ÀS VEZES, a vida apronta das suas e nos surpreende nos momentos mais inesperados. Caminhando pela Avenida Paulista, na altura do MASP, em São Paulo, Eduardo se viu imerso nos sons e atropelos de uma metrópole agitada. Seus passos rápidos denunciavam uma rotina enervante ao tempo em que seu olhar vagava, curioso, pelas faces anônimas que cruzavam num vai e vem desordenado. Foi aí que aconteceu. Ela surgiu como um raio de luz em meio à multidão. Vestida de forma simples, porém com uma elegância impar e um ar de sofisticação, suas emoções cintilavam com um amálgama de mistério e ternura. Eduardo não conseguiu desviar a atenção, sentindo uma discrepância diferente, pesada e inexplicável.
Então, em um instante que lhe pareceu dulcificado, seus olhares se galantearam por breves segundos. O bastante, para que o mundo ao redor se dissolvesse em uma espécie rara de acolhimento. Sem pensar, sem hesitar, ele se aproximou. Se mediram da cabeça aos pés. Não trocavam palavras. Apenas o silêncio da linguagem do amor pairando acima de suas cabeças. Antes que ele percebesse, estava tão próximo dela que podia sentir o calor da respiração e até as batidas descompassadas do coração daquela princesa. O beijo aconteceu partindo dele. E ela, se permitiu sem se constranger em meio aos apressados que se esbarravam, uns aos outros, naquela cadência incessante do ir e vir.
Pelo ato impensado, Eduardo se preparou para levar um tremendo tapa no meio da cara, ou no pior de tudo, ela se revoltasse e chamasse a polícia. Nada disso aconteceu. O beijo foi breve, certeiro e intenso. Fatal. O bastante, para selar um encontro de almas mais do que de lábios. Na verdade, um impulsivo regido por uma força maior que ambos. Durou apenas alguns segundos, e neles, o tempo parecia ter parado. De fato, estancou. Quando se separaram, não houve palavras ofensivas, apenas sorrisos tímidos e o entendimento glamoroso de que algo inexplicável acontecera. Ela, tímida e enrubescida, se afastou. A mão direita cobrindo os lábios, como se pretendesse envolver o beijo não autorizado num gesto de felicidade.
Dessa forma rápida e rasteira, ela seguiu em frente e voltou a se misturar com o agrupamento que a cada minuto mais e mais se avolumava. Eduardo permaneceu como se voasse sem sair do chão. Seus pés pareciam colados à calçada, em vista daquela sucção espetaculosa. Por algum tempo, ficou ali feito um bobo apalermado, a boca escancarada num entreaberto, se deleitando com o sabor do momento gravado na memória. A vida voltou ao normal. O enxurro (ralé) da massa humana continuou a rolar sem interrupção. O barulho da cidade retomou o seu curso tresloucado. Eduardo sabia que aquele breve gesto de tocar uma fenda bucal ádvena (sic* estrangeiro?), assediada com aquele efêmero beijo, seria algo que carregaria consigo para sempre, como um lembrete de que, mesmo no meio da rotina mais frenética, a impulsividade do surreal havia acontecido e ele estava feliz só de pensar nessa possibilidade.
Nos dias que se seguiram após o “beijo violado” gualdido (sic* esbanjado?) ao furto desgovernado nos lábios carnudos daquela estranha, ele continuou fazendo o mesmo caminho (fosse indo ou vindo) na esperança de revê-la. Contudo, para seu desassossego, Eduardo nunca mais a encontrou, porém, em seu âmago, ele sabia, ou melhor, tinha certeza que embora tivesse sido um “choque” breve e ligeiro de beiços, o ato, em si, havia marcado a sua vida de uma maneira etérea. Em outras ocasiões cada vez que se embrenhava pela Avenida Paulista, seu afligir renovava aquela possibilidade (ainda que distante) de que um dia veria novamente a pecaminosa pessoinha que mudou todo o seu “eu” interior tanto por dentro, como por fora.
Nas suas andanças posteriores, incansavelmente buscava por aquele brilho especial, na esperança imorredoura de reviver a estrondosa conexão mágica. Mesmo sem reencontrá-la, o ato de oscular uma deia e sonificada (sic*) mulher em plena Paulista, se tornou um lembrete constante de que, em meio à rotina caótica, e momentos inesperados esses entraves poderiam trazer uma alegria inexplicável e transformar um dia comum em algo extraordinário. Embora não soubesse o nome da teteia, Eduardo alimentava a lembrança imperecível daquele roçar de lábios, como um tesouro, um testemunho silencioso da beleza de um comenos (momento) que a vida, assim do nada, lhe ofereceu de bandeja.
Quase um mês depois, sabia que o seu sonho de voltar a satisfazer seus anseios se deliciando com aquela formosa, não mais se repetiria. Cada um seguiu sua própria estrada após aquele abrupto indeliberado. A vida continuou, e às vezes, a mágica está apenas guardada numa efemeridade que não se repete. Apesar disso, Eduardo guardou a sete chaves, a lembrança daquele gesto assarapolhado (atrapalhado), como um tesouro raro, audacioso do ato por ele praticado, ou melhor, de uma loucura que se fez assim, do nada (apesar de real e inesquecível) por razões outras prevaleceu misturado a beleza impar das “topadas” fortuitas que surgem quando menos se espera.
Lembrava sempre que não trocaram palavras nomes nem contatos. Foi um momento só, um acidental puro e isolado, que não precisava de continuidade para ter significado. Ainda assim, ele sempre se perguntava quem seria aquela deliciosa, de corpo escultural, de rostinho de princesa e como levava a sua vida cotidiana? Por outro lado, esse mistério preservou intacto o sonho audacioso do momento, transformando aquele simples e rápido beijo extorquido em uma lenda pessoal, tipo um conto de fadas para ser lembrado em noites solitárias e dias nublados. Às vezes, a beleza da vida, ou o início de uma paixão avassaladora, está justamente na impossibilidade de voltar atrás, e aquele topar ao acaso, se tornou um símbolo disso – ou seja –, se fez mais que um ato de coragem e bravura, uma espontaneidade que iluminou para sempre, a sua existência cotidiana.
A vida tem suas próprias maneiras de surpreender. Exatos seis meses depois daquele beijo de cena memorável, Eduardo se fazia sentado na “Bovinu’s Grill" (também na Avenida Paulista) tomando um café tranquilo e folheando um livro, quando sentiu, lá fora, na calçada, um olhar familiar. Ao levantar-se de seus devaneios, Nossa Senhora! Por Deus, lá estava ela, a mesma pérola nacarada, a garota com aquele brilho inesquecível no rostinho de boneca que ele nunca esquecera. Surpresos e encantados, ao se reconhecerem, sorriram um para o outro. Ato contínuo, reavivando e reacendendo a antiga homologia (sic* analogia?) advinda de um simples beijo tomado à força, na marra, atrelado ao gosto das trocas de salivas que os uniram naquele dia distanciado se transfigurando e se fazendo imensurável, um correu de encontro ao outro.
Dessa vez, ao se “pegarem,” não deixaram que o audacioso passasse. Se beijaram, em ímpetos soberbos e, em seguida, arranjaram junto ao garçom, um lugar mais reservado lá para os fundos para conversarem E fizeram isso por horas. À medida em que o tempo passava, iam se redescobrindo e o melhor de tudo, se vangloriaram a compartilharem, numa mesma jornada, as suas impudências adormecidas. Aquele reencontro não foi planejado, tampouco premeditado, menos ainda esperado. Aconteceu assim, ao acaso, como se o destino tivesse conspirado para uni-los novamente. Dessa forma, Eduardo e ela (o nome da preciosa era Paloma) se entrecruzaram. Movido por um breve ato impulsivo de beijar uma donzela no meio de uma via pública, essa insânia paranoia contribuiu, sobremaneira, para algo muito maior, provando que, às vezes, a vida agitada em sua conturbação desenfreada, reserva segundas chances para aqueles que se atrevem a seguir os impulsos de seus desejos mais prementes.
Nesse embalo de mil tons de instantâneos pressurosos, Eduardo e Paloma decidiram não deixar o destino ao acaso. O reencontro marcou definitivamente o início de algo muito especial. Eles passaram a se ver regularmente, redescobrindo o maravilhoso de um amor que a cada dia prosperava para se tornar em algo que não poderia ser medido. De fato, esse manente (constante) se rejuvenesceu e se agigantou por consequência daquele simples beijo que Eduardo roubou sem pensar no que poderia advir depois. Aquela moça, como uma Iracema saída das páginas de José de Alencar, que ele nunca antes havia visto, se fez a sua namorada. Pouco tempo à frente, noivaram e casaram. Hoje, passados dois anos, aquela joia de extremo valor está grávida do primeiro filho.
O que começou como um encontro abstruso (confuso) de um beijo afanado em pleno reboliço da Avenida Paulista, voou imarcescível (duradouro) para um relacionamento profundo e significativo. A vida deles, por conta, mudou. Guinou 360 graus, descambando para um patamar que nunca poderiam ter previsto. Aquele simples e breve ato de Eduardo beijar uma alienígena no burburinho da Avenida Paulista, se tornou o ponto de partida para uma história inesquecível de amor pleno que desafiou as probabilidades e provou que os momentos mais inesperados podem levar às maiores e bem-aventuradas cartadas de sucesso. Realmente, a vida, às vezes imita as histórias românticas que encontramos nos livros ou vemos nos filmes.
Na maioria, esses encontros mais significativos surgem de formas, as mais sutis e cotidianas, e no caso de Eduardo, um simples beijo na calçada, no meio da rua, poderia parecer improvável como início de uma bela e insofismável história de amor. Devemos ter em mente, que a beleza da vida está em sua imprevisibilidade. Os entrelaçamentos humanos surgem dos lugares mais inesperados, seja num sorriso trocado no metrô, ou dentro do ônibus, "usque" (em latim: até) uma conversa casual em uma fila de banco ou, quem sabe, um trocar de gestos apaixonados em um café ou dentro de um elevador. É essa incerteza deslumbrante que mantém pulsante a magia eloquente da vida abundante e nos lembra de estarmos sempre abertos para todas as possibilidades que o cotidiano, de uma maneira inverossímil e assombrosa tem a nos oferecer.
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* Nota do blog: (sic) é relativo a palavras inexistentes no dicionário ou sem sentido no parágrafo, talvez por distração do autor.
Fonte: Texto enviado pelo autor
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