sexta-feira, 1 de novembro de 2024

José Feldman (O Arranha-Céu nas Nuvens)

Era uma manhã qualquer em Campinas, cidade do interior do estado de São Paulo, e o novo arranha-céu da cidade, o "Céu de Aço", finalmente estava completo. Com seus 300 andares, ele se elevava tão alto que, em um dia nublado, parecia perfurar as nuvens. O arquiteto, Leonardo, estava em êxtase. Ele não apenas havia projetado uma obra-prima, mas também se vangloriava de ter criado o prédio mais alto do mundo.

Após uma manhã cheia de reuniões e comemorações, Leonardo decidiu fazer uma última inspeção no topo do edifício. Ele subiu até o 300º andar, ansioso para ver a vista. Assim que chegou, porém, algo inesperado aconteceu. O céu se iluminou, e, de repente, ele se viu atravessando uma nuvem espessa. Quando a névoa se dissipou, ele ficou pasmo ao ver que havia chegado ao que parecia ser a entrada do céu!

— O que... onde estou? — murmurou, olhando ao redor.

Diante dele, uma porta dourada se abria com um rangido celestial. E, para sua surpresa, São Pedro estava ali, com uma prancheta na mão e uma expressão que misturava curiosidade e ceticismo.

— Olá, amigo! — disse São Pedro, com um sorriso. — O que traz você por aqui?

Leonardo, ainda atordoado, tentou entender a situação.

— Eu... eu sou o arquiteto do "Céu de Aço"! Acabei de completar o edifício mais alto do mundo!

São Pedro ergueu uma sobrancelha.

— Ah, sim, o arranha-céu que fura as nuvens. Muito interessante! Mas, veja bem, você precisa de permissão para estar aqui.

— Permissão? — Leonardo exclamou, ofendido. — Eu sou o arquiteto! Fiz tudo legalmente! Tenho documentos de propriedade!

São Pedro olhou para a prancheta.

— Documentos de propriedade? Aqui no céu? Não sei se isso vai funcionar.

Leonardo se aproximou, gesticulando com as mãos.

— Olha, São Pedro, eu não sei como você faz as coisas aqui, mas na Terra, eu tenho todos os papéis necessários. Licença de construção, planta do edifício, até o alvará da prefeitura!

— E quem te deu a licença para furar nuvens? — São Pedro perguntou, tentando segurar o riso.

— É... isso não estava nos regulamentos! — Leonardo admitiu, um pouco envergonhado.

— Então você me diz que invadiu o espaço aéreo celestial sem autorização? — São Pedro disse, cruzando os braços. — Isso é um problema!

Leonardo, percebendo que estava perdendo a discussão, decidiu apelar para a lógica.

— Mas, veja, se eu estou aqui, isso significa que o arranha-céu é tão impressionante que até as nuvens não conseguiram resistir! Eu trouxe beleza e inovação para a cidade. Você não gostaria de ver isso?

São Pedro coçou a barba, pensativo.

— Bem, é verdade que o céu tem uma nova perspectiva agora. Mas o que temos aqui é uma questão de propriedade. Você realmente tem documentos?

— Eu tenho! — Leonardo gritou, puxando um rolo de papéis do bolso. Ele começou a desenrolar os documentos, mas a brisa celestial os fez voar.

— Não! — Leonardo gritou, enquanto os papéis dançavam no ar.

São Pedro começou a rir.

— Olha, talvez você devesse considerar a possibilidade de que a burocracia no céu é um pouco diferente da sua. Aqui, não temos essa coisa de papéis!

— Como assim? — Leonardo estava perplexo.

— Aqui no céu, nós confiamos uns nos outros. Não precisamos de licenças para apreciar a beleza! — São Pedro respondeu, com um brilho nos olhos.

— Mas e se eu quisesse construir um shopping no céu? Precisaria de permissão para isso! — Leonardo argumentou.

— Ah, um shopping? Isso seria complicado. Você teria que passar pela comissão de anjos do comércio! — São Pedro brincou.

— Olha, eu só quero saber quem é o responsável por essa parte do céu! — Leonardo insistiu, ainda segurando os pedaços de papel que sobreviveram à ventania.

— Eu sou! — São Pedro respondeu, rindo. — Mas pense bem. Em vez de se preocupar com documentos, que tal usar seu talento para criar algo incrível aqui?

Leonardo refletiu por um momento. Ele tinha sempre sonhado em projetar algo grandioso. E se ele pudesse fazer isso no céu?

— Você está dizendo que eu poderia criar uma nova estrutura aqui? — perguntou Leonardo, seus olhos brilhando.

— Exatamente! Um café nas nuvens, uma galeria de arte celestial, quem sabe até um parque onde os anjos possam passear! — São Pedro respondeu, empolgado.

— Isso seria incrível! — Leonardo exclamou. — Mas... e os documentos?

— Ah, isso é só um detalhe. Vamos fazer assim: você me promete que não vai furar mais nuvens sem avisar, e eu deixo você criar o que quiser! — São Pedro disse, piscando um olho.

— Fechado! — Leonardo respondeu, estendendo a mão para um aperto.

E assim, com um acordo feito, Leonardo começou a planejar seu novo projeto celestial, enquanto São Pedro anotava tudo em sua prancheta, agora cheia de ideias criativas.

— E se você fizesse uma escada que levasse ao céu? — sugeriu São Pedro, pensando alto.

— Uma escada? Isso seria revolucionário! — Leonardo respondeu, agora empolgado.

— E que tal um mirante? Para as pessoas apreciarem a vista das nuvens? — continuou São Pedro.

— Adorei a ideia! — estava cada vez mais animado. — E uma área para piqueniques!

— Piqueniques nas nuvens? Agora você está falando! — São Pedro riu, imaginando a cena.

No final das contas, o arquiteto e o guardião do céu se tornaram amigos improváveis, e o "Céu de Aço" ganhou uma nova dimensão. Leonardo voltou para a Terra, não apenas com um projeto incrível em mente, mas também com uma história extraordinária para contar.

E assim, o arranha-céu que furava nuvens se transformou em um verdadeiro símbolo de criatividade e amizade, onde a burocracia se encontrava com a imaginação, e onde as nuvens não eram mais barreiras, mas sim oportunidades.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

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