Mal pus os pés no chão, ouvi um barulho diferente vindo da janela da sala de estar. Eu ouvia periódicas batidas no vidro, no que me apressei em afastar as cortinas para descobrir a causa de tal barulho.
A manhã ainda guardava uma névoa da madrugada, e o sol era apenas uma fresta a dar um tom azul-grisalho para o céu, ostentando suas dimensões nas peculiaridades infinitas: cada canto era um novo sabor a inundar os olhos, alumiando as retinas recém-acordadas.
O visitante que batia no vidro tinha a beleza de uma pétala e a efemeridade de uma gota de orvalho: um canário vinha chamar a atenção nas vidraças repleto de fugacidade a ensolarar aquele pedaço de manhã.
Minha primeira reação foi de espanto; não se tratava de uma visita típica, e o sabor da primeira vez possui nuances de felicidade.
Desde então, recebo-o todos os dias por volta do mesmo horário, como se viesse a mando do sol para anunciar a vida, repleto da leveza e da altivez própria dos pássaros, sempre trazendo o aprazimento que incendeia o espírito com seus manifestos trilantes.
Tenho para mim que ele vem me visitar por uns versos: a inspiração bate asas e toca com o bico na janela de casa, voando para o fio com sua beleza fundamental quando me aproximo para lhe contemplar.
Eu, no entanto, dou-lhe esta prosa na esperança de que retorne na próxima manhã e me traga as boas-novas do dia, extraindo de mim um primeiro riso a caçoar do tempo, posto que o vento me traz um suspiro de enlevo a me tornar locupleto.
As aves são fascinantes; fico a observar os serelepes passarinhos a sobrevoar a praça; os inquietos cantores no alto das árvores; e até aqueles que, podendo voar, arriscam-se a passear no chão, em pulinhos sem rumo à procura de algo para beliscar.
Meu visitante é um desses tantos pequeninos – fragmento de natureza - a traduzir seus sentimentos em cantos, numa pureza intocável, vítima da selvageria cega, incapaz de poluir a própria alma com mazelas do mundo: ele absorve as misérias e as dissipa pelo universo, talismã que é.
Queria eu poder não ser notado para abrir a janela e observá-lo calmamente mais de perto, pois pedaços do céu não ficam por muito tempo: esvoaçam no primeiro olhar de um admirador terreno - mal sabe que o quero era liberdade!
Há quem não entenda a beleza das aves; presas em gaiolas, são bibelôs a simbolizar o cárcere, pois desconhecem os infinitos azuis e cantam pela alforria num divino lamento. Soltas, guardam latente o lirismo que traduz a alma, são versos insensatos a nos advertir sobre o valor da existência - basta ter ouvidos para suas batidas na janela.
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* O autor é de Campos dos Goytacazes/RJ
(esta crônica obteve o 3. Lugar no Concurso de Crônicas Adulto Nacional “Foed Castro Chamma”, em 2020, com o tema Aurora)
Fontes: Luiza Fillus/ Bruno Pedro Bitencourt/ Flávio José Dalazona (org.). III Concurso Literário “Foed Castro Chamma 2020”. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2021. Livro enviado por Luiza Fillus.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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