quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Literatura Colonial e Pós-Colonial (Tereza Pinto Coelho)

A literatura colonial, identificada com um conjunto de textos que inclui romance, poesia, narrativas de viagem, relatos de missionários, diários, livros de notas e outros que propagandearam a ideia de império sobretudo a partir do século XIX , tem origem em textos muito anteriores aos quais vai beber metáforas e imagens, como as descrições de selvageria de Heródoto, os relatos de Marco Polo, Mandeville ou Haklyut. Seria, contudo, na virada do século, com a expansão colonial como a Inglaterra e a França, que iria desenvolver-se. A África, continente redescoberto pelos europeus nos anos 80 do século passado, surge então como cenário de inúmeros textos de autores como H. Rider Haggard, John Buchan, Mary Kingsley, Florence Dixie ou Joseph Conrad em Inglaterra e Pierre Loti, Paul Vigne D’Octon ou Paul Bonnetain em França. Também o império britânico na Índia é tema de Rudyard Kipling, E. M. Forster, G. A. Henty ou Alice Perrin.

Quanto à literatura pós-colonial considera-se, em geral, que tem início após a II Guerra Mundial sendo definida por Elleke Boehmer como “a literature which identified itself with the broad movement of resistence to, and transformation of, colonial societies.” (Colonial & Postcolonial Literature. Migrant Metaphors, Oxford University Press, 1995, p. 184). Entre as duas barreiras temporais citadas encontra-se todo um conjunto de textos que registram diferentes atitudes face ao império e que não poderão enquadrar-se numa designação única, já que, segundo a mesma autora, “initiatives which we now call postcolonial first began to emerge before,the time of formal independence, and therefore formed part of colonial literature” (Op.cit., p.5). Na verdade, já em Conrad e Forster se registram atitudes de resistência ao poder colonial, as quais iriam também encontrar expressão nos anos 20 e 30 nas obras de autores como Léopold Sédar Senghor (Senegal), Aimé Cesaire (Martinica) ou Bernard Binlin Dadié (Costa do Marfim). Vivendo em Paris, estes escritores tornaram positiva a imagem de “negritude”, anteriormente identificada como negativa e inferior pelo colonizador, passando a celebrá-la enquanto símbolo do institivo e misterioso da África negra.

É, porém, o movimento anti-colonial que se sucede a 1945 que traz consigo a literatura pós-colonial de que são exemplos autores como: Chinua Achebe, George Lamming, Ana Ata Aidoo, Alice Munro, Margaret Atwood, Patrick White (Prémio Nobel, 1973), Wole Soyinka (Prémio Nobel, 1986), J. M. Coetzee, Peter Carey ou Nadine Gordimer (Prémio Nobel, 1992), apenas para citar alguns.

É de se salientar que a partir dos anos 70, grupos cujas obras não eram até então consideradas, passam a figurar na literatura pós-colonial. São eles as mulheres (Am Ata Aidoo, Bessie Head, Keri Hulme, Michelle Cliff, Erna Brodber) e os povos indígenas (p. ex., os australianos aborígenes Sally Morgan e Mudrooroo ou os neozelandeses maori Witi Ilhimaera e Patricia Grace).

A eles se junta um terceiro grupo, os chamados migrant writers. Por diferentes razões, que vão desde a opção profissional ao exílio político, autores de nações outrora colonizadas passam a residir em Boston, Nova Iorque, Londres e Paris. É o caso de Salmom Rushdie, Ben Orki ou V. S. Naipul.

É também nos anos 70 que tem início a crítica literária pós-colonial, nomeadamente em 1978 com a publicação de Orientalism de Edward Said também ele migrant writer nos EUA e também ele, como Rushdie, com as suas obras atualmente banidas na Palestina. Desde então, a obra de Said tem dado origem a uma vasta bibliografia de análise crítica às suas teorias, bibliografia que muito tem influenciado as várias “leituras” de que têm sido objecto os textos coloniais e pós-coloniais. O que é sobretudo posto em causa na perspectiva “orientalista” de Said é o fato de este dividir o mundo em dois - o do colonizado - afirmando que o Orientalismo, que não existe na realidade sendo antes fabricado pelo Ocidente, constituir uma afirmação de poder por parte do colonizador ocidental face ao colonizado, sendo o primeiro sempre dominante e privilegiado do ponto de vista discursivo, social e político. Afirmações como “Orientalism depends for its stategy on this flexible positional superiority, which puts the Westerner in a whole series of possible relationships with Orient without ever losing him the relative upper hand” (Orientalism, Penguinm 1985, p. 7) têm sido postas em causa por vários autores. De uma forma ou de outra, todos apontam o reducionismo da metodologia de Said. Como afirma Bart Moore-Gilbert: “What unites such critics is a perception that said unifies homogenises the identity and operationality of colonial discourse to an unwarranted degree”(“Writing India, Reorienting Colonial Discourse Analyses”, in Writin India 1757-1990. The Literature of British India, 1996, p. 5).

Entre os críticos de Said destacam-se Homi Bhabha e Gayatri Chakravorty Spivak. Partindo da psicanálise, Bhabha mostra como as relações entre colonizadores e colonizados não são homogêneas, mas marcadas pela “ambivalência” (palavra-chave retirada da psicanálise) pondo em relevo a esfera insconsciente das relações coloniais e mostrando de que forma o sujeito colonial se converte em objeto de fantasia e desejo por parte do colonizador. Quanto a Spivak, põe em relevo a(s) história(s) do(s) “subalterno”(s), conceito que deve ser entendido como a diversidade dos grupos dominados e explorados silenciados pelo ponto de vista hegemônico da historiografia académica. Assim, propõe-se dar voz aos excluídos, nomeadamente às mulheres nativas subalternas, cujo ponto de vista nunca é ouvido, vítimas que são da visão de superioridade do feminismo ocidental que a autora considera sinônimo dos comportamentos do colonizador face ao colonizado e, portanto, mera reprodução dos axiomas do imperialismo.

Outros autores têm criticado Said e proposto novas formas de abordagem teórica sem, contudo, note-se, rejeitarem na íntegra o modelo orientalista. Porém, p. ex., Robert Young não deixa de apontar outros caminhos fazendo notar que não existe um modelo metodólogico para a análise de impérios como o português ou o espanhol ou para espaços geográficos que não a Índia, nomeadamente a África.

Nos anos 90 as literaturas pós-coloniais encontram-se, tal como a metodologia crítica, numa fase de proliferação e mudança. Parece-nos que uma perspectiva comparatista poderia ajudar, já que é a que passou a ser adotada para a própria História do colonialismo, como significativamente mostra o livro de Mac Ferro Histoire des colonisations (notar a utilização do plural) recentemente traduzido para português e inglês.

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