Retomo sempre que posso o início de vida de cada uma das minhas filhas, recordando o primeiro choro que ouvi, de cada uma separadamente na sala de parto. Gosto de parar e notar o quanto progrediram! Fabiana chorou logo, Patrícia demorou e levou umas palmadas nas costas, mas pronunciou-se fortemente, fazendo o avô, na sala de espera, dizer: “Pelo choro, será tão inteligente quanto a outra!”. Digressão psicológica tirada, talvez, em conversa de calçada com Sylvio Rabello. Depois, Carolina nem queria sair da barriga, fazendo Jorge Regueira rebuscar o ventre à procura dela, mostrando quando quis e bem entendeu o pé, veio à luz de cabeça para baixo. Chegou e chorou, deu o grito das outras, igual ao de Fabiana e tão estridente quanto o de Patrícia.
Agora, já estão todas mais na frente! Fabiana rodopiando no balé, calçando a sapatilha de ponta. Chega do ensaio, conversa com Catarina e Karina, confessa: “Vou tirar um retrato com a minha sapatilha de ponta!”. Depois, volta-se para mim e define, deseja - isso sim! - substituir a foto de seu quarto de uma bela moça atacando a sapatilha por seu próprio retrato.
Concordo e me disponho a ser o fotógrafo oficial do grupo!
Patrícia ingressa na adolescência, pelo menos pretende isso e aparece no Shopping Center todos os sábados para fazer o footing, como dizem os do meu tempo, imitando os americanos, e não gosta ela que se fale agora. Vai e volta, anda pra lá e pra cá, paquera de um e de outro lado, mas vez ou outra é tomada pelo desejo infantil, pede dinheiro e monta o cavalinho que sai rodopiando no salão.
Carolina é pixote, agarra-se à boneca, instala-se na casa dos sonhos de criança e tome briga com Catarina. Mas, se Catarina não vier, a boca vai lá embaixo e a chorumela é grande!
São três meninas diferentes, três cabecinhas completamente diversas, uma quase moça, outra forçando a chegada, embora presa na brincadeirada da idade e a pequena, sem saber das paqueras da vida, agarra-se com a boneca e se encanta com as estórias das fadas e das bruxas.
Eu virei motorista, levo Fabiana e trago Patrícia, secretariado, sempre, por Carol, que diz: “Painho! Menina pequena pode ir?”. Se disser que pode ela vai, se falar que não, ela fica, imperturbável, tranquila. É programa de toda ordem, festa de aniversário e festa sem motivo! O carro abarrotado, gente por todo lado! Aí, Catarina me explica que Pedro – o pai –, não pôde vir, ocupado como está no Palácio do Governo. Digo eu, então, a ela: “Seu pai é um fidalgo! Nasceu em tempo errado! Elegante como um Prefeito, mas simples como Pedro, o pescador da Galileia!”.
Ela não entende bem, mas garante que vai dizer ao pai!
Fabiana divagando, qual bailarina no palco, confessa ao meu ouvido, satisfeita e vibrante, quase gritando: “Painho! Quebrei a sapatilha de ponta!”. “Ah, meu Deus, não me diga uma coisa dessa!”. Tem que quebrar, mesmo, é a explicação que recebo!
Eis a vida de pai, em três idades diferentes!
(Texto escrito na adolescência da filha mais velha, na pré-adolescência da segunda filha e na infância da terceira).
Fonte: Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público
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