sábado, 2 de novembro de 2024

Luciano Dídimo (Lançamento do Livro “A rosa de pérola”)


Olá, tudo bem? Passando para divulgar meu novo livro de sonetos.

Caso tenha interesse em adquirir, basta efetuar o depósito e me passar o endereço de entrega, que eu providencio o envio.

O valor do livro é R$50,00 e a taxa de entrega/correios é cortesia do autor.

chave pix: 85988955966 (celular)

Abçs,
Luciano Dídimo

Instagram: @lucianodidimo
Whatsapp: 85 98895-5966

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 29

 

José Feldman (O Arranha-Céu nas Nuvens)

Era uma manhã qualquer em Campinas, cidade do interior do estado de São Paulo, e o novo arranha-céu da cidade, o "Céu de Aço", finalmente estava completo. Com seus 300 andares, ele se elevava tão alto que, em um dia nublado, parecia perfurar as nuvens. O arquiteto, Leonardo, estava em êxtase. Ele não apenas havia projetado uma obra-prima, mas também se vangloriava de ter criado o prédio mais alto do mundo.

Após uma manhã cheia de reuniões e comemorações, Leonardo decidiu fazer uma última inspeção no topo do edifício. Ele subiu até o 300º andar, ansioso para ver a vista. Assim que chegou, porém, algo inesperado aconteceu. O céu se iluminou, e, de repente, ele se viu atravessando uma nuvem espessa. Quando a névoa se dissipou, ele ficou pasmo ao ver que havia chegado ao que parecia ser a entrada do céu!

— O que... onde estou? — murmurou, olhando ao redor.

Diante dele, uma porta dourada se abria com um rangido celestial. E, para sua surpresa, São Pedro estava ali, com uma prancheta na mão e uma expressão que misturava curiosidade e ceticismo.

— Olá, amigo! — disse São Pedro, com um sorriso. — O que traz você por aqui?

Leonardo, ainda atordoado, tentou entender a situação.

— Eu... eu sou o arquiteto do "Céu de Aço"! Acabei de completar o edifício mais alto do mundo!

São Pedro ergueu uma sobrancelha.

— Ah, sim, o arranha-céu que fura as nuvens. Muito interessante! Mas, veja bem, você precisa de permissão para estar aqui.

— Permissão? — Leonardo exclamou, ofendido. — Eu sou o arquiteto! Fiz tudo legalmente! Tenho documentos de propriedade!

São Pedro olhou para a prancheta.

— Documentos de propriedade? Aqui no céu? Não sei se isso vai funcionar.

Leonardo se aproximou, gesticulando com as mãos.

— Olha, São Pedro, eu não sei como você faz as coisas aqui, mas na Terra, eu tenho todos os papéis necessários. Licença de construção, planta do edifício, até o alvará da prefeitura!

— E quem te deu a licença para furar nuvens? — São Pedro perguntou, tentando segurar o riso.

— É... isso não estava nos regulamentos! — Leonardo admitiu, um pouco envergonhado.

— Então você me diz que invadiu o espaço aéreo celestial sem autorização? — São Pedro disse, cruzando os braços. — Isso é um problema!

Leonardo, percebendo que estava perdendo a discussão, decidiu apelar para a lógica.

— Mas, veja, se eu estou aqui, isso significa que o arranha-céu é tão impressionante que até as nuvens não conseguiram resistir! Eu trouxe beleza e inovação para a cidade. Você não gostaria de ver isso?

São Pedro coçou a barba, pensativo.

— Bem, é verdade que o céu tem uma nova perspectiva agora. Mas o que temos aqui é uma questão de propriedade. Você realmente tem documentos?

— Eu tenho! — Leonardo gritou, puxando um rolo de papéis do bolso. Ele começou a desenrolar os documentos, mas a brisa celestial os fez voar.

— Não! — Leonardo gritou, enquanto os papéis dançavam no ar.

São Pedro começou a rir.

— Olha, talvez você devesse considerar a possibilidade de que a burocracia no céu é um pouco diferente da sua. Aqui, não temos essa coisa de papéis!

— Como assim? — Leonardo estava perplexo.

— Aqui no céu, nós confiamos uns nos outros. Não precisamos de licenças para apreciar a beleza! — São Pedro respondeu, com um brilho nos olhos.

— Mas e se eu quisesse construir um shopping no céu? Precisaria de permissão para isso! — Leonardo argumentou.

— Ah, um shopping? Isso seria complicado. Você teria que passar pela comissão de anjos do comércio! — São Pedro brincou.

— Olha, eu só quero saber quem é o responsável por essa parte do céu! — Leonardo insistiu, ainda segurando os pedaços de papel que sobreviveram à ventania.

— Eu sou! — São Pedro respondeu, rindo. — Mas pense bem. Em vez de se preocupar com documentos, que tal usar seu talento para criar algo incrível aqui?

Leonardo refletiu por um momento. Ele tinha sempre sonhado em projetar algo grandioso. E se ele pudesse fazer isso no céu?

— Você está dizendo que eu poderia criar uma nova estrutura aqui? — perguntou Leonardo, seus olhos brilhando.

— Exatamente! Um café nas nuvens, uma galeria de arte celestial, quem sabe até um parque onde os anjos possam passear! — São Pedro respondeu, empolgado.

— Isso seria incrível! — Leonardo exclamou. — Mas... e os documentos?

— Ah, isso é só um detalhe. Vamos fazer assim: você me promete que não vai furar mais nuvens sem avisar, e eu deixo você criar o que quiser! — São Pedro disse, piscando um olho.

— Fechado! — Leonardo respondeu, estendendo a mão para um aperto.

E assim, com um acordo feito, Leonardo começou a planejar seu novo projeto celestial, enquanto São Pedro anotava tudo em sua prancheta, agora cheia de ideias criativas.

— E se você fizesse uma escada que levasse ao céu? — sugeriu São Pedro, pensando alto.

— Uma escada? Isso seria revolucionário! — Leonardo respondeu, agora empolgado.

— E que tal um mirante? Para as pessoas apreciarem a vista das nuvens? — continuou São Pedro.

— Adorei a ideia! — estava cada vez mais animado. — E uma área para piqueniques!

— Piqueniques nas nuvens? Agora você está falando! — São Pedro riu, imaginando a cena.

No final das contas, o arquiteto e o guardião do céu se tornaram amigos improváveis, e o "Céu de Aço" ganhou uma nova dimensão. Leonardo voltou para a Terra, não apenas com um projeto incrível em mente, mas também com uma história extraordinária para contar.

E assim, o arranha-céu que furava nuvens se transformou em um verdadeiro símbolo de criatividade e amizade, onde a burocracia se encontrava com a imaginação, e onde as nuvens não eram mais barreiras, mas sim oportunidades.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

Vereda da Poesia = Márcia Jaber (Juiz de Fora/MG)



Arthur Thomaz (Medeia, a Bruxa no Brasil)

Um choro chama a atenção dos transeuntes, mas todos passam indiferentes, cada qual com seus problemas.

Sentada à beira da calçada em prantos, vejo uma pessoa que reconheço dos livros de mitologia grega .

Sento-me ao lado dela e quando a chamo pelo nome, Medeia, a bruxa, acalma-se ao se ver reconhecida.

Esboçou um sorriso molhado de lágrimas, mas que a mim pareceu extremamente encantador.

Indaguei o motivo de tão sentido choro e ela, então, sentindo confiança desabafou. Ela tinha um emprego árduo, sem direito a férias, sem insalubridade e sem plano de saúde. Trabalhava oito horas por dia e o descanso aos domingos não era remunerado.

Sujeitava-se a essas condições porque tinha duas irmãs menores que dependiam dela. Juntou algum dinheiro, deixou as duas bruxinhas com uma tia, pediu demissão e veio tentar a sorte no Brasil porque ouvira dizer que, aqui, o povo fazia mágica para se sustentar.

Nesse momento, tentei mostrar a ela que não era o mesmo tipo de magia que ela praticava.

Continuou afirmando que fizera um voo em sua vassoura, quase sem escalas, tremendamente cansativo. Saíra de lá com temperatura muito baixa e aqui encontrara o verão carioca. Após aterrissar, deparou-se com um gari que tomou sua vassoura e saiu sambando. 

A vassoura não se inibiu e ensaiou alguns passos. Tive que correr para pegá-la de volta, pois já estavam indo para o sambódromo.

Depois desse incidente estava passeando a pé, quando uma moça, com uniforme de faxineira, tomou a vassoura dizendo que ela iria ajudar no serviço.

Perguntei se ela não estava reparando que eu era uma bruxa. Ela, com um sorriso malicioso disse que eu era uma gracinha e me convidou para subir ao apartamento porque a patroa só chegaria à noite e poderíamos usar a cama do casal. Consegui retomar minha vassoura e saí voando antes que ela me beijasse. 

Entendi os motivos do choro e tentei explicar a ela que nem tudo por aqui era assim.

Saímos passeando pela orla, quando dois pivetes, em uma moto, anunciaram o assalto.

Não deu certo para eles porque a vassoura irritada deu-lhes uma tremenda surra.

Então eu disse que segundo Eurípides o seu "biógrafo" ela possuía poderes maléficos suficientes para resolver os contratempos que tivera desde sua chegada.

Com sonora gargalhada respondeu que todos os escritores são exagerados e completou dizendo que, se tivesse agido dessa forma e alguém filmasse as cenas, ela jamais conseguiria emprego aqui no Brasil.

Fui obrigado a concordar e passamos a falar desse assunto, pensando em quais seriam as possibilidades de arrumar um serviço aqui .

Ela disse que tinha aptidão para culinária, mas ao me lembrar do que fez nos caldeirões, logo afastei esta opção. Como babá também não seria conveniente devido aos antecedentes.

Nisso passou pelas areias um ambulante vendendo biscoito Globo e mate gelado. 

Nos entreolhamos e, imediatamente, surgiu a solução.

Hoje, Medeia percorre as praias da zona sul, em trajes de bruxa, vendendo pequenas vassouras, bradando que eram para manter nossas praias limpas. Rapidamente, tornou-se um sucesso de vendas.

Trouxe as duas irmãs para ajudá-la e abriu uma empresa, "Medeia Ltda", recolhe impostos regularmente, adquiriu a cidadania brasileira e terá sua aposentadoria pelo INSS garantida.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: mirabolantes. Santos/SP: Bueno ed., 2021. E-book enviado pelo autor

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “28”

 

José Feldman (Pafúncio na Exposição de Quadros)

Era uma noite elegante e sofisticada no renomado Museu de Arte Moderna, onde uma exposição de quadros de artistas contemporâneos estava prestes a ser inaugurada. Pafúncio, o jornalista da revista “Fuxicos & Fofocas”, foi enviado para cobrir o evento e, claro, trazer algumas fofocas quentinhas sobre a alta sociedade local.

Vestido com um terno que parecia ter sido emprestado de um filme dos anos 80 e uma gravata estampada com desenhos de patos, Pafúncio entrou no museu com um sorriso radiante, mal sabendo que a noite se tornaria um verdadeiro desfile de trapalhadas.

Assim que chegou, Pafúncio observou as pessoas da alta sociedade conversando em pequenos grupos, todas vestidas com roupas de grife e segurando taças de champanhe. Ele, por outro lado, parecia um pato fora d’água. 

“Aqui estou eu, pronto para fazer história!” ele pensou, enquanto caminhava em direção ao coquetel.

Ao se aproximar da mesa do coquetel, Pafúncio viu uma bandeja cheia de canapés e, sem pensar duas vezes, pegou um punhado deles. 

“Deliciosos! Vou dar uma entrevista sobre eles!” ele exclamou, enquanto começava a mastigar e a falar com um grupo de convidados.

“Desculpe, você é…?” uma mulher bem-vestida perguntou, olhando para ele com uma expressão de confusão.

“Sou Pafúncio, da revista “Fuxico & Fofocas”! Estou aqui para cobrir a noite e descobrir os segredos da alta sociedade!” ele respondeu, com um pedaço de canapé preso entre os dentes.

Pafúncio decidiu que era hora de tirar algumas fotos. Ao tentar ajustar a câmera, ele acidentalmente esbarrou na mesa, fazendo com que uma taça de champanhe voasse pelo ar e aterrissasse bem em cima do vestido da mulher que acabara de entrevistá-lo. 

“Ai!” ela gritou, enquanto todos ao redor se viravam para olhar.

“Desculpe! Era para ser uma homenagem ao seu vestido!” Pafúncio disse, tentando se desculpar, mas as pessoas apenas o encararam, perplexas.

Determinado a se recuperar, Pafúncio começou a se mover em direção aos quadros. Ele parou em frente a uma obra de arte abstrata e começou a explicar para uma pequena multidão o que achava que era a mensagem do quadro. 

“Eu vejo aqui um grito pela liberdade, uma luta contra a opressão dos… das azeitonas!” ele comentou, fazendo referência a um prato que ainda estava na sua mente.

As pessoas começaram a cochichar entre si, claramente divididas entre o riso e a perplexidade. 

“Quem é esse?” alguém murmurou.

Enquanto tentava tirar uma selfie com a pintura ao fundo, Pafúncio, em sua animação, deu um passo para trás e, sem querer, esbarrou na mesa de bebidas. A bandeja, cheia de copos, fez um movimento pendular e se despedaçou no chão, com um barulho estrondoso que fez todos os convidados se virarem, boquiabertos.

“Meu Deus!” gritou um dos organizadores, enquanto Pafúncio tentava ajudar a limpar a bagunça, mas acabou escorregando no líquido derramado e caindo de joelhos. 

“Estou apenas testando a resistência do chão!” ele gritou, enquanto se levantava, agora com as calças molhadas.

Finalmente, chegou a hora do discurso do curador da exposição. Pafúncio, pensando que poderia ajudar a animar o ambiente, decidiu se posicionar perto do microfone. 

“Eu tenho algo a dizer!” ele interrompeu, mas o curador já estava no palco.

“Por favor, não…” o curador murmurou, já prevendo o desastre.

Pafúncio puxou o microfone com tanto ímpeto que ele se soltou e fez um ruído ensurdecedor, causando um alvoroço. 

“Desculpe, só queria dizer que a arte é como um… um sapato apertado! Às vezes, você só precisa tirar para se sentir livre!” ele gritou, enquanto as pessoas cobriam os ouvidos.

A essa altura, a situação era tão cômica quanto caótica. Os convidados começaram a olhar para Pafúncio com uma mistura de medo e diversão. O que ele faria a seguir? Uma mulher de um grupo próximo murmurou: “Espero que ele não derrube mais nada!”

E foi então que, ao tentar fazer uma pose engraçada para uma foto, Pafúncio decidiu subir em uma cadeira para ser mais visível. No entanto, a cadeira não aguentou o peso e se quebrou, fazendo com que ele caísse novamente, agora em uma pilha de casacos que estavam pendurados em um cabideiro.

No final da noite, enquanto todos estavam atordoados, Pafúncio, ainda tentando se recompor, levantou-se e olhou para a multidão. 

Os convidados começaram a se dispersar, alguns ainda rindo, outros balançando a cabeça em incredulidade. “Quem era aquele?” alguém perguntou, enquanto Pafúncio se despedia, feliz e satisfeito por ter, de alguma forma, conseguido alguma coisa naquela noite.

Enquanto saía, ele pensou: “Talvez eu devesse fazer mais reportagens em eventos da alta sociedade.” 

E assim, com sua personalidade peculiar, Pafúncio deixou sua marca — e um pouco de caos — na noite que deveria ser de arte e sofisticação.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

Vereda da Poesia = Elisabete Aguiar (Mangualde/ Portugal)


Eduardo Affonso (Mentiras que os donos de cachorro contam)

A mentira 1 que os donos de cachorro contam é que são donos de cachorros.

Ninguém é dono de ninguém, muito menos de um cachorro.

Cachorros são seres insólitos. Têm um ranço nato dos gatos, criaturas que os ignoram e cujos olhos felinos lhes dedicam, no máximo, uma mirada de indulgência. Têm inexplicável interesse por porcos espinhos, animais cujo leiaute é um cartão de visitas claríssimo: não mexa comigo. Têm fetiche por pneus, entidades que perseguem com afinco, como se cravar os dentes numa roda de borracha lhes fosse descortinar o sentido da vida.

E se afeiçoam justamente a seres humanos.

Qualquer organismo inteligente se afeiçoaria aos gatos, não aos seres humanos. Qualquer indivíduo sensato manteria dos humanos e dos porcos espinhos uma prudente distância. Qualquer entidade racional saberia que humanos e pneus não levam (metaforicamente, pelo menos) a lugar nenhum.

Pois os cachorros resolveram se afeiçoar aos seres humanos. Ignorar os alertas de perigo que os humanos emitem em cada gesto. E vivem correndo atrás de nós, seja abanando o rabo, seja cravando os dentes, como se para isso tivessem nascido.

Os “donos de cachorro” se encantam com esses paradoxos. Veem no cachorro um avatar peludo e arfante, uma versão melhorada de si mesmos. E deles se apropriam, oferecendo-lhes vacina, coleira, ração, tosa e dois passeios diários em troca do amor maior que há no mundo (mãe perde) – da mesma forma como os exploradores trocavam miçangas espelhos e quinquilharias por ouro prata terras sem fim.

Donos de cachorro mentem (mentira 2) quando dizem que vão levar os cachorros para passear.

Cachorros não passeiam. Cachorros urinam e cheiram. O passeio é um meio, o instrumento do qual o cachorro tem que lançar mão (no caso, lançar pata) para poder urinar em vários lugares e cheirar tudo que estiver no raio de alcance da guia presa à sua coleira.

O passeio é uma mentira social que o suposto “dono de cachorro” inventa para não ter que assumir que apenas se presta a viabilizar as urinadas necessárias à comunicação olfativa do cachorro.

A mentira número 3 é a de que o cachorro é educado e só faz evacua na rua. Isso não é educação: é chantagem. Uma forma que o cachorro encontra de constranger seu humano a levá-lo para urinar e cheirar em locais onde essas atividades sejam mais estimulantes que na área de serviço ou na varanda.

E cachorro não evacua na rua: faz na calçada. De preferência, nas saídas de garagem ou diante de aglomerações, de modo que o ritual de enluvar a mão no saco plástico, se agachar e catar o dito cujo sejam devidamente apreciados por quem estiver saindo de casa ou esperando o ônibus.  É que o cachorro gosta de exibir o adestramento do seu “dono”, fazê-lo demonstrar suas habilidades (“Estão vendo o meu “dono”? Olhem os truques que ensinei a ele: Luvinha! Agachado! Catando caca! Carinha de nojo! Nozinho no plástico! Isso! Bom garoto!”).

Mentira 4:  tratamos cachorros como filhos. Jamais. Filhos são filhos, cachorros são cachorros. Filhos saem sozinhos; cachorros, não – do cachorro a gente cuida direito e não permite que corram riscos desnecessários. Filhos um dia se casam e vão cuidar da própria vida –  cachorros ficam para sempre.

Cachorros envelhecem conosco. Morrem nos nossos braços. Quando se vão, nos deixam de herança um pote vazio e uma coleira adormecida que são a própria Dor em forma de vasilha, o Desalento em fivela e fita.

A mentira 5 é a maior de todas:  a do “nunca mais”. Todos dizemos “Nunca mais quero passar por isso”. “Outro cachorro, nem pensar”. E daí a pouco lá estamos nós desviando o olhar na Feira de Adoção (desviando o olhar, não o coração). E um minuto depois fazendo contato visual com um filhote, um adulto sem rabo, um ancião de focinho grisalho.

Aí lá vamos nós de novo. De novo “donos” – do Tião, da Duda, da Luna, que não são mais que novas manifestações da Bené, do Negão, do Bento, do Luke e de todas essas versões melhoradas de nós mesmos – só que com pulga e soltando pelo, que ninguém é perfeito.

[Levei Cacau para ser sacrificada. Despedimo-nos longamente. Fiz uma foto dela –a última – na maca.

Saí da clínica repetindo o mantra da mentira 5, a do “nunca mais”. Mas não custava fazer mais uma tentativa, e Cacau reagiu à medicação. Dois dias depois, fui buscá-la, e me recebeu andando com dificuldade, mas andando – ela que chegara no meu colo. O mesmo olhar, a mesma respiração ofegante, o mesmo jeito de abanar o rabo como se não houvesse amanhã. Houve amanhã.

Substituí a mentira 5 pela 1, e voltei a mentir para mim mesmo que sou “o dono da Cacau”, como um dia fui dos seus pais, Negão e Benedita.

Cachorros são seres estranhos. Ao contrário dos seus “donos”, que os levam “para passear”, “fazer cocô na rua” e os tratam “como filhos”, eles não precisam mentir. Jamais.]

Recordando Velhas Canções (Quero morrer cantando)


(samba, 1934)

Compositor: Valfrido Silva

Quero morrer cantando um samba
No meio de uma roda bamba
Quero zombar da própria morte
Cercado das pequenas
Que me deram inspiração e forte

No outro mundo
Vão me rir e caçoar
E decida se matando em trabalhar
Pensando somente na riqueza
Sendo a vida mergulhada
Mergulhada na tristeza

Quero morrer cantando um samba
No meio de uma roda bamba
Quero zombar da própria morte
Cercado das pequenas
Que me deram inspiração e forte

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Varal de Trovas n. 615

 

Caderno de Premiados dos Concursos do Blog (Download)


Os Concursos do Blog homenageando A. A. de Assis (trovas líricas/ filosóficas, tema: Poeta/s) e Therezinha Dieguez Brisolla (trovas humorísticas, tema: Pinguço/s) encerrou-se com êxito. Os diplomas foram enviados aos premiados, e o caderno de premiados enviados para os premiados e não premiados. 

Caso tenha interesse em obter o caderno, pode baixar no link abaixo, em pdf, são 37 páginas.


A. A. de Assis (Um cãozinho da roça)


Kaltoé tem razão. Perder um animalzinho querido é muito triste. Dói demais

A semântica tem dessas coisas: todo mundo diz que o cão é o melhor amigo do homem e da mulher. Mas ninguém chama seu melhor amigo ou sua melhor amiga de cão, cachorro, cachorra, cadela… Dá dó terem dado a um animal tão querido um tão mal-escolhido epíteto. Outros bichos receberam nomes até poéticos: andorinha, ovelha, colibri, borboleta, golfinho, vaga-lume. Por que logo o cão tinha que ter esse nominho que parece xingamento?

Porém eu queria falar era de outra coisa, mais uma vez aproveitando uma dica do amigo Kaltoé, o craque do desenho. Ele sugeriu: “Faça uma crônica sobre a perda de animaizinhos de estimação. Todo mundo tem ou já teve um”. De pronto me lembrei do Rex. Vou contar.

Vivi na roça até os 8 anos, quando me mudaram para a cidade (São Fidélis-RJ) a fim de continuar os estudos iniciados numa escolinha rural. Fui morar com um irmão mais velho e três irmãs. Na roça eu tinha dois cachorros: um grande, chamado Combate, e um pequeno, Rex. Queria porque queria levar os dois comigo para a cidade. Meu pai, com paciência, me convenceu de que o cachorro grande não se adaptaria: acostumado à plena liberdade, com espaço à vontade para correr, bagunçar, caçar preás, ele sofreria demais se fosse confinado num quintal. Acabei concordando. Levei apenas o pequeno Rex.

Estava indo tudo bem, até que chegou o dia da festa do padroeiro. Conforme a tradição, a cidade foi despertada às 5 da manhã pelo desfile de alvorada da banda de música. Em meio ao alegre retumbar das tubas, tambores e trombones, pipocava um estonteante foguetório. Pra quê?… Apavorado ante aquele barulhão todo, o cachorrinho Rex, criado no sossego da roça ao som de pássaros, grilos e cigarras, começou a latir sem cessar, até que achou um buraco na cerca e se mandou na maior disparada. Até hoje não sei onde foi parar. Só sei que chorei por mais de uma semana e jurei nunca mais ter outro animal em casa.

Jurei mas não cumpri. Quando vim para Maringá morei durante alguns anos numa casa com quintal. Um dia um amigo me perguntou se eu aceitaria de presente um filhote de cachorro. Lucilla e eu pensamos bem, aceitamos. Demos-lhe o nome de King. Cresceu rápido, virou um baita cachorrão. Depois apareceu uma cachorrinha vira-lata. Demos comida a ela, a bichinha não quis mais ir embora. Para combinar com o King, demos-lhe o nome de Konga.

Numa certa manhã Konga resolveu brincar na rua em frente, passou um carro e ela foi atropelada. Corri, peguei no colo. Perna quebrada. Levei à loja veterinária do Astolfo Castanheira, ele engessou, garantiu que não era coisa grave. De fato não era. King e Konga ficaram conosco enquanto viveram. Deixaram saudade. Prometi de novo que nunca mais teria animal de estimação. Dessa vez cumpri.

Kaltoé tem razão. Perder um animalzinho querido é muito triste. Dói demais.

Melhor parar a conversa aqui.

(Crônica publicada no Jornal do Povo em 17.10.2024)

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Vereda da Poesia = Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho (Juiz de Fora/MG)




José Feldman (Mini-contos) 6 –> 10

A Amizade Inesperada 
Durante um passeio no parque, Beatriz avistou um rapaz sentado, sozinho. O olhar dele refletia tristeza, mas ela sentiu uma conexão. Aproximou-se e ofereceu um sorriso. Eles começaram a conversar sobre livros e sonhos. Com o passar do tempo, uma amizade inesperada floresceu. Juntos, descobriram que a solidão pode ser vencida com um simples gesto de carinho. 

O Último Trem 
Na estação deserta, o último trem apitou. Marcos aguardava, sentindo o peso da solidão. Ao seu lado, uma senhora idosa observava a mesma cena. Eles trocaram sorrisos tímidos, e, em um instante, a conexão se formou. A conversa fluiu, e o tempo passou, esquecendo a tristeza. Quando o trem chegou, ambos embarcaram, levando consigo um pouco da luz do outro. 

A Casa Vazia 
A casa de Marcondes ecoava com tantas lembranças. Cada cômodo guardava risos e histórias do tempo de uma família unida. Mas agora, o silêncio era ensurdecedor. Ele olhou para as fotos na parede, sentindo o vazio do abandono. Um dia, decidiu organizar um jantar, convidando velhos amigos. A casa voltou a vibrar com risos, e a luz voltou a brilhar na casa da solidão. 

O Livro Esquecido 
Em uma prateleira empoeirada, havia um livro esquecido. Carina o pegou e começou a folhear suas páginas. As palavras pareciam dançar na sua frente. Cada história a transportava para mundos distantes, fazendo com que se esquecesse da solidão. Decidiu então compartilhar essas histórias em um clube de leitura. Com cada reunião, novos laços se formaram. O livro, que antes era só um objeto, tornou-se a ponte para novas amizades. 

O Último Dia de Verão 
O verão chegava ao fim, e com ele, a alegria das férias. Mirna sentou-se na areia, observando o pôr do sol. O mar refletia seu estado de espírito: sereno, mas melancólico. Ao seu lado, crianças brincavam, mas ela se sentia distante. Um garoto se aproximou e ofereceu uma pá para construir um castelo de areia. Juntos, construíram algo belo. Naquele momento, Mirna percebeu que a felicidade pode renascer mesmo nas despedidas.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.

Recordando Velhas Canções (Balada Triste)

(samba-canção, 1956)


Compositor: Dalton Vogeler e Esdras Silva

Balada triste 
Que me faz
Lembrar alguém  
Alguém que existe
E que outrora
Foi meu bem 

Balada triste 
Melodia do meu drama
Esse alguém já não me ama
Esqueceu você também 

Não há mais nada 
Foi um sonho
Que passou
Triste balada
Só você me acompanhou 

Fica comigo !
Velha amiga, companheira
Quero cantar-te a vida inteira
Prá lembrar o que passou...

A Melancolia de um Amor Perdido em 'Balada Triste'
A música 'Balada Triste', é uma profunda reflexão sobre a dor e a saudade de um amor que se foi. A letra começa com a evocação de uma balada triste que traz à memória alguém especial, alguém que um dia foi muito amado. Essa pessoa, que antes era o centro do afeto do eu lírico, agora não está mais presente, e a melodia triste serve como um lembrete constante dessa ausência.

A canção é permeada por um sentimento de desilusão e resignação. O eu lírico reconhece que o amor que um dia existiu não mais o acompanha, e que a pessoa amada também o esqueceu. A repetição da frase 'não há mais nada' reforça a ideia de que tudo o que restou é a lembrança dolorosa de um sonho que acabou. A balada, descrita como uma velha amiga e companheira, é a única coisa que permanece, servindo como um consolo melancólico para o eu lírico.

A música é uma ode à memória de um amor perdido, e a decisão de cantar essa balada 'a vida inteira' mostra a profundidade do impacto que essa relação teve. A 'Balada Triste' não é apenas uma canção sobre a perda, mas também sobre a aceitação e a convivência com a dor, transformando-a em uma companheira constante.

Ângela Maria fazia uma temporada em Buenos Aires quando conheceu a canção “Balada Triste” por intermédio de seu acompanhador, o violonista Manoel da Conceição. Decidida a gravá-la o quanto antes, apressou-se em obter a permissão do autor, Dalton Vogeler, baixista do conjunto de Valdir Calmon, por coincidência, na ocasião, também em temporada na capital argentina. Daí resultou o duplo lançamento da composição — que já havia sido entregue a Agostinho dos Santos —, alcançando ambas as gravações o maior sucesso.

Bem de acordo com o título, “Balada Triste” é uma pungente canção de amor com versos e melodia impregnados de tristeza. Sem ser plágio, reproduz o clima da “Serenata” (Stãndchen) de Schubert, citada, aliás, no prólogo das gravações iniciais. 

Fontes:
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo - Vol.2.
https://www.letras.mus.br/agostinho-dos-santos/479709/significado.html

domingo, 27 de outubro de 2024

José Feldman (Grinalda de Versos) * 5 *

 

Carina Bratt (Lembranças de momentos que não vingaram)

A NOSSA VIDA cotidiana, com a sua tendência de desenhar o futuro com as cores as mais variadas, de um passado, muitas vezes um ‘ontem’ ainda recente, nos presenteia com lembranças que se entrelaçam no tempo. Em meio a uma dessas alfombras, destacaria um par de memórias que persistem até hoje, como marcas de um amor bonito, que se foi para sempre. A primeira, dá conta de um passeio pelas areias da praia da Avenida Atlântica, em Copacabana, ao tempo em que um final de tarde se engrandecia de cores as mais variadas. O sol, em seu derradeiro ato de esplendor, mergulhava, lá longe, no horizonte, como um artista que se despede de seu público. Tudo tingia o céu em tons inesquecíveis. Caminhávamos, eu e o meu amor, lado a lado, os pés na areia fria e molhada, enquanto o vento brincava com nossos cabelos. 

Conversávamos sobre sonhos e medos, e um futuro incerto que, naqueles momentos, parecia repleto de possibilidades. As ondas, suaves e ritmadas, se faziam testemunhas silenciosas da nossa cumplicidade. A sensação de estar imerso naquele instante, nada mais que a plenitude, como se o tempo (o nosso tempo) tivesse decidido estancar para nos deixar aproveitar a perfeição de cada segundo. A outra lembrança, me remonta para uma noite enfeitada por um manto de estrelas que iluminava o firmamento claro e profundo. Estávamos deitados na rede da minha varanda enorme, encolhidos embaixo de um cobertor que cheirava a vinho gelado e uma porção de queijos fatiados. O Cristo do Corcovado, iluminado, parecia nos abraçar. A Borges de Medeiros gritava socorro para a Lagoa Rodrigo de Freitas, em vista dos carros que passavam buzinado num alarido incontrolável. 

Conversávamos em sussurros, nosso calor corporal se misturando ao calor do ambiente. Havia uma espécie de serenidade naquele momento, tipo uma intimidade que parecia transcender as palavras. As conversas se tornavam confissões, sonhos e esperanças sussurradas aos calcanhares de nossos escutadores de novelas. O mundo exterior desaparecia, e o espaço entre nós se tornava um refúgio acolhedor e seguro. O amor, assim como essas lembranças, é efêmero e, muitas vezes não, ou seja, difícil de manter. O passeio à beira-mar e à noite, na varanda do meu "apê", apenas capítulos de uma história de amor (de amor?!), que inevitavelmente nem aconteceu e, da mesma forma, se encerraria num minuto de segundo que marquei como ‘estranho.’ 

Mas, mesmo após a partida dessa pessoa, esses mimos permaneceram como marcas indeléveis na minha memória. Eles são como pequenas âncoras no tempo, nos permitindo, nos revisitando num ‘ontem passado,’ onde o amor parecia eterno e incontestável. Amor? Não foi! Hoje, essas ‘quimeras', de vez em quando surgem como ecos suaves, em momentos de solitude —, ou melhor dito —, de uma completude, nos moldes de uma tapeçaria de emoções que nos lembra, em segundos de fraquezas, que apesar da transitoriedade do amor, ele deixou um rastro de beleza, mas sem nenhum significado para ser auspiciado ‘para depois.’ E assim, mesmo, após a figura se ter ido embora (eu disse amor no sentido figurado, bem entendido) essas memórias permaneceram imutáveis como testemunhas de algo verdadeiro e profundo (não —, não foi verdadeiro e menos ainda profundo). 

Euzinha diria, sem medo de bater com a cabeça nos teclados do meu piano, nada além de um lembrete que, por mais breve que tenha sido o amor, ou algo parecido com ele, deixou dentro de mim... não —, não deixou porcaria nenhuma. Esse encontro foi muito rápido e rasteiro, sem banho, sem cama, sem calcinha jogada no chão, sem roupa cheirando a suor... não rolou nada na precipitação de dois ou três copos de vinho e minúsculos pedacinhos de queijos fatiados. Em seguida, nenhum telefonema, nenhum vídeo com a gravação de um ‘olá’ ao vivo, no WhatsApp.  De tudo, restou por aqui a bela figura grandiosa do Cristo iluminado, a Borges de Medeiros ensurdecendo os meus tímpanos com buzinadas chatas de algum idiota e, para variar, um casal, no andar de baixo, trocando efusivos palavrões e se estapeando —, um atirando pratos e talheres no outro. 

Motivo? Muitos! Vou trazer à baila, apenas o essencial. O menininho deles, um sapeca de três anos, aos cuidados de uma cadeira irresponsável e irrequieta, quase deixou que o guri se aventurasse a dar uma de Ícaro. O engraçadinho piá, ao invés de voar em direção ao Corcovado, tentava se projetar dela, se esgueirando acima do peitoril, para o precipício distanciado da calçada fria deitada ao longo da via, lá no térreo, essa via, coitada, os sentidos a mil por hora,  porém, emudecida, sem ação, a língua presa, o coração a quase duzentos (calçada também tem coração) sem poder, sequer, avisar ou interfonar para os irresponsáveis pais do pestinha, o perigo iminente —, a grosso modo —, voar na jugular do seu Moacir (o nosso porteiro do turno da noite). Graças a Deus, o molequinho foi resgatado, a mãe do menino entrou no hospital da Lagoa, cheia de hematomas. A cadeira, no lixo, sem direito a reclamar seu salário e o pai, ainda no calor da contenda, aos berros, espinafrando ele mesmo e as paredes.

Fonte: enviado por Aparecido R. de Souza

Vereda da Poesia = Carolina Ramos (Santos/SP)



José Feldman (Mini-contos) 1 –> 5


A Solidão do Pintor 
Na pequena sala, o pintor observava a tela em branco, seu único companheiro. As cores dançavam em sua mente, mas o medo da crítica o paralisava. Dias passavam, e as sombras se acumulavam. 

