sábado, 27 de julho de 2024

Recordando Velhas Canções (Retrato em branco e preto)


Compositores: Chico Buarque e Tom Jobim

Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali sozinho
Eu vou ficar tanto pior
E o que é que eu posso contra o encanto
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto e que, no entanto
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes, velhos fatos
Que num álbum de retratos
Eu teimo em colecionar

Lá vou eu de novo como um tolo
Procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado e você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 

A Melancolia do Amor em 'Retrato Em Branco e Preto'
A música 'Retrato Em Branco e Preto', composta por Tom Jobim, é uma expressão lírica da melancolia e da resignação diante de um amor que persiste apesar da dor e da consciência de sua natureza infrutífera. A letra revela um eu-lírico que conhece bem o caminho do amor, suas dificuldades e armadilhas, mas que, mesmo assim, se vê incapaz de resistir ao encanto que esse amor exerce sobre ele.

A repetição dos 'passos dessa estrada' e o conhecimento dos 'segredos' e das 'pedras do caminho' sugerem uma relação amorosa que se repete em ciclos, onde o sofrimento é uma constante. A imagem do álbum de retratos serve como metáfora para as memórias que o eu-lírico insiste em guardar, mesmo sabendo que elas apenas reforçam a dor de um amor que parece condenado. A referência ao 'retrato em branco e preto' evoca uma sensação de algo antigo, imutável e desprovido de vida ou cor, simbolizando a estagnação emocional do protagonista.

A música também aborda a dificuldade de se libertar de um amor que já causou sofrimento, mas que ainda assim é objeto de desejo e inspiração para a poesia. O 'soneto' e o 'retrato em branco e preto' que o eu-lírico decide colecionar são representações desse amor que, apesar de tudo, continua a 'maltratar' seu coração. A canção é um retrato da complexidade dos sentimentos humanos, onde amor e dor coexistem e se entrelaçam de maneira inextricável.

Segundo sua irmã Helena, Tom Jobim compôs o tema “Zíngaro”, inspirado em um violinista cigano, que “na verdade era ele próprio, radicado naquele estranho mundo (os Estados Unidos) e sentindo saudade de seu país”.

Em 1965, a composição foi incluída no elepê A certain Mr. Jobim, gravado numa igreja transformada em estúdio, em Manhattan com a participação de um de seus arranjadores favoritos, o alemão Claus Ogerman.

O título “Retrato em Branco e Preto” surgiu depois, com a letra dramática de Chico Buarque, que trata de um amor desesperado (“Lá vou eu de novo como um tolo / procurar o desconsolo / que cansei de conhecer / novos dias tristes / noites claras / versos, cartas, minha cara / ainda volto a lhe escrever”).

Mais uma vez, Tom Jobim oferece uma lição de economia e inteligência. Os três primeiros compassos, criados sobre uma melodia de quatro notas vizinhas ré, dó sustenido, mi e dó natural — são idênticos, mas, com harmonizações diferentes. O intervalo inicial da canção, uma segunda menor, vai sendo ampliado e explorado de várias maneiras à medida que a melodia avança, aumentando a tensão, a dramaticidade, o que é muito bem aproveitado no poema do Chico.

Ritmicamente dos dezesseis compassos de “Retrato em Branco e Preto”, treze são absolutamente iguais, formados por oito colcheias. Tais observações podem primeira vista, levar à conclusão de que a canção é repetitiva e até pobre quando na realidade é exatamente o oposto, um tratado sobre o que possível fazer com um intervalo de duas notas. Tom Jobim sabia como ninguém partir de uma célula simples e enriquece-la ao máximo.

Em 1968, “Retrato em Branco e Preto” seria gravado pelo próprio Tom com o Quarteto 004. Esta foi a primeira de uma série de interpretações emocionantes como as de Chico Buarque, Elis e Tom, João Gilberto (em três registros diferentes) e a do trompetista Chet Baker, que em gravação filmada para o documentário “Let’s Get Lost”, feita pouco antes de sua morte, realizou num improviso comovente um autêntico hino de amor a Jobim (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).

Nenhum comentário: