sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Arthur Thomaz (Medeia, a Bruxa no Brasil)

Um choro chama a atenção dos transeuntes, mas todos passam indiferentes, cada qual com seus problemas.

Sentada à beira da calçada em prantos, vejo uma pessoa que reconheço dos livros de mitologia grega .

Sento-me ao lado dela e quando a chamo pelo nome, Medeia, a bruxa, acalma-se ao se ver reconhecida.

Esboçou um sorriso molhado de lágrimas, mas que a mim pareceu extremamente encantador.

Indaguei o motivo de tão sentido choro e ela, então, sentindo confiança desabafou. Ela tinha um emprego árduo, sem direito a férias, sem insalubridade e sem plano de saúde. Trabalhava oito horas por dia e o descanso aos domingos não era remunerado.

Sujeitava-se a essas condições porque tinha duas irmãs menores que dependiam dela. Juntou algum dinheiro, deixou as duas bruxinhas com uma tia, pediu demissão e veio tentar a sorte no Brasil porque ouvira dizer que, aqui, o povo fazia mágica para se sustentar.

Nesse momento, tentei mostrar a ela que não era o mesmo tipo de magia que ela praticava.

Continuou afirmando que fizera um voo em sua vassoura, quase sem escalas, tremendamente cansativo. Saíra de lá com temperatura muito baixa e aqui encontrara o verão carioca. Após aterrissar, deparou-se com um gari que tomou sua vassoura e saiu sambando. 

A vassoura não se inibiu e ensaiou alguns passos. Tive que correr para pegá-la de volta, pois já estavam indo para o sambódromo.

Depois desse incidente estava passeando a pé, quando uma moça, com uniforme de faxineira, tomou a vassoura dizendo que ela iria ajudar no serviço.

Perguntei se ela não estava reparando que eu era uma bruxa. Ela, com um sorriso malicioso disse que eu era uma gracinha e me convidou para subir ao apartamento porque a patroa só chegaria à noite e poderíamos usar a cama do casal. Consegui retomar minha vassoura e saí voando antes que ela me beijasse. 

Entendi os motivos do choro e tentei explicar a ela que nem tudo por aqui era assim.

Saímos passeando pela orla, quando dois pivetes, em uma moto, anunciaram o assalto.

Não deu certo para eles porque a vassoura irritada deu-lhes uma tremenda surra.

Então eu disse que segundo Eurípides o seu "biógrafo" ela possuía poderes maléficos suficientes para resolver os contratempos que tivera desde sua chegada.

Com sonora gargalhada respondeu que todos os escritores são exagerados e completou dizendo que, se tivesse agido dessa forma e alguém filmasse as cenas, ela jamais conseguiria emprego aqui no Brasil.

Fui obrigado a concordar e passamos a falar desse assunto, pensando em quais seriam as possibilidades de arrumar um serviço aqui .

Ela disse que tinha aptidão para culinária, mas ao me lembrar do que fez nos caldeirões, logo afastei esta opção. Como babá também não seria conveniente devido aos antecedentes.

Nisso passou pelas areias um ambulante vendendo biscoito Globo e mate gelado. 

Nos entreolhamos e, imediatamente, surgiu a solução.

Hoje, Medeia percorre as praias da zona sul, em trajes de bruxa, vendendo pequenas vassouras, bradando que eram para manter nossas praias limpas. Rapidamente, tornou-se um sucesso de vendas.

Trouxe as duas irmãs para ajudá-la e abriu uma empresa, "Medeia Ltda", recolhe impostos regularmente, adquiriu a cidadania brasileira e terá sua aposentadoria pelo INSS garantida.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: mirabolantes. Santos/SP: Bueno ed., 2021. E-book enviado pelo autor

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