Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que, ao findar, vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
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A Busca Espiritual em 'Se Eu Quiser Falar Com Deus' de Gilberto Gil
A canção 'Se Eu Quiser Falar Com Deus', composta e interpretada por Gilberto Gil, é uma profunda reflexão sobre a busca espiritual e a comunicação com o divino. Através de uma letra poética e introspectiva, Gil explora o tema da conexão com Deus, sugerindo que para alcançá-la, é necessário um processo de despojamento e humildade.
No primeiro verso, o ato de ficar a sós, apagar a luz e calar a voz simboliza o isolamento e a introspecção necessários para a meditação ou oração. A paz e o desatar dos nós representam a libertação das amarras materiais e preocupações mundanas que impedem a comunicação espiritual. A menção de ter mãos vazias e alma e corpo nus reforça a ideia de que a verdadeira conexão com o sagrado exige simplicidade e entrega total.
A segunda parte da música aborda a aceitação da dor e das adversidades da vida, como parte do caminho para o entendimento espiritual. Comer o pão que o diabo amassou e virar um cão lamber o chão dos palácios e castelos sugere humildade e a aceitação de situações difíceis. A jornada espiritual é descrita como uma aventura sem garantias, onde é preciso subir aos céus sem cordas para segurar, simbolizando a fé e a coragem necessárias para enfrentar o desconhecido. Ao final, a estrada que 'vai dar em nada' pode ser interpretada como a compreensão de que as respostas buscadas podem não ser encontradas nos termos esperados, mas que o próprio caminho é uma forma de encontro com o divino.
Roberto Carlos pediu a Gilberto Gil uma canção, sem especificar o tema. Sabendo-o religioso, Gil fez então “Se Eu Quiser Falar com Deus”, uma longa e filosófica enumeração de atitudes e pensamentos (“Tenho que ficar a sós / (...) / tenho que apagar a luz / (...) / tenho que calar a voz / (...) / tenho que encontrar a paz...”) distribuídos por 36 versos, sobre uma melodia repetida três vezes e de grande simplicidade na parte inicial, com seus dez primeiros compassos baseando-se numa mesma célula melódica.
O seguimento, que tem um caráter de soul music, ostenta um elaborado desenvolvimento melódico, em movimento crescente, só de colcheias, que vão atingir o ápice na tônica final, depois de uma intrincada sequência harmônica. Na terceira e última volta a palavra “nada” é repetida treze vezes, sem que se produza uma sensação de monotonia, em razão dos predicados assinalados.
Entretanto, talvez pelo seu sentido mais filosófico do que religioso, “Se Eu Quiser Falar com Deus”, não foi aproveitada por Roberto Carlos. “O que chegou a mim”, afirma Gil no livro Todas as letras, “foi que ele (Roberto) disse que aquela não era a ideia de Deus que ele tem”. Então, a canção foi gravada pelo autor no citado álbum, Luar, com grande orquestra de sopros e cordas, além de um coro feminino, salientando-se como a principal faixa do disco (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).
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