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Deem-lhe a forma que quiserem, cores que apetecerem e embalagens que imaginarem, o algodão-doce é e continuará como símbolo de alegria e terá sempre o formato do sorriso de criança ao descobrir a delícia.
Garanto que sua receita saiu da imaginação do mais requintado anjo, desses que fazem de um tudo quando estão de bem com a vida.
Eram momentos de espera quando, nas férias escolares, circos e parques de diversões aportavam na cidade. Criavam expectativa desde a montagem com homens movimentando peças e a grande lona, os extensos cordões incandescentes, até a bela iluminação da portaria a dizer a que veio.
Vivas eram dadas quando alguém aparecia com o indefectível carrinho de chapa esmaltada contornado de vidros e, de posse de uma corneta acionada a apertos de mãos, anunciava num megafone de lata o famoso doce. Havia também pipocas, balas, pirulitos, mas nenhum se igualava ao sabor indiscutível do algodão.
As buzinadas assanhavam lombrigas, enchiam de água nossas bocas, arregalavam nossos olhos movidos pela excitação que nos levava a buscar moedas nos bolsos dos pais, ou licença de mães para mexermos na caneca de trocados.
Um algodão-doce valia o dia! A semana! As férias inteiras.
Eram instantes de agonia que encorajavam na fila reacendendo a fé, porque comer algodão-doce naquela época, só mesmo nessas ocasiões. Não havia as máquinas que hoje habitam shoppings, nem a gastura imposta pela medicina de que provoca cáries em crianças e diabetes em adultos. Ninguém ligava para isso. Médicos, dentistas, eram difíceis de encontrar e, quando se os encontravam, estavam na fila do algodão também.
Delícia era permanecer ali, uma verdadeira tourada à inquietação, até chegar nossa vez e acompanhar, encantados, a vibração do disco quente a produzir teias de fios finíssimos, que rapidamente se amontoavam e engrossavam ao redor de uma hastezinha de bambu inteirando-se em alvos e doces chumaços a adoçar nosso desejo, inquietação, harmonia e felicidade.
Nossos olhos se injetavam nas órbitas, esperando o momento da primeira bocada morna que rapidamente sumia derretida calcando na boca o sabor inigualável do açúcar queimado, para deixar fiapos incrustados ao redor da boca até o nariz que nos faziam estirar a língua para não perder um tico da gostosura... Coisas que produziam felicidade na simplicidade do algodão.
Ouso dizer que não conheço doce mais doce a se inventar, não com a doçura definitiva e inconfundível que trazia o bem-querer entre a transição da infância e puberdade.
Claro que cada um pode escolher qualquer doce que represente o sorriso.
O doce que escolho se esconde no açúcar trefilado por aquecimento e centrifugação em máquinas especiais, magicamente transformado em fios e estes em chumaços... como os que encontrávamos nas portas de circos e parques, no saudoso ontem.
Fontes: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing
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