prospera, contente, vendo à volta da sua felicidade tanta gente feliz bendizê-lo.

Fonte: Olavo Bilac & Coelho Neto. Contos Pátrios. RJ: Francisco Alves, 1931. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Cantiga por Luciana)


Composição: Edmundo Souto / Paulinho Tapajós

Manhã no peito de um cantor
cansado de esperar só.
Foi tanto tempo que nem sei
das tardes tão vazias
por onde andei.

Luciana, Luciana,
sorriso de menina
dos olhos de mar...
Luciana, Luciana
abrace essa cantiga
por onde passar.

Nasceu na paz de um beija-flor,
em verso, em voz de amor,
já desponta, aos olhos da manhã,
pedaços de uma vida
que abriu-se em flor.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

A Melodia da Esperança em 'Cantiga Por Luciana'
A música 'Cantiga Por Luciana', interpretada pela cantora Evinha, é uma delicada expressão de afeto e esperança. A letra da canção descreve a sensação de um cantor que se encontra em um estado de solidão e reflexão, marcado pelo tempo que parece ter se estendido indefinidamente, deixando 'tardes tão vazias'. A menção à manhã no peito do cantor sugere um novo despertar, uma renovação de sentimentos e expectativas que se contrapõe ao cansaço e à solidão.

Luciana é apresentada como uma figura luminosa, cujo sorriso e olhar trazem a promessa de alegria e renovação. Ela é a inspiração para a 'cantiga', uma música que carrega consigo a leveza e a beleza, comparáveis à paz de um beija-flor. A canção se torna um veículo para expressar o amor e a admiração que o cantor sente, e Luciana é a musa que dá vida e cor aos dias do artista. A imagem de uma vida que 'abriu-se em flor' evoca a ideia de um novo começo, de possibilidades que se desdobram e se renovam com a presença de Luciana.

Através de metáforas poéticas, 'Cantiga Por Luciana' fala sobre a transformação que o amor e a inspiração podem trazer à vida de uma pessoa. A música é um tributo à figura que traz luz e cor aos dias do cantor, e é também um convite para que Luciana leve essa mensagem de amor e esperança por onde passar, espalhando a beleza que ela representa.

A dupla Edmundo Souto e Paulinho Tapajós ganhou o primeiro lugar no IV Festival Internacional da Canção com a doce “Cantiga por Luciana”, superando a colocação de “Andança”, que fizeram (com Danilo Caymmi) para o FIC de 1968.

Embora sem a força do sucesso anterior (lembra um pouco o adágio da toada “Cinderela”, de Adelino Moreira), a composição encanta pela singeleza do tema, que lhe dá um clima de canção infantil: “Luciana, Luciana / sorriso de menina dos olhos de mar / Luciana, Luciana / abrace esta cantiga por onde passar.”

Esse clima é realçado pela interpretação da cantora Eva (Eva Correia José Maria), que a gravou e defendeu no festival. Integrante do Trio Esperança, Evinha iniciou uma bem-sucedida carreira solo a partir dessa gravação.
Fontes:

sábado, 20 de julho de 2024

Daniel Maurício (Poética) 71

 

Geraldo Pereira (Contrastes do Cotidiano)

Acomodado na sala de espera de um laboratório qualquer, esperando a vez, como tantos outros, nunca pensei testemunhar diálogos que me permitissem ensaiar reflexões quase sociológicas, a propósito do difícil exercício da vida, quando a idade vai marcando o tempo com a prata dos anos. 

A senhora, na casa dos oitenta, era cliente aprazada, imagino, fazendo-se acompanhar da filha e de mais um filho, além de uma neta muito jovem, ainda. Conversavam a respeito dos incômodos provocados por ela, pela mulher de idade avançada, de corpo vergando à força das décadas e de bengala à mão. Desfiavam um rosário de queixas, desde o sono precoce no cair da tarde à insônia das madrugadas, sem falar nas impossibilidades fisiológicas de retenção das excreções orgânicas. Falavam como se estivessem imunes à senectude.

A moça era a mais loquaz. Morava com a avó e por isso vinha presenciando cenas com as quais não concordava; não concordava em vê-la sedentária, na sala do apartamento, entregue à artrose, enquanto o avô, todos os dias, descia e fiava boa conversa com o porteiro do prédio. Que fosse, também, àquele passeio matinal, entre o andar de cima e o térreo e ouvisse do empregado as suas histórias, mazelas de uma outra vida. E não podia se conformar, também, com o cochilo vespertino, transformado em sono profundo até, com roncos e outros ruídos, à boquinha da noite. Por isso, às quatro já estava de pé, andando pra lá e pra cá, insone. É que ao despertar daqueles inícios oníricos na varanda de casa, não cuidava em sair correndo para a cama, como desejava a nunca cuidadosa neta, mas tomava banho e lanchava. Assim, perdia o sono e os sonhos!

