terça-feira, 25 de dezembro de 2007

André Carneiro (Poesias)

MORO NA CARAVELA

Meu pai implantou
a ânsia das tarefas.
Acordo no tabuleiro pronto,
jogo contra o tempo.
Meu céu é vidro,
moro na caravela
no bojo da garrafa.
A mais de cem mil quilômetros por hora
viajo na cabine deste planeta
na mesma órbita.
0 fato sólido é vago
no cinema dos olhos.
Nazista dorme de farda,
um prisioneiro planeja,
o cogumelo gigante
calcinou lembranças eternas.
Verso deixa rastro,
anoto estratégias,
bebo absinto,
nem toco em asas douradas
dos besouros mexicanos.
0 amor é molhado,
as despedidas, secas.
Rejeições me matam,
mutante desesperado,
lambo escamas da sereia aflita
neste quarto.
No deserto, a formiga
prega a verdade para
um cristal de areia.
Procuro o sonho úmido
no púbis da memória,
acendo a pólvora das letras,
vôo em estilhaços no poema.

BARATAS SOBREVIVENTES

Invento a máquina
para trocar almas.
Você será eu
que serei você,
provisoriamente.
As circunvoluções
do seu labirinto cinzento,
sentirei "in loco".
Serei absurdo com seus olhos meus,
você saberá porque me impaciento
com sua mente arbitrária.
Talvez o gratuito me fascine
e a lógica seja apenas palavras.
A minha será sua voz,
serei o outro lado
e o sol sofrerá impávido
até o resfriamento total,
exatamente dez bilhões de anos
no calendário romano,
quando as baratas sobreviventes
estarão contentes
em outros diálogos.

INTERVALOS
Há intervalo entre pulmão cheio e ar expulso.
Há intervalo quando pisco,
o mundo desaparece e renasce
em centésimo de segundo.
No relógio, repito itinerários,
volto na mesma cama mas não sou o mesmo.
Fabrico dez milhões de células diárias,
cada centímetro quadrado de minha carne
já não é aquela na sua carne.
Grãos de areia mudam a praia,
enquanto durmo, folhas novas
crescem com o vento da madrugada,
corações batendo pintam novos cenários.
Há um intervalo depois do orgasmo.
Paro nesta linha e penso,
de ato em ato, sou mais feito de intervalos
do que fatos na cotidiana engrenagem.
Nem parar o pensamento consigo.
faço versos como um cego,
apalpando abaixo da pele,
você nua, a dobrar roupas na cadeira,
enquanto o planeta (seio azul de água),
gira desesperado no cósmico intervalo
de um deus inexplicável.

Fonte: http://www.amigodaalma.com.br/

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