Quem é que cavalga a esta hora na escuridão da noite, sob a chuva que cai e o vento que uiva? As árvores agitam a folhagem desordenada, arrepiadas do terror da noite.
O velho passa apressadamente, apertando nos braços o filhinho amado, fazendo-lhe com o rosto e com as mãos um carinhoso abrigo.
— Oculta-me o rosto, pai.
— Para que queres que te oculte o rosto, filho?
— Não vês o rei envolvido em seu manto de púrpura, brandindo o cetro como um louco?
— Não tenhas medo, filho, é uma nuvem e mais nada. É uma nuvem que estremeceu diante da fúria do vento e se desfez em água.
"Linda criança, vem comigo! vamos gozar as riquezas do meu reino, embriagar a vista no esplendor do meu ouro, correr os meus campos onde há flores perfumadas e árvores vergando ao peso dos frutos".
— Pai, pai! Não ouves o que o rei me promete em voz baixa?
— Não é nada, meu filho, é o vento brando que murmura nas ramas e que resvala nas folhas, e mais nada. Filho, não tenhas medo.
"Criança linda, queres vir comigo? As minhas filhas são claras como a neve e têm cabelos louros como o sol, elas te conduzirão à dança noturna em companhia das fadas do bosque, elas te ensinarão brinquedos nunca vistos e te farão passear numa barquinha azul sobre as águas do lago. E tu hás de adormecer ao seu canto e sonhar sob seus afagos".
— Pai, pai! Não vês as filhas do rei dançando lá em baixo na planície, vestidas de branco, com os rostos escondidos nos cabelos?
— Meu filho, meu filho, eu vejo bem: são os salgueiros distantes, embranquecidos de neve, que o vento agita e balança, e mais nada.
"Amo-te, bela criança. Gosto do teu rosto pálido, dos teus olhos azuis como o céu e dos teus cabelos negros como a noite. Vem! Quero levar-te comigo para deslumbrar-te nas riquezas do meu reino. Se tentares resistir, arranco-te dos braços do teu pai".
— Pai, pai! O rei me leva, o rei me arranca, o rei me mata. Livra-me, pai! Ele é tão mau, ele é tão grande, ele é tão feio!
O pobre pai treme; fustiga o cavalo; atravessa a escuridão da noite sob a chuva que cai e o vento que uiva, aperta tanto o filho contra o peito que o sufoca.. Muito tempo depois, quando entrou em casa, tinha nos braços a criança morta.
Fonte> Francisca Júlia. Livro da infância. 1899. Disponível em Domínio Público
Nenhum comentário:
Postar um comentário