A filha, mais cautelosa, pouco dizia, mesmo que não reagisse. O filho, entretanto, malhava a mãe com todas as culpas. Não se cuidava! Deveria tomar três remédios distintos para a hipertensão de que era portadora, mas esquecia. Tomava dois ou tomava um. Nada tomava, por vezes. Um absurdo, insistia! Pior quando a neta abriu a boca para falar da incontinência urinária da pobre mulher, a manchar o sofá da sala e a deixar um rastro, como se bicho fosse, antes de chegar ao banheiro. Tinha que sair atrás, com o pano de chão, a enxugar tudo e era preciso providenciar para se levar ao sol a peça em que costumava sentar-se, impregnada, como estava, pelo líquido das excreções humanas. Procedia assim porque queria, afirmava com todas as letras e com todas as sílabas, pois nada a impedia de se levantar antes das urgências orgânicas. Fosse mais cuidadosa, portanto!

A avó, que cumpriu, como se imagina, uma trajetória longa, palmilhada de sacrifícios e preenchida por doações que só as mães podem oferecer, nada respondia e nada comentava, ouvia tudo com uma fisionomia de profunda tristeza. Em que estaria pensando? Que reflexão fazia ali, naquele momento de tantas reclamações e de tantas queixas? Quase me aproximo e intercedo em favor da mulher idosa. Ou quase chego perto e verbalizo o futuro que está reservado à toda a gente, de uma forma ou de outra. Por que se ocupavam de comentários assim, tão vazios de conteúdo existencial? Que benefícios poderia ter, fiando conversa com o porteiro? O homem do prédio teria o que lhe acrescentar à vida vivida? E o sono? Não sabem que é da idade, mesmo, essa sonolência precoce e a insônia do despertar antecipado? E não conhecem a fragilidade dos esfíncteres humanos na velhice? 

Lembrei-me de uma outra cena que vi, há poucos dias, num hospital público do Recife, tão diferente daquela interlocução de ocasião. No leito da emergência uma senhora de cabelos brancos também, ao lado do marido, de idade próxima, como parecia, agradando-lhe os braços e confortando-lhe o espírito. Gente simples, penso eu, sem muito estudo e sem muita cultura, mas dotada de afetividade, de amor ao próximo, sobretudo assim, no sofrimento e na dor. Viveram juntos – Quem sabe? – anos a fio na contabilidade do tempo e talvez se despedissem, mas a palavra que os uniu e os afagos que os aproximaram confortavam a derradeira hora. Sei de quem adoeceu gravemente em noite alta e antes de ser levada à emergência virou-se para o marido e beijou-lhe a fronte. Foi o derradeiro ósculo! Despediu-se, afinal!

Fonte: Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público

Recordando Velhas Canções (Lampião de Gás)


Compositor: Zeca Bergami

Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz

Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz

Da sua luzinha verde azulada
Que iluminava a minha janela
Do almofadinha lá na calçada
Palheta branca, calça apertada

Do bilboquê, do diabolô
Me dá foguinho, vai no vizinho
De pular corda, brincar de roda
De benjamim, jagunço e chiquinho

Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz

Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz

Do bonde aberto, do carvoeiro
Do vossoureiro, com seu pregão
Da vovózinha, muito branquinha
Fazendo roscas, sequilhos e pão

Da garoinha fria, fininha
Escorregando pela vidraça
Do sabugueiro grande e cheiroso
Lá no quintal da rua da graça

Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz

Lampião de gás
Lampião de gás
Quanta saudade
Você me traz

Minha São Paulo calma e serena
Que era pequena, mas grande demais
Agora cresceu, mas tudo morreu
Lampião de gás que saudade me traz
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * -

Nostalgia e Memórias em 'Lampião de Gás'
A música 'Lampião de Gás', é uma ode nostálgica à São Paulo de outrora, uma cidade que, embora tenha crescido e se modernizado, deixou para trás uma série de memórias e tradições que a cantora relembra com carinho. A repetição do refrão 'Lampião de gás, quanta saudade você me traz' reforça o sentimento de saudade e a importância das lembranças que o lampião de gás evoca.

A letra da música é rica em detalhes que pintam um quadro vívido da vida cotidiana em uma São Paulo mais simples e tranquila. Referências a brincadeiras infantis como bilboquê e diabolô, e a figuras típicas como o carvoeiro e o vossoureiro, trazem à tona uma época em que a vida era mais comunitária e menos apressada. A menção à 'vovózinha, muito branquinha, fazendo roscas, sequilhos e pão' adiciona um toque pessoal e familiar, evocando a sensação de aconchego e segurança do lar.

Além disso, a música também aborda a transformação da cidade, que 'cresceu, mas tudo morreu'. Esse verso final encapsula a dualidade do progresso: enquanto a modernização traz avanços, ela também pode apagar traços importantes da cultura e da memória coletiva. A 'São Paulo calma e serena' contrasta fortemente com a metrópole agitada de hoje, e o lampião de gás se torna um símbolo de um tempo perdido, mas não esquecido.

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