Visitar o médico é uma daquelas experiências que pode ser tanto um drama quanto uma comédia, dependendo da sua perspectiva. A sala de espera, por exemplo, é um espaço que parece estar fora do tempo e do espaço, onde a normalidade dá lugar a um espetáculo de peculiaridades humanas.
Logo ao entrar, você é recebido por um cheiro familiar de desinfetante misturado com um toque sutil de ansiedade. A primeira coisa que se vê é a recepcionista, que tem a habilidade mágica de fazer a fila de espera parecer uma maratona. Ela é a guardiã da porta do conhecimento médico e, ao mesmo tempo, a porta-voz da boa e velha burocracia. Com um olhar que poderia congelar o mais corajoso dos pacientes, ela diz a frase que já virou um clássico: “O médico já vai atender”.
E ali está você, sentado em uma cadeira que parece ter sido projetada para torturar, cercado por uma variedade de personagens que poderiam facilmente ser protagonistas de um filme.
À sua esquerda, uma senhora idosa que, com certeza, já passou por mais consultas do que você pode imaginar. Ela está equipada com um caderno e uma caneta, anotando tudo o que o médico diz, como se estivesse escrevendo um best-seller sobre “Como Sobreviver a Consultas Médicas”. A cada espirro e tosse, ela lança olhares severos, como se estivesse julgando a saúde de todos ao redor.
À sua direita, um jovem que parece recém-saído de uma festa “rave” tenta esconder o fato de que está ali por pura pressão social. Ele está com a cara de quem acabou de descobrir que o “mal-estar” que sentiu na noite passada não era apenas uma ressaca. Enquanto isso, ele observa nervosamente os outros pacientes, como se estivesse em um episódio de “Survivor”. A cada chamada do médico, ele dá um pequeno pulo, como se temesse que seu nome fosse o próximo.
E então, a conversa na sala de espera começa. O “Hipocondríaco” é o verdadeiro protagonista. Ele olha para o seu celular e faz uma pesquisa sobre os sintomas que não tem, mas que, se você perguntar, ele descreverá com detalhes que fariam qualquer médico levantar uma sobrancelha.
“Você já sentiu essa dor estranha aqui?” ele pergunta, apontando para a parte mais improvável do corpo. Os outros pacientes, em sua maioria, tentam ignorá-lo, mas é impossível não se deixar levar pela espiral de paranoia que ele cria.
Quando o médico finalmente o chama, você tem a impressão de que a sala de espera inteira respira aliviada, como se um resgate tivesse ocorrido.
Ao entrar no consultório, você se depara com o “médico zen”, que parece mais um guru do que um profissional de saúde. Ele está cercado por plantas, livros de autoajuda e um difusor de óleos essenciais que exala um aroma que poderia facilmente ser confundido com um spa.
“Como você se sente hoje?” ele pergunta, enquanto você tenta encontrar as palavras entre a serenidade da sala e a ansiedade que lhe acompanha.
Enquanto você fala sobre seus sintomas, ele escuta com um olhar que mistura interesse genuíno e uma leve confusão, como se estivesse tentando resolver um quebra-cabeça.
Quando você menciona que a dor é “como uma picada de abelha”, ele acena, como se tivesse acabado de descobrir a resposta para a última charada do jogo.
“Vamos fazer alguns exames”, ele diz, e você se pergunta se isso significa que ele vai te transformar em um experimento de laboratório.
Após a consulta, você volta à sala de espera, onde o “Hipocondríaco” agora está em uma fase de autodiagnóstico avançado. Ele discute com a senhora idosa, que, para sua surpresa, parece estar concordando com suas teorias mirabolantes. É como assistir a um documentário sobre fauna e flora, mas com muito mais drama. A cada espirro, ele se inclina mais perto dela, em busca de uma validação que nunca chega.
Finalmente, chega a sua vez de sair do consultório. Você percebe que a sala de espera tem sua própria linguagem. Os olhares trocados entre os pacientes são como um código secreto que apenas eles entendem. Há um entendimento tácito de que todos ali estão enfrentando um mesmo desafio. E, enquanto você se despede do “Médico Zen” e sai do consultório, não consegue deixar de pensar que, apesar do estresse, a visita ao médico é uma verdadeira comédia humana.
Ao se encaminhar para a saída do consultório, você se depara com a recepcionista mais uma vez. Ela sorri, mas, ao mesmo tempo, parece estar esperando que você diga algo extraordinário.
“E aí, tudo certo?” pergunta, como se a resposta pudesse mudar o curso da medicina. E você, em um momento de reflexões profundas, responde: “Sim, tudo ótimo, exceto por ter que voltar aqui na próxima consulta”.
E assim, você deixa o consultório, levando consigo não apenas receitas e conselhos médicos, mas também uma coleção de histórias.
Visitas ao médico são, no fundo, uma mistura de comédia e drama, onde cada paciente é uma peça única no grande quebra-cabeça da saúde.
Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.
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