Uma tarde, ao misturar tintas, descobriu que a solidão podia ser sua musa. Com cada pincelada, sua dor se transformou em arte. Finalmente, a tela revelou não apenas suas cores, mas sua alma. 

Felicidade na Simplicidade 
Certa manhã, Maria acordou com o canto dos pássaros. Decidiu preparar um café especial e sentou-se à mesa. Observou as flores pela janela e sorriu ao lembrar de momentos simples. A felicidade, pensou, não estava nas grandes conquistas, mas nas pequenas alegrias. Ao dar o primeiro gole, compreendeu que a vida era feita de detalhes. E assim, a simplicidade se tornou seu maior tesouro. 

O Abandono do Cachorro 
No canto da rua, um cachorro esperava. O frio da noite não o intimidava, mas a solidão do abandono o marcava. Havia sido amado um dia, mas agora, seu olhar refletia tristeza. Um menino, ao passar, parou e se agachou. Com um gesto suave, acariciou o animal e levou-o para casa. O amor resgatou o pequeno ser, e a solidão se desfez no calor de um novo lar. 

Lições da Escola 
Na escola, Ana se sentia invisível entre os colegas. As risadas e conversas pareciam distantes, como ecos em um túnel. Um dia, a professora pediu que escrevessem sobre um sonho. Ana, hesitante, compartilhou sua paixão por dançar. Ao final, recebeu aplausos sinceros. Naquele instante, percebeu que, mesmo na solidão, sua voz poderia ser ouvida. A escola, então, tornou-se um lugar de descoberta. 

Um Dia de Chuva 
A chuva caía, formando poças nas calçadas. Lucas decidiu sair, mesmo com o tempo inclemente. Cada gota que caía parecia lavar a tristeza acumulada. Ele pulava nas poças, rindo como uma criança. O som da chuva era uma sinfonia, e a solidão se dissipava. Naquele dia, aprendeu que até mesmo a chuva pode trazer alegria. 

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.

Recordando Velhas Canções (Saudade da Bahia)

(samba, 1957)


Compositor: Dorival Caymmi

Ai ai que saudade eu tenho da Bahia
Ai se eu escutasse o que mamãe dizia
“Bem não vá deixar a sua mãe aflita
A gente faz o que o coração dita
Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão”

Ai se eu escutasse hoje eu não sofria
Ai essa saudade dentro do meu peito
Ai se ter saudade e ter algum defeito
Eu pelo menos mereço o direito
De ter alguém com que eu possa me confessar

Ponha-se no meu lugar e veja como sofre
Um homem infeliz  
que teve que desabafar
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz
Vejam que situação
E vejam como sofre um pobre coração
Pobre de quem acredita
Na glória e no dinheiro para ser feliz

A Melancolia e a Nostalgia em 'Saudade da Bahia'
A música 'Saudade da Bahia', composta e interpretada pelo icônico Dorival Caymmi, é uma expressão lírica da melancolia e da saudade, sentimentos profundamente enraizados na cultura brasileira, especialmente no que diz respeito ao apego às origens e à terra natal. A letra reflete a dor de um indivíduo que, distante de sua terra natal, a Bahia, sente um vazio emocional que é exacerbado pela distância e pela lembrança dos conselhos maternos ignorados.

A canção começa com um lamento, uma confissão de arrependimento por não ter ouvido os conselhos de sua mãe. A figura materna é apresentada como uma voz da sabedoria e da prudência, alertando sobre as maldades e ilusões do mundo. A saudade é descrita não apenas como uma falta, mas como uma condição que pode ser vista como um defeito, algo que o protagonista da canção sente que precisa confessar, como se fosse um pecado ou uma fraqueza.

A música também aborda a crítica social ao ideal de felicidade associado à glória e ao dinheiro, sugerindo que esses valores são insuficientes para preencher o vazio deixado pela ausência da terra amada. A saudade, portanto, é mais do que uma simples falta; é um estado de espírito que revela uma verdade mais profunda sobre o que realmente importa para a felicidade humana. A canção de Caymmi é um convite à reflexão sobre as escolhas de vida e sobre o que realmente nos faz felizes, além de ser um retrato da identidade cultural baiana e brasileira.

"Saudade da Bahia" nasceu numa tarde calorenta do verão de 1947. "Eu estava sozinho num bar perto de minha casa no Leblon, o Bar Bíbi, chateado com a agitação da cidade, quando me ocorreu a ideia", recorda Dorival Caymmi. "Era uma ideia tão melancólica - logo eu que sou otimista - que resolvi guardar a canção para mim, mostrando-a apenas a alguns amigos mais íntimos."

Daí se passaram dez anos até o dia em que Aloísio de Oliveira, um desses amigos, convenceu o compositor a gravar "Saudade da Bahia". Diretor artístico da Odeon na ocasião, Aloísio estava ansioso para faturar na esteira do sucesso de "Maracangalha" e, como Caymmi não tinha composições novas, sugeriu: "E por que não aquela que fala de saudades da Bahia?" Assim, programada às pressas, "Saudade da Bahia" foi gravada, batendo recordes de vendagem, o que lhe proporcionou um prêmio especial de uma cadeia de lojas de São Paulo.

Fontes:
https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/401202/significado.html
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo - Vol. 1.