CORRIA NO FIRMAMENTO um começo de tarde calmo de domingo. Olhei o relógio. Meio dia e quarenta. Eu me achava sentado num dos bancos da praça em frente ao prédio da prefeitura. Uma amenidade tranquila dessas que parecem carregar o peso da saudade e, em igual ensejo, o fardo da solidão, tudo assim, ao mesmo tempo, numa espécie de voragem sem precedentes. Mesmo instante, eu me indaguei: viria algo de bom para se comprazer com a felicidade?
Apesar das horas, quase uma da tarde de um domingo abonançado, o silêncio em volta de tudo se fazia ensurdecedor: nenhuma pessoa passando ao largo, nenhum bando de moleques correndo atrás de uma bola, nenhum acontecimento marcante. Apenas o eco retumbante das lembranças. Foi nesse momento que me perguntei, assim do nada. Como foi que eu fiquei depois que você me deixou? Essa pergunta passou a ecoar em minha mente como um látego martirizante.
Me lembrei da última vez em que nos vimos. Seus olhos brilhavam como um céu muito azul. Seu sorriso me dava a impressão de ser como um raio de sol que, de pronto, surgiu para aquecer meu coração despedaçado. E você, altiva, dona de si, caminhava com a leveza de uma pluma. Seguia a passos comedidos, como se dançasse ao som mavioso de uma música que ouvíamos no tempo em que éramos felizes. Do nada, me veio à cabeça uma ideia meio abestalhada, ou inteiramente despropositada e marota.
Me perguntei, de chofre, como seria ser você? E o pior de tudo... veja que loucura! Me imaginei literalmente em seu lugar, tomando seu banho, depois me maquiando de frente para o espelho do quarto. Em seguida vestindo as suas roupas, calçando seus sapatos, olhando o mundo ao redor através dos seus sentidos. Seria tão otimista quanto você é? Teria as mesmas esperanças, os mesmos desejos, os medos e receios iguais?
Afinal, que sensação acordar todas as manhãs com a sua mente, com seus pensamentos tresloucados borbulhando? Talvez, meu Deus, talvez eu me surpreendesse ou não, com a simplicidade das coisas que você sempre valorizou. E o que você agregava em reconhecer importante? O sorriso de um estranho, um bom dia de uma amiga, o cheiro da terra molhada pela chuva, o gosto de um café quente feito na hora... nós dois na mesa, as mãos dadas, saboreando o almoço caseiro, da mesa posta.
Oxalá eu me apaixonasse pelas mesmas músicas que você, ou chorasse de tristeza quando algumas cenas românticas em nossos momentos assistindo televisão e comendo pipoca com refrigerante me lembrassem de coisas bobas e corriqueiras que em outros tempos me fizeram feliz? Também ao contrário, certamente haveriam os momentos difíceis e insuportáveis, notadamente nas noites em que você se pegava sozinha, abandonada, mesmo rodeada por pessoas amigas... nossa empregada, seus pais... será que aquele pranto invadiria meu rosto como uma chuva de lágrimas amargas?
O dia em que as incertezas viessem me assombrar... eu tentaria como você, pôr fim à existência? Meu Pai Eterno, será que eu me perguntaria se estava no caminho certo ou deveria procurar um atalho para alcançar outros destinos? Mesmo norte, eu sentiria as suas angústias, as suas alegrias, ou me perderia em um mar proceloso de dúvidas? Se de repente voltasse a ser eu novamente, num estalo, num estampido, como o espocar de um tiro disparado por uma arma ao acaso de alguém sem direção assassinando um infeliz na esquina da rua de nossa casa?
Enfim, se me pegasse, como agora, sentado no banco da praça, em frente ao prédio da prefeitura, observando o mundo passar, a vida girando como um peão... nessa pequena troca ligeira de personalidade eu teria aprendido com você algo de aproveitável? Por outro lado, guardado um pouco da sua coragem, da sua Fé no futuro, na vida? Por outro prisma, só para moldar o meu “faz de conta” questionaria se teria entendido um pouco mais sobre o que significa o ser humano, ou se, de fato, eu me veria um bocadinho, ou um tantinho assim como você, mais humano? Com todas essas indagações aflorando, voltei a olhar para o alto.
Acredite. O céu estava do mesmo jeito. Quieto, calmo, na dele, talvez me vigiando, sei lá. Responda-me. Eu agradeceria por ter cruzado com você? Afinal de contas, creio piamente, somos todos – eu e você - somos todos um pouco de nós dois. Nessa troca meio que vertiginosa e esquisita, ou dito de forma mais clara, fugaz... nessa troca de personalidade e experiências momentâneas eu encontraria o que tanto busco depois que você partiu?
O mais importante, o que, aliás, me intriga, o que me mata aos poucos, o que me consome a carne, os ossos, a alma, o coração: eu me depararia ou entenderia a verdadeira e real, ou, ainda, a nostálgica e imorredoura essência da vida?! Não sei as respostas. É exatamente isso que me faz um ser desprezível. Um desgraçado sem o vislumbre mavioso de um porvir menos chato e odioso.
Fonte: Texto enviado pelo autor
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