segunda-feira, 22 de julho de 2024

Recordando Velhas Canções (O ébrio)


Compositor: Vicente Celestino

Tornei-me um ébrio, 
na bebida busco esquecer
Aquela ingrata que eu amava, 
e que me abandonou
Apedrejado pelas ruas, 
vivo a sofrer
-Não tenho lar, e nem parentes, 
tudo terminou
Só nas tabernas é que encontro o meu abrigo
Cada colega de infortúnio, um grande amigo
Que embora tenham como eu seus sofrimentos
Me aconselham, e aliviam os meus tormentos

Já fui feliz e recebido com nobreza até
Nadava em ouro, e tinha alcova de cetim
E a cada passo um grande amigo em que depunha fé
E nos parentes . . . confiava sim . . .
E hoje ao ver-me na miséria, tudo vejo então
O falso lar que amava, e a chorar deixei
Cada parente, cada amigo, um ladrão
Me abandonaram, e roubaram o que amei.

Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar
Quando eu morrer a minha campa nenhuma inscrição
Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar
Este ébrio triste, e este triste coração

Quero somente na campa em que eu repousar
Os ébrios loucos como eu venham depositar
Os seus segredos, ao meu derradeiro abrigo
E suas lágrimas de dor ao peito amigo
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
A Tragédia Lírica de 'O Ébrio'
A canção 'O Ébrio', interpretada pelo icônico Vicente Celestino, é uma narrativa dramática que explora a ascensão e queda de um artista. A letra da música descreve a trajetória de um cantor que, desde cedo, foi aclamado e viu seu nome crescer até alcançar o auge da glória. No entanto, a música também relata as desilusões amorosas que o protagonista enfrentou, com amores que prometiam eternidade, mas que o abandonavam, deixando-o com a dor e a saudade.

A história toma um rumo ainda mais trágico quando a esposa do cantor, que lhe havia dado uma filha, o deixa. A perda da filha, que é levada por Deus, é o ponto de inflexão que o leva à decadência. O cantor passa de apresentações em teatros renomados para ser vaiado em um circo, simbolizando sua queda social e profissional. A bebida surge como um refúgio para esquecer as mágoas, e é nesse contexto que ele é rotulado como 'ébrio'.

A música termina com uma reflexão amarga sobre a falsidade das relações humanas. O cantor, agora um pária, reconhece que aqueles que se diziam amigos e familiares o abandonaram em sua miséria. Ele pede que, após sua morte, não haja inscrições em sua campa, apenas que outros ébrios como ele compartilhem seus segredos e lágrimas. A canção é um retrato da solidão e do esquecimento que muitas vezes acompanham aqueles que caem em desgraça, e serve como uma crítica à superficialidade dos laços sociais.

O sucesso permanente da canção "O Ébrio" inspiraria, dez anos depois de seu lançamento, a realização do filme homônimo, recordista de bilheteria em todo o país. Impressionado com o personagem, o público chegaria mesmo a identificá-lo com seu criador, o abstêmio Vicente Celestino.

Com efeito, o tema e principalmente a forma declamada da interpretação foram fatores decisivos para que se chegasse a tal exagero. A letra dramática, repleta de desventuras e imagens beirando a pieguice, é uma perfeita sinopse para o enredo de um filme, desde o prólogo falado à parte musical propriamente dita. Nesta, o contraste da primeira parte, no modo menor, com a segunda, no modo maior, contribui para ressaltar a tragédia do protagonista. "O Ébrio", que também inspirou uma peça de teatro (em 1936) e uma novela de televisão (na TV Paulista, em 1965), foi lançado no terceiro disco de Vicente Celestino na Victor, gravadora onde ele permaneceu por 33 anos, até sua morte em 1968.

Fontes:

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