sábado, 27 de julho de 2024

Laé de Souza (Férias)

Finalmente chegaram e, como sempre, ficaram umas coisas para a última hora. Do carro  calibrou pneus, abasteceu, deu aquela caprichada no som, arrumou umas fitas novas do Zezé di Camargo & Luciano e, para não ser chamado mais uma vez de machista, uma antiga do Roberto para sua mulher. Só não deu para trocar as pastilhas, mas também em estrada quase não se usa freio, matutava. Das coisas de uso coletivo e individuais, a mulher se encarregara e com certeza, como de hábito, ficariam algumas no esquecimento.

Já tinha falado; "Vamos sair na madrugada e não quero atraso." Dito e feito. Lá pelas dez horas, já estavam descarregando as coisas na casa alugada na Praia Grande. A caixa de isopor com cerveja, o litro de 51 e o limão ficaram no carro, já de frente para a rua. Antes das onze, o Arisco (nome dado carinhosamente ao Gol) estava estacionado na areia, com porta-malas aberto para expandir mais o som. No abrir das portas, o guri de cinco anos correu para o mar sem dar a mínima para os gritos de pavor e raiva da mãe. Garibaldini, normalmente nervoso, e ainda mais com umas na cabeça, arrastou o moleque da água até a mãe pela orelha, fora os cocorotes na cabeça jogando-o aos pés dela e dizendo a ela que aprendesse a agir e ensinar com mais rigor em lugar de ficar aos gritos sem resultado prático. 

Um gorducho, sentado na areia, que estava se sentindo incomodado com aquele barulhão da música e agora com o choro do garoto, olhou feio. Um outro com dedo em riste, falou-lhe sobre o direito e estatuto da criança, ameaçando encanar o Garibaldini por infringir o artigo 5° da Lei 8.069/90. Coisa que logo passou, pois o fulano percebeu em pouco tempo que o moleque não era brincadeira e aprontava uma atrás da outra. Como ele mesmo disse tomando um gole da caipirinha: "É, seu Garibaldini, esse pra educar, vai ter que ser nos trancos mesmo." Sob reprovação no olhar da Dona Tidinha que se ensaboava com o bronzeador. 

Com o sol já se pondo, Garibaldini reclamava que a mulher quase não tinha ido na água e estava toda vermelha. Com certeza não ia aguentar até o fim das férias. E se era só para tomar sol, que ficassem na represa. 

Tidinha que sempre ficava na dela, mas tinha tomado uns goles de batida de abacaxi, respondeu que nem se compara o sol de água salgada com o de doce. E tinha outra: que ele maneirasse nas olhadelas para uma fulana deitada numa esteira em frente, senão ela ia aprontar uma boa, ainda mais altinha como estava.

Ao cabo de dez dias de praia, chegaram de viagem tarde da noite. No dia seguinte, no banco, Garibaldini, não bastasse o ardor das queimaduras, abria a boca de sono e preguiça e pensava; que férias são estas, que cansam mais e ainda deixam preocupações em cobrir cartão de crédito e estouro de conta. E reclamava para o colega ao lado: "Vida de bancário não está fácil não."

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

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