domingo, 10 de novembro de 2024

José Feldman (Zé Capim se aventura na cidade)


Todo mundo conhece Seu Zé Capim, o fazendeiro caipira que, com seu chapéu de palha e sorriso largo, é a alma da roça. Mas um belo dia, Seu Zé decidiu que era hora de um passeio diferente. Ele olhou para o horizonte, respirou fundo e declarou: "Hoje eu vou à cidade!" A ideia, que parecia inusitada, foi recebida com entusiasmo por seus amigos da fazenda.

Na manhã seguinte, Seu Zé acordou cedo, caprichou no banho e vestiu sua melhor roupa — uma camisa de flanela e calças que pareciam ter visto melhores dias, mas que ele achava que eram um verdadeiro charme. "Vou impressionar o povo da cidade!", pensou. Com uma sacola de frutas frescas da fazenda para comer durante a viagem, ele partiu em direção à cidade.

A viagem de ônibus foi uma aventura à parte. Seu Zé, sentado ao lado de um grupo de jovens que mal conseguiam parar de olhar para as telas dos celulares, começou a se sentir um pouco deslocado. 

"Que coisa estranha é essa de ficar olhando para a tela? Na minha época, a gente olhava nos olhos das pessoas", murmurou, enquanto observava as pessoas na rodovia. Assim que chegou ao terminal rodoviário, a realidade da cidade o atingiu como um balde de água fria.

Logo, ele se viu cercado por carros, buzinas e um movimento frenético que o deixou atordoado. 

"Uai, mas onde estão as vacas?", pensou, enquanto tentava atravessar a rua sem se tornar uma estatística de trânsito.

Seu Zé decidiu começar sua jornada pelo centro da cidade. A primeira parada foi uma cafeteria, onde ele viu um cardápio escrito em uma língua que mais parecia um enigma. 

"Um 'cappuccino'? Isso é café ou remédio?", questionou, enquanto olhava para a barista com uma expressão de confusão. Afinal, pediu um simples café preto, mas não sem antes receber um olhar curioso da atendente, que provavelmente nunca havia visto um cliente tão despretensioso.

Depois de se reabastecer, decidiu explorar as lojas. Entrou em uma boutique cheia de roupas que pareciam mais uma pintura abstrata do que vestuário. 

"O que é isso? Um vestido ou uma bandeira de sinalização?", ele pensou, tentando entender como aquilo poderia ser considerado moda. 

A vendedora, tentando ajudar, ofereceu um vestido com estampa de flores. "Esse aqui, senhor, é super na moda!" 

Seu Zé olhou para o vestido e, com um sorriso, respondeu: "Na minha fazenda, só as vacas usam flores!"

Após algumas horas de exploração, Seu Zé decidiu que era hora de ver o que mais a cidade tinha a oferecer. Ele se aventurou em um shopping, onde as lojas pareciam labirintos e as pessoas andavam com uma pressa que o deixava tonto. 

"Uai, será que tem um concurso de quem chega primeiro na loja?", ele se perguntou, enquanto observava um grupo de jovens correndo em direção a uma promoção.

Ao passar por um corredor, viu uma máquina de refrigerante. Curioso, decidiu experimentar. "Um 'refri de limão'?", ele leu. Com a inocência genuína de quem nunca havia visto uma máquina dessas, decidiu apertar os botões. O resultado? Uma explosão de soda que o deixou encharcado e com uma expressão de espanto. 

"Pelo amor de Deus! Isso é um ataque de limão!", gritou, enquanto os jovens ao redor riam da cena.

Mas a verdadeira aventura estava apenas começando. Ao sair do shopping, Seu Zé decidiu que queria conhecer um pouco mais da cultura local. Assim, seguiu a música que saía de um parque próximo. 

Ao chegar, viu um grupo de pessoas dançando e fazendo uma espécie de "flash mob". Ele, que nunca tinha ouvido falar disso, decidiu que era sua vez de brilhar. Com um passo de dança bem caipira, começou a rodopiar, chamando a atenção de todos.

A cena era hilária: um fazendeiro dançando ao som de uma batida eletrônica, enquanto os jovens ao redor tentavam imitar seus passos. 

"Isso é como um forró, mas com mais luzes e menos sanfona!", pensou, rindo da situação. 

Em poucos minutos, Seu Zé virou a estrela do parque. As pessoas começaram a gravar e compartilhar, e ele se sentiu como um verdadeiro artista.

Ao final do dia, cansado mas feliz, Seu Zé decidiu que já era hora de voltar para casa. 

No ônibus de volta, ele refletiu sobre a aventura. "A cidade é cheia de coisas estranhas, mas também tem seu charme", pensou, enquanto olhava pela janela e via as luzes piscando. "Mas, no fundo, ainda prefiro meu campo, minhas vacas e o cheiro de terra molhada."

E assim, Seu Zé voltou para a fazenda, não apenas como um fazendeiro, mas como um verdadeiro "caipira urbano". A cidade havia lhe ensinado que, às vezes, é preciso sair da zona de conforto e se deixar levar pela vida, mesmo que isso signifique dançar com um grupo de desconhecidos e se encharcar de refrigerante. 

Afinal, a vida é feita de experiências, e cada uma delas, por mais estranha que seja, traz um sorriso e uma boa história para contar.

Quando Seu Zé finalmente chegou à fazenda, o sol já começava a se pôr, tingindo o céu de laranja e roxo. As vacas, que sempre esperavam ansiosas pelo retorno do fazendeiro, se aproximaram, como se também quisessem saber das novidades. Mas Seu Zé tinha algo muito mais emocionante para compartilhar com sua turma.

Ele se sentou na varanda, cercado por seus amigos, que já estavam prontos para ouvir as histórias da cidade. Com um sorriso no rosto e um brilho nos olhos, começou a narrar suas aventuras urbanas. A conversa continuou com histórias de outrora, risadas e lembranças. O crepúsculo já havia se instalado, e a fazenda, com seu charme rústico, parecia mais acolhedora do que nunca.

"Então, Seu Zé, quando você vai voltar à cidade?", perguntou um dos amigos, ainda rindo da dança.

"Ah, quem sabe no próximo verão, mas da próxima vez vou levar vocês comigo! Imaginem a cena: nós todos, com nossos chapéus de palha, tentando entender o que é um 'cappuccino' e dançando um forró no meio da cidade. Vai ser uma verdadeira farra!", respondeu Seu Zé, piscando.

E assim, entre risadas e histórias, a noite na fazenda seguia tranquila, com cada um refletindo sobre suas próprias aventuras, ou a falta delas. Afinal, a vida é feita de experiências, e, com um pouco de humor e a boa companhia de amigos, qualquer dia pode se tornar uma grande história para contar.

Fontes: 
José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Nenhum comentário: