Isolada de outras habitações havia uma casa onde ninguém morava, porque se dizia que era mal-assombrada. À meia-noite ouviam-se ruídos de correntes, gritos, gemidos e suspiros, e uma luzinha brilhava, ora numa janela, ora em outra. O proprietário não achava locatário, e mesmo não queria saber dela, que ia se arruinando pouco a pouco.
Um dia procuraram-no duas mulheres – mãe e filha – muito pobres, que acabavam de ser expulsas da casinha em que moravam. Pediam-lhe licença para ocupar a casa mal-assombrada.
O homem admirou-se daquele pedido, e depois de avisá-las dos perigos que corriam, consentiu sem dificuldade.
As duas mulheres no mesmo dia mudaram-se.
Eram onze horas da noite quando foram se deitar, nada tendo visto nem ouvido de extraordinário. A mãe, como já era velha, e se sentia cansada das arrumações, dormiu logo. A filha, porém, ficou acordada, rolando na cama, sem conseguir adormecer.
Uma hora depois, ouviu o sino da matriz bater meia-noite. No mesmo instante a moça escutou um ruído estranho, enquanto uma voz gemia:
— Eu caio!... Eu caio!...
Ela olhou para cima, de onde parecia vir a voz. Nada viu, mas disse:
— Pois caia, com Deus e a Virgem Maria!
Do teto do quarto caíram duas pernas.
A mesma voz assim falou mais três vezes, e a rapariga dando sempre a mesma resposta, viu cair sucessivamente o tronco, os braços e a cabeça de um homem.
Os quatro pedaços reuniram-se, e apareceu uma criatura humana, tão pálida como um cadáver, que lhe falou:
— Se não tens medo, vem comigo.
Adelaide acompanhou-o atravessando toda a casa, até chegarem ao quintal.
Então debaixo de um tamarindeiro, o morto mandou-a cavar a terra, encontrando uma lata com dinheiro, que transportaram para dentro.
Chegando ao quarto, disse-lhe o defunto:
— Eu sou uma alma penada, que ando sofrendo por causa deste dinheiro. Quando era vivo, roubei-o de uma pobre viúva, desgraçando-a, bem como aos órfãos, seus filhos. Deste dinheiro, a metade é para você e sua mãe, e a outra metade é para distribuir para os pobres, e mandar dizer cem missas por minha alma.
Acabando de falar, a alma penada desapareceu.
Adelaide fez tudo o que ele havia mandado, e ficou rica para o resto de sua vida.
Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público.
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