sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Ciência e Ficção: o futuro antecipado (Rodrigo Cunha)

Diversos cientistas de hoje, para justificar o financiamento às suas pesquisas, fazem prognósticos dos possíveis benefícios que elas trarão à humanidade no futuro. Mas muitos avanços da ciência foram antes previstos em obras de ficção. “A capacidade do futuro de ocupar a imaginação tem sido uma característica permanente da condição humana, expressa nos mitos, em desenhos, rituais, produções literárias e filmes de ficção científica”, diz Alice Fátima Martins, da Universidade Federal de Goiás (UFG), que pesquisou em seu doutorado o cinema de ficção científica como expressão do imaginário social sobre o futuro. Segundo ela, um dos elementos que viabiliza esse imaginário social é o desejo de desbravamento e conquista de territórios desconhecidos, que também se expressa na literatura antes mesmo do surgimento do cinema.

O escritor francês Julio Verne, por exemplo, em seu livro De la terre à la lune (Viagem à lua), de 1865, previu não apenas que o homem conseguiria chegar ao satélite da Terra, mas também qual seria a velocidade necessária para essa jornada (11 km/s). Um editorial do The New York Times publicado um dia após o lançamento da espaçonave norte-americana Apollo 11 para a Lua, em 1969, reconhece que Verne estava certo ao afirmar que um foguete pode funcionar também no vácuo e não somente na atmosfera. Em Vinte mil léguas submarinas, de 1869, Verne também previu que os submarinos do futuro utilizariam um combustível muito eficiente e praticamente inesgotável. Os submarinos já existiam desde 1776, quando um aparato de madeira batizado de Turtle foi utilizado na guerra da independência dos Estados Unidos. Mas foi apenas em 1954 que submergiu o primeiro submarino da história movido por propulsão nuclear, batizado pelos norte-americanos de Nautilus, em homenagem ao veículo comandado pelo personagem capitão Nemo em Vinte mil léguas submarinas.

De acordo com Paul Saffo, do Institute of the Future, a exemplo dos construtores do submarino nuclear – leitores confessos de Julio Verne –, os cientistas e engenheiros de hoje responsáveis pela tecnologia que será utilizada daqui a vinte anos se inspiram lendo os livros de ficção científica mais populares do momento. E alguns pesquisadores, além de suas contribuições para a ciência, também são eles próprios consagrados autores de ficção científica. É o caso do britânico Arthur Clarke, autor de livros como a série Odisséia no espaço, que deu origem ao clássico filme 2001, de 1968, cujo roteiro ele assina junto com o diretor Stanley Kubrick. Desde 1951, Clarke publica livros de ficção com a temática do espaço, mas seis anos antes, ele já havia dado uma importante contribuição para as pesquisas espaciais: em artigo científico publicado no periódico Wireless World, Clarke – que era membro da Sociedade Interplanetária Britânica – propôs o conceito de satélites geoestacionários como ideal para as telecomunicações. Em 1957, os russos lançam na órbita da Terra o Sputnik, primeiro satélite de comunicação da história.

Para Ieda Tucherman, que pesquisa na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a relação entre as novas tecnologias e a ficção científica, esta última seria descendente do imaginário técnico-científico da modernidade e teria sido um fértil celeiro de existências lógicas que se tornaram possíveis. Hoje, porém, os especialistas de áreas envolvendo tecnologia de ponta fazem previsões para um futuro próximo que para o leigo – ou cético – podem parecer ficção. “As declarações proferidas por cientistas dessas áreas de ponta das biotecnologias e da informática são muito mais ousadas do que as fantasias apresentadas pela ficção-científica, literária ou cinematográfica”, afirma Tucherman. “Restou à ficção a função de expressar a inquietação humana diante das novas possibilidades”, completa.

Em Digital people – from bionic humans to androids, publicado este ano, o físico norte-americano Sidney Perkowitz elenca aspectos dos robôs que têm como objetivo atingir diferentes níveis da capacidade humana. Nesse livro, o autor também apresenta um conjunto de microprocessadores e softwares como o equivalente ao cérebro humano em seres artificiais. O êxito de projetos que busquem essa equivalência, no entanto, é colocado em dúvida por pesquisadores da área de informática. “Será que os sistemas de software são confiáveis o suficiente para que os robôs e outros seres artificiais façam apenas aquilo para o que foram projetados?”, questiona Virgílio Fernandes Almeida, chefe do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais. “A experiência com os complexos sistemas de software hoje existentes não nos permite ter certeza das respostas a essa questão”, avalia.

Dúvidas como essa aparecem em filmes como Inteligência artificial, de Steven Spielberg e Stanley Kubrick, de 2001. Nessa história, um casal com um filho praticamente desenganado – que permanece congelado pelo método criogênico – resolve acolher em casa a última novidade produzida pela Cybertronics Manufacturing: um meca-filho, robô idêntico a uma criança, programado para amar seus pais adotivos assim que eles lêem sete palavras previamente definidas pela empresa que o construiu. Quando o filho verdadeiro do casal supera as previsões médicas e se recupera, passa a disputar com o meca-filho o amor da mãe, que após diversos incidentes entre os dois, decide devolver o robô adotado para a Cybertronics. A empresa só o receberia de volta na condição de destruí-lo. Com pena da criatura que chegou a acolher como filho, a mãe adotiva resolve abandoná-lo em uma floresta. Daí em diante, a exemplo do personagem infantil Pinóquio, o meca-filho passa a tentar descobrir de forma incansável como fazer para se tornar humano.

A clássica história infantil As aventuras de Pinóquio, sobre o boneco de madeira que ganha vida após ser construído pelo mestre Gepeto, foi publicada pelo italiano Carlo Collodi em 1893. Quatro séculos antes, seu conterrâneo Leonardo Da Vinci, que viveu entre 1452 e 1519, já desenvolvia pesquisas sobre a anatomia humana que ajudariam na criação de articulações mecânicas. A partir dos estudos de Da Vinci, surgiram bonecos que moviam as mãos, os olhos e as pernas e conseguiam realizar ações simples como escrever ou tocar certos instrumentos musicais. A idéia de bonecos mecânicos de funcionamento previamente programado – como o robô do filme Inteligência artificial – só se desenvolveria após 1940, quando George Stibitz, da empresa Bell Labs, dos Estados Unidos, apresentou ao mundo o primeiro computador digital da história.

Leis fundamentais da robótica

Um robô nunca deve atacar a um ser humano, nem omitir socorro a um ser humano em perigo.
Um robô deve sempre obedecer às ordens dadas pelos seres humanos (a não ser que esta lei entre em conflito com a primeira).
Um robô nunca deve se auto-destruir e destruir a um dos seus (a não ser que esta lei entre em conflito com as duas primeiras).

O termo “robô” surgiu pela primeira vez em 1920, na peça do dramaturgo checo Karel Capek intitulada RUR (Rossum’s Universal Robots). Em 1926, o filme Metrópolis, de Fritz Lang, já apresentava um personagem com características de humanóide, meio máquina e meio mulher. Mas a robótica–como área de investigação científica–nasce de fato após o advento do computador, curiosamente, a partir da obra de um ficcionista (e também bioquímico): o russo naturalizado americano Isaac Asimov. O termo robótica aparece primeiro em uma pequena história sua, de 1942, intitulada Runaround. Em 1950, Asimov publica Eu, robô – cuja adaptação está atualmente em cartaz nos cinemas – uma coletânea de contos que mostra a evolução dos seres autômatos (os robôs), na qual ele postula as três leis fundamentais da robótica.

Essas leis propostas por Asimov sintetizam algumas inquietações humanas apontadas por Tucherman (UFRJ), expressas na ficção diante de novas possibilidades científicas e tecnológicas que não se restringem à área da robótica. No romance Frankenstein, publicado pela inglesa Mary Shelley em 1816, o personagem criado a partir da união de partes humanas retiradas de diversos corpos,acaba se voltando contra seu criador. Em A ilha do Dr. Moreau, de 1896,o também inglês H.G.Wells conta a história de um cientista que faz experimentos de hibridização de espécies animais com humanos, e as criaturas bestiais resultantes se revelam incontroláveis e também destroem quem as criou.Mais recentemente, inquietações como essa também aparecem em filmes como Blade Runner, de Ridley Scott, de 1982, onde andróides projetados por uma empresa de biotecnologia lutam para prolongar a sua vida, previamente programada para se extinguir em poucos anos; o líder dos andróides, diante da impossibilidade de conseguir seu objetivo, assassina o dono da empresa que os projetou. E no campo da informática, as preocupações de Asimov são centrais no filme 2001, uma odisséia no espaço, de Kubrik e Clarke: o supercomputador que comanda a espaçonave que realiza a odisséia acaba adquirindo vontade própria e passa a desobedecer os comandos humanos.

Rodney Brooks,do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT,afirma que em 20 ou 30 anos,teremos capacidade tecnológica para construir um robô com a mesma capacidade de computação do cérebro humano, mas garante que a maior parte dos robôs que iremos construir não terá vontade própria. Parte da complexa capacidade de processamento do cérebro humano, no entanto,já foi igualada–e talvez até superada–por máquinas feitas pelo próprio homem. Em maio de 1997,o supercomputador Deep Blue da IBM,disputou com o campeão mundial Gari Kasparov uma série de seis partidas de xadrez. Kasparov venceu apenas a primeira, e houve três empates entre as duas vitórias do Deep Blue sobre o enxadrista russo na segunda e na sexta partida.

A ciência – esteja ela ancorada em afirmações ousadas, como a de Perkowitz, autor de Digital People, ou prudentes, como a de Brooks, do MIT – ainda não produziu máquinas ou seres que fugissem ao controle de seus criadores da forma como a ficção apresenta. Mas outras inquietações apresentadas na ficção acerca do futuro que não gostaríamos de ter suscitaram discussões que ajudam a mudar o curso da história. “Blade Runner, dentre outras questões relevantes que trata, mapeia inquietações e desdobramentos em termos das relações sociais a partir da queda vertiginosa da qualidade de vida em meio ao caos em que se tornaram as megalópolis”, exemplifica Alice Fátima Martins, da UFG. Segundo a pesquisadora, no filme de Ridley Scott já não há o entusiasmo com a fumaça das chaminés, que no cinema do início do século XX representava o prenúncio do progresso e a conquista do futuro.

Inteligência Artificial, de Spielberg e Kubrick, também vai além da questão filosófica acerca de seres previamente programados e reproduzidos em série: cidades costeiras como Nova Iorque, no futuro em que se passa o filme, estão totalmente alagadas em função do derretimento das calotas polares, um alerta para as discussões políticas envolvendo mudanças climáticas e aquecimento global (leia edição da ComCiência dedicada ao assunto). E obras clássicas da literatura, como Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell, continuam sendo referência no debate sobre o risco de se ter uma sociedade totalitária – seja no futuro ou no presente.

Desde que o inglês H.G.Wells publicou o livro A máquina do tempo, em 1895, esse tema voltou a aparecer em diversas obras de ficção, incluindo filmes despretensiosos como De volta para o futuro (1989), de Robert Zemeckis, ou mais elaborados, como Os doze macacos (1995), de Terry Gilliam. E a partir da teoria da relatividade, elaborada por Einstein no início do século XX, a ciência também passou a encarar o tema com seriedade. Hoje já se sabe que um corpo que se move a uma velocidade próxima à da luz, como os raios cósmicos, pode atravessar uma galáxia em poucos segundos, embora para um observador terrestre essa travessia pareça levar milhares de anos.
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