sábado, 23 de novembro de 2024

José Feldman (A Última Noite de Natal)

Era uma véspera de Natal na cidade. As luzes coloridas piscavam nas janelas, e as vitrines das lojas estavam adornadas com enfeites brilhantes e delicadas árvores de Natal, mas para João, um homem idoso de cabelos brancos e mãos enrugadas, tudo isso parecia distante, quase irrelevante. Ele caminhava lentamente pelas ruas, seu coração pesado com a solidão que o acompanhava como uma sombra.

As ruas estavam repletas de famílias, risadas e abraços calorosos, mas João se sentia como um espectador em um mundo que não o incluía. Ele parou em frente a uma vitrine que exibia uma bela mesa posta, com pratos finamente decorados e presentes embrulhados com cuidado. A cena o fez lembrar de tempos passados, quando sua casa estava cheia de vida e alegria, repleta de vozes familiares e risadas. Agora, tudo o que restava eram memórias.

Continuou seu passeio, observando as luzes refletindo na água acumulada em poças. O cheiro de pinheiro e canela pairava no ar, misturado ao aroma de castanhas assadas e chocolate quente. Cada passo que dava parecia ecoar em seu coração, um lembrete doloroso de sua solidão. Ele desejou que, ao menos, alguém o reconhecesse, que alguém o olhasse nos olhos e dissesse que ainda se importava.

Após algumas horas vagando pelas ruas, ele decidiu voltar para casa. A caminho, as paredes de sua pequena casa pareciam ainda mais frias. Assim que abriu a porta, uma onda de calor e amor o atingiu. Sua fiel companheira, Mila, uma cachorrinha de velhos cabelos grisalhos, com seus 17 anos de idade, estava à espera. Os olhos dela brilhavam com alegria ao vê-lo, e ela foi em direção a seus pés, abanando o rabo com entusiasmo. Para João, Mila era a única que sempre esteve ao seu lado, que nunca o abandonou.

Sentou-se no sofá, e Mila se acomodou sobre suas pernas, como fazia sempre. O calor do corpo dela confortava o coração de João, que, mesmo em meio à solidão, encontrava consolo na presença da sua amiga. Ele acariciou sua cabeça, sentindo a suavidade de seu pelo. Mas, à medida que o tempo passava, uma inquietação começou a crescer dentro dele. Algo não parecia certo.

Ele olhou para Mila e, de repente, percebeu que seu pequeno peito não subia e descia. O coração de João afundou. Ele a chamou, mas não houve resposta. Com mãos trêmulas, ele a pegou e a colocou em seu colo, mas a sua fiel companheira não reagiu. O desespero tomou conta dele ao perceber que Mila havia partido.

As lágrimas escorriam pelo seu rosto enrugado enquanto ele a segurava, a dor da perda se misturando à solidão que já o consumia. Ele a havia prometido que nunca a abandonaria, que sempre estariam juntos. Agora, ele se sentia perdido, sem saber como seguir em frente.

Com o coração pesado, João, segurando Mila em seus braços, em meio ao luto, começou a rezar. Com a voz embargada, pediu a Deus que o levasse também, que o levasse para estar com sua fiel amiga, onde quer que ela estivesse. Ele não queria viver em um mundo sem ela, sua única companheira que sempre o amou incondicionalmente.

“Meu Deus,” ele murmurou, “leve-me para onde ela está. Eu prometi que nunca a deixaria sozinha. Se for possível, que eu possa encontrá-la novamente.”

As palavras saíam de seu coração, um apelo de um homem que já não tinha mais a quem recorrer. O som da cidade lá fora se tornava distante, enquanto sua alma se unia em um último desejo. Ao sentir a ausência de Mila, ele sabia que o amor verdadeiro não se extingue com a morte.

Então, como se Deus tivesse ouvido sua prece, João sentiu uma paz inexplicável invadir seu ser. Seu coração, que tantas vezes havia carregado a tristeza da solidão, começou a desacelerar. Ele olhou para Mila, agora tão serena em seus braços, e um sorriso triste surgiu em seu rosto. Em um último suspiro, ele se deixou levar, o peso da vida desaparecendo enquanto se reunia com sua querida companheira de tantos anos.

E assim, naquela noite de Natal, João e Mila partiram juntos, lado a lado, em um último abraço eterno. Na quietude daquele momento, eles encontraram o que tanto buscavam: a certeza de que, onde quer que estivessem, nunca mais estariam sozinhos.
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MORAL:
O sofrimento das pessoas idosas, como João, que se sentem abandonadas por parentes e amigos, é uma realidade dolorosa e muito frequente e muitas vezes invisível na sociedade. À medida que envelhecemos, as relações podem mudar, e muitos idosos enfrentam a solidão em um momento em que mais precisam de apoio e companhia.

A falta de tempo se torna uma desculpa comum, mas, para o idoso, essa ausência pode se traduzir em solidão profunda e tristeza. A sensação de que não são mais úteis é dolorosa e pode levar a um ciclo de desânimo e depressão. Videochamadas e mensagens podem ajudar, mas nada se compara ao calor de uma visita pessoal. Para muitos idosos, a falta de interação face a face amplifica a sensação de abandono, fazendo-os sentir que seus entes queridos estão longe não apenas fisicamente, mas também emocionalmente.

A tristeza da perda de um companheiro fiel, como no caso de João, pode ser devastadora, lembrando-os da fragilidade de suas relações e da inevitabilidade da morte. A história de João e Mila é um reflexo da realidade de muitos idosos que enfrentam o abandono e a solidão. É um chamado à empatia e à ação, lembrando-nos da importância de cultivar relações significativas e de cuidar daqueles que nos deram tanto ao longo de suas vidas. Cada gesto de amor e atenção pode fazer uma diferença significativa na vida de um idoso, ajudando a transformar a solidão em conexão e esperança.

Fontes: 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing 

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