Ruth, Celso, Roberta e Aleixo, em uma mesa no canto do recinto, surpresos, sem terem a mínima noção de como vieram parar ali.
No sentido de que nossos milhares de leitores não se percam no enredo, vamos explanar quem são as quatro atônitas personagens.
Ruth, cuja família aristocrática iniciou seu declínio financeiro e social na queda do Império, era concursada na Secretaria de Segurança, no cargo de policial datiloscopista.
Celso, médico urologista, considerado excêntrico pelos seus colegas no hospital, era um tanto sonhador, e nas horas vagas, um inventor.
Roberta, uma bela mulher, formada em Psicologia, mas que optara pela maternidade, passando os dias a bronzear-se nas piscinas do luxuoso condomínio em que vivia.
Aleixo, por sua vez, era desembargador de algum alto tribunal de justiça.
Surpresos, sem atinarem por qual razão estavam ali sentados, sem sequer se conhecerem, permaneciam calados, entreolhando-se.
Aleixo, acostumado a falar em tribunais, tentou iniciar uma aproximação, logo rechaçada por Roberta, irritada por estar perdendo tempo de bronzeamento em sua piscina.
Mais alguns minutos de silêncio, quando Ruth, já pensando na cena de ciúme de seu marido, ao descobrir que ela não estava na repartição, assumiu o controle da situação, colocando sua arma sobre a mesa e ordenando que todos se apresentassem imediatamente.
Celso, pouco acostumado a ver armas, lívido, balbuciou seu nome e profissão.
Aleixo citou artigos dos códigos penais relativos à exibição de armas em público, sendo ignorado por Ruth, que ainda mandou-o sentar e apresentar-se logo.
Em seguida, Roberta mostrou, trêmula, seus documentos apontando sua condição de psicóloga e socialite, ouvindo deboches dos presentes.
Celso, em determinado momento, timidamente, arriscou-se a aventar a hipótese de estarem mortos.
Ruth, “delicadamente”, deu-lhe um tremendo beliscão. O grito de dor serviu de resposta à tola manifestação do rapaz.
Roberta foi até a janela do recinto, e ao olhar para fora, deparou-se com um tenebroso vazio.
Celso, cada vez mais lívido, tirou do bolso uma caixa de remédios tarja preta, que costumava tomar nas horas de pânico e ofereceu a cada um, o que prontamente foi aceito por todos.
Aleixo foi até o telefone no balcão e ligou para sua assessora. As palavras estranhamente perdiam-se no ar, nunca chegando à interlocutora.
Celso, por ser um inventor e cultuar hábitos exóticos, lembrou que ensinara sua secretária do consultório a ler sinais de fumaça, como os indígenas americanos. Propôs ao grupo fazer uma fogueira nos fundos do restaurante para enviar os sinais. Porém, ao tocar na maçaneta, ela transformou-se em gelatina. Voltou à mesa desalentado.
Ruth, por sua vez, lembrou das aulas que recebera na infância de seu tio-avô Zetho, Vice-Almirante da Armada Brasileira, e radioamador, que, pacientemente, lhe ensinara o Código Morse. Foi até a parede e tentou enviar uma mensagem, mas a parede amolecia ao toque de seus dedos, sem produzir nenhum som. Irritada, voltou à mesa e disparou um tiro para o alto, a fim de recuperar o controle da situação.
Do buraco causado pelo projétil no teto, começaram a cair, incessantemente, pétalas de rosas, que cobriram o grupo, e que por isso tiveram que mudar de mesa, para não serem soterrados.
Roberta, timidamente, sugeriu que tentassem sair pela porta principal.
Diante da obviedade da ideia, todos, ordeiramente, foram até ela, abriram e encontraram um salão idêntico ao que estavam.
Foram até a porta desse recinto e abriram. Novamente depararam-se com outro salão, idêntico ao que estavam.
E a seguir, outro, outro e outro…
Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: insondáveis. 1. ed. Santos/SP: Bueno Editora, 2024. Enviado pelo autor